Qua, 08 de junho de 2016, 09:43

Cibersolidão
Henrique Nou Schneider

Venho, aqui, comentar a reportagem da Revista Veja, edição 2442 de 9 de setembro de 2015, sobre o fenômeno da “solidão acompanhada” ou cibersolidão. É senso comum que a utilização intensiva das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) com suporte na internet, aliada aos recursos da Computação Móvel, têm provocado novos comportamentos sociais, notadamente com relação à facilidade de se promover relacionamentos, que, embora superficiais, continuam a ser designados de “amizades”. Porém, quem desenvolve amizades nos moldes tradicionais, sabe que os laços de amizade constituídos na esteira da internet, mesmo que duradouros enquanto manutenção do link entre os “amigos”, são radicalmente distintos pela fugacidade e superficialidade desse tipo de relacionamento. É certo que amizades sólidas, como as tradicionais, podem ser construídas a partir de contatos virtuais, mas é muito raro, pois as TDIC impõem velocidade nos processos que as utilizam e, naturalmente, a administração de tantas demandas pela nossa mente, na estratégia time sharing, nos leva a dispor de pouco tempo para cada um deles. Assim, fazer amizades, quanto desfazê-las, é desprovida do principal componente humano: a empatia; pois o exercício da alteridade traz, no componente afetivo, a singularidade humana. Consequentemente, não há como desenvolver laços afetivos profundos, aqueles que caracterizam a amizade tradicional, em relacionamentos mediados por tecnologias que adotam a superficialidade como princípio mor.

Se analisarmos o trade-off entre os pares “próximos-distantes” e “distantes-próximos” nas relações mediadas pelas TDIC, verificamos que, o primeiro caso é uma conseqüência do uso sem critério das mesmas, ou seja, é fruto do vicio de estar conectado, o que conduz, nos relacionamentos pessoais, à superficialização destes. O segundo caso é decorrente da apropriação salutar do ciberespaço, quando a virtualização é usada para vencer as barreiras impostas pelo binômio espaço-tempo. Em outras palavras, é o aproveitamento inteligente dos recursos oferecidos pelas tecnologias digitais atuais.

Sabe-se que cada tecnologia intelectual engendra uma ética própria. Nicholas Carr, no livro “A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, sobre o qual apresentei dois artigos analisando os efeitos das tecnologias intelectuais livro e web, nesse mesmo canal, afirma que “a ética intelectual é a mensagem que um meio ou outro instrumento transmite às mentes e cultura de seus usuários.” (p. 71) Ademais, as TDIC suportada pela internet desenvolvem a Dromocracia Cibercultural como modus vivendi (tema que também analisei nesta coluna). Por isso, não se pode subtrair a criticidade quando da sua utilização, para evitar tornar-se refém das facilidades oferecidas por estas tecnologias, pois o que se é oferecido desenvolve nas mentes das pessoas a necessidade de utilizá-las pela simples utilização. E isto não é um comportamento desejável para um ser humano. O fato de

existir serviços médicos, inclusive no Brasil, especializados na desintoxicação digital, demonstra estar se tratando de uma doença, como são os outros vícios, já que as imagens de ressonância cerebral indicam semelhança com os cérebros de viciados em álcool e outras drogas.

Portanto, conforme exposto, concordo com a jornalista Fernanda Allegretti, autora da matéria de Veja, quando asseverou: “Seria absolutamente descabido demonizar os avanços tecnológicos, sobretudo com o advento da internet, e a revolução trazida por eles, em especial no quesito comunicação. Ao mesmo tempo, parece inegável haver um ponto a partir do qual as relações virtuais passam a andar na mão oposta à de suas principais conquistas – minando os relacionamentos pessoais ‘reais’”. (pag. 82) A reportagem também traz a opinião da psicóloga, socióloga, cientista e professora do MIT Sherry Turkle autora do livro “Alone together” (ainda sem tradução para o português): “a tecnologia é sedutora quando o que oferece preenche nossas vulnerabilidades humanas. E somos, realmente, vulneráveis. Somos solitários, mas temos medo da intimidade. As conexões digitais oferecem a ilusão de estarmos acompanhados, contudo sem as demandas da amizade. Nossa vida virtual permite nos escondermos uns dos outros, mesmos quando estamos interessados. Preferimos teclar a falar”. (pag. 82)

As questões, se é a tecnologia que influencia a sociedade ou é a sociedade que pré-determina o nosso comportamento através das tecnologias desenvolvidas pelo Homem, são ambas verdadeiras. Por exemplo, quando o homem inventou e aperfeiçoou o avião, ele estava perseguindo a eficiência no deslocamento. Portanto, a possibilidade de dar a volta ao mundo em 24h é uma facilidade que veio ao encontro de uma necessidade do Homem, seja a negócio ou a lazer. E, depois de atendida, o Homem só voltará a utilizar o avião quando precisar deslocar-se com uma eficiência (tempo e custo) requerida. É improvável imaginar que alguém fique viciado em viajar de avião! Por outro lado, com a internet é diferente. Ela é uma tecnologia flexível, que, a priori, incorpora a possibilidade de ser resignificada. Quando foi criada (arpanet), não foi pensada para os fins que são utilizados na atualidade, dentre os quais, servir como canal de relacionamento humano. Em outras palavras, o seu uso pode provocar comportamentos imprevistos no Homem, como a cibersolidão. Para a psicóloga Dora Sampaio Góes, coordenadora do Programa de Dependência Tecnológica do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e citada na reportagem, “a internet não muda a índole de ninguém. O que vicia á a possibilidade de melhorar o conceito sobre si mesmo, e isso é justamente o que aumenta a solidão: o abismo entre a persona virtual e a real”.

Portanto, cabe a cada usuário das TDIC administrar o seu uso, para que o par “distantes-próximos” seja o mais recorrente, demonstrando criticidade na sua utilização, pois elas só devem ser utilizadas quando, de fato, forem necessárias para permitir a sincronia, em tempo real e à distância, ou para possibilitar novos formatos, como a cibereducação, que já não precisa ser mais desenvolvida totalmente na sincronia entre professores e alunos.

Henrique Nou Schneider é professor do Departamento de Computação e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Informática.


Atualizado em: Qui, 18 de agosto de 2016, 14:54
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