Qui, 20 de dezembro de 2018, 15:29

Intercâmbio visibiliza trabalho das marisqueiras e catadoras de mangaba de Sergipe
Ação aconteceu de 13 a 15 de dezembro
O evento reuniu professores e pesquisadores da UFS e da UFPE (Foto: Núcleo de Educomunicação do PEAC/Neppag UFPE)
O evento reuniu professores e pesquisadores da UFS e da UFPE (Foto: Núcleo de Educomunicação do PEAC/Neppag UFPE)

Josefa Cristina Ferreia, mais conhecida como Dona Bezita, 86 anos, benzedeira e marisqueira desde a mocidade, é um poço de alegria e vitalidade. Sua energia contagiante reflete em todos a sua volta, fazendo qualquer roda de conversa virar um grande aprendizado. Ela mora na comunidade de Porto do Mato, em Estância, situada no sul de Sergipe, e por carregar a sabedoria dos mais velhos, sempre está nos contando algum caso interessante sobre a sua vida.

Em uma dessas histórias, ela nos contou que o território no qual vive vem mudando. Dona Bezita diz que acompanhou a transformação, e que de uns tempos pra cá, a natureza vem perdendo espaço para objetos e ações alheios a flora e a fauna da região. Ela revelou que a pesca e a mariscagem, que representam um sustento para a vida de muitas famílias da comunidade, não estão como antes.“Antigamente tinha mais aratu e tinha mais mangues. A mariscagem é tudo para mim, ela sustentou minha vida. A minha comida era essas coisas, como não tinha mais outra coisa para comer, a não ser o aratu, o peixe, e assim vivi até agora. Hoje não vou mais mariscar porque a família não deixa”, falou Dona Bezita, com um sorriso estampado no rosto.

Essa é apenas uma das narrativas de vida das marisqueiras e catadoras de mangaba que atuam nos povoados de Porto do Mato, Ribuleirinho e Manoel Dias, todos em Estância. São histórias sem glamour, mas que motivaram a realização do intercâmbio, nos dias 13 a 15 de dezembro, entre professores e estudantes da Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), integrantes do Neppag Ayni– Núcleo de Educação, Pesquisas e Práticas em Agroecologia e Geografia, o Movimento das Marisqueiras de Sergipe, o Movimento das Catadoras de Mangaba de Sergipe e a equipe técnica do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC). O PEAC é uma ação de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais, executado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).


Um dos pontos discutidos foi a condição do trabalho feminino na pesca artesanal, seus direitos e dificuldades enfrentadas no ofício
Um dos pontos discutidos foi a condição do trabalho feminino na pesca artesanal, seus direitos e dificuldades enfrentadas no ofício

Esse intercâmbio foi a atividade de campo da disciplina “Relações Sociedade e Natureza: Interação Cultura-Natureza & Perspectiva da Agroecologia” PPGEO/UFPE, que nesse semestre foi ministrada em conjunto por Profa. Monica Cox (UFPE) e Profa. Lucy Romero (Universidad de La Frontera). As orientações tiveram como base metodológica a escuta, o diálogo de saberes, a observação dos conflitos territoriais existentes, problematizando o direito ao uso da natureza, enquanto um bem comum, frente aos usos externos que se apropriam dessa natureza como mercadoria, seja na especulação imobiliária, que a transforma como área do condomínio fechado, seja na carcinicultura, que se apropria e polui o rio destruindo-o e impedindo o uso futuro.

O primeiro momento do intercâmbio foi marcado pela apresentação do Movimento das Marisqueiras de Sergipe (MMS). Na ocasião, as marisqueiras apresentaram as principais demandas e lutas do grupo nos seus anos de construção em Sergipe. Um dos pontos discutidos foi a condição do trabalho feminino na pesca artesanal, seus direitos e dificuldades enfrentadas no ofício.

Conforme a marisqueira, Cátia Regina dos Santos, a região guarda uma grande diversidade de mariscos e peixes. “A gente pega o aratu com a isca e começa a chamar o movimento do aratu, como cantar qualquer música, ou rezar. Bate nas folhas dos manguezais, depois a gente pega ele com a vara e bota no balde. Quando chega do mangue a gente cozinha e vai quebrar o aratu, bota numa bolsa de quilo e passa a vender nas feiras e para os atravessadores”, declarou Cátia, que também integra o MMS.


Essa foi uma parceria entre o PEAC-UFS e o Neppag/Renda-UFPE
Essa foi uma parceria entre o PEAC-UFS e o Neppag/Renda-UFPE

Troca de saberes coletivo

Como no território existem também muitas mangabeiras, é comum encontrarmos mulheres que, além de mariscar, também catam e comercializam a mangaba e alimentos derivados dessa fruta. Uma delas é a moradora do povoado Manoel Dias, Catiane de Jesus Silva. Para ela, a mangaba, que só dá em seis meses do ano, é uma fonte de renda para muita gente. Integrante do Movimento das Catadoras de Mangaba, ela fala que empreendimentos imobiliários vêm destruindo os terrenos que possuem mangabeiras.

“Com a construção desses condomínios as mangabas estão diminuindo. Só tem mangaba quem tem no quintal ou no sítio. A gente cata a mangaba e faz o processamento para fazer polpa, bolo e biscoito. Vendemos os produtos nas feiras e na estrada para os turistas”, disse Catiane.

Acompanhando com muita atenção a tudo que se revelava como novidade, os professores e estudantes valorizaram ir ao mangue e aos territórios das mangabeiras para sentirem de perto como é a vida destas mulheres. De acordo com a professora da Pós-Graduação em Geografia da UFPE, Mônica Cox, e coordenadora do Neppag – Núcleo de Educação, Pesquisas e Práticas em Agroecologia e Geografia, as riquezas alimentares e ecológicas dos territórios são de suma importância para a região costeira. “Observo também alguns conflitos territoriais e ambientais em que as populações e povos tradicionais vêm resistindo e ao mesmo tempo nos indicando os caminhos de gestão dessas áreas”, acrescenta Mônica, destacando a diferença metodológica entre o intercâmbio e uma visita técnica. “A gente já entra e imerge em uma realidade de muito conflito e de muita sabedoria. Escutamos as histórias de mulheres que constroem suas vidas desde a maré. Precisamos dessa experiência dialogada, construída coletivamente”, refletiu a professora.

Emely Christine, estudante do Mestrado de Geografia da UFPE, relatou que saiu inspirada com a força e a resistência das marisqueisas e das mangabeiras, levando para casa muitos saberes. “Essas mulheres, que mesmo diante de tantos desafios, seguem firmes em seus territórios. Foi um aprendizado sobre vários processos que não tinham no meu cotididano, como a forte relação com o território, a conexão com o mangue, o trabalho coletivo e o respeito pela natureza”, acrescentou Emely.

Essa foi uma parceria entre o PEAC-UFS e o Neppag/Renda-UFPE, cuja aproximação permitiu ir visibilizando desde a perspectiva da Agroecologia, outras agriculturas, alguns sujeitos invisibilizados, que tem o quintal como central na constituição do seu processo identitário e na soberania alimentar, seja nos quintais onde se colhem as mangabas e aí temos a luta das mangabeiras, seja quando esse quintal é a maré, e aí temos a luta das marisqueiras. Está em jogo muito mais reconhecer o potencial dessas práticas, do que trazer receitas externas como salvadoras da vida dessas mulheres guerreiras.

Núcleo de Educomunicação do PEAC/Neppag UFPE


Atualizado em: Qui, 20 de dezembro de 2018, 16:19