Ter, 19 de fevereiro de 2019, 16:10

CrossFit traz risco para a pressão arterial? Pesquisa indica que não
Estudo constatou que a alta intensidade do treinamento é segura para normotensos

O CrossFit é um treinamento relativamente recente e sua prática tem gerado diversas teorias – contra e a favor. O risco de lesão é maior? Sua alta intensidade é um risco para a pressão arterial de quem pratica? Pelo menos neste caso, segundo uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Física, da Universidade Federal de Sergipe, não é.

Desde 2001, quando foi aberto o primeiro box – nome dados às academias de CrossFit, a prática só cresce. O Brasil, segundo dados do Morning Chalkup — empresa que controla a marca criada por Greg Glassman — é um dos países que mais evoluíram em números de boxes. São 1.006 deles, número que perde apenas para os Estados Unidos, onde surgiu a marca.

Thiago Silveira Prado Dantas começou sua pesquisa de mestrado em 2016, com o objetivo de descobrir se o CrossFit causa danos à saúde dos seus praticantes.

“Quando apresentei o meu projeto, a ideia era avaliar as lesões em CrossFit, só que durante o mestrado, fui ajustando. Começamos a ver no mundo científico que a parte de lesão já estava bem fundamentada, então não fazia sentido a gente manter isso. Fomos pesquisar novas variáveis, algumas alterações hemodinâmicas, questão de pressão arterial, termografia, que é algo muito novo”, explica o pesquisador.


Thiago Silveira Prado Dantas: “Antes de entrar em um box CrossFit, é preciso verificar se há treinador realmente preparado, se conhece a metodologia, se sabe que você é iniciante, para que ele faça a adaptação” (Fotos: Adilson Andrade - Ascom/UFS)
Thiago Silveira Prado Dantas: “Antes de entrar em um box CrossFit, é preciso verificar se há treinador realmente preparado, se conhece a metodologia, se sabe que você é iniciante, para que ele faça a adaptação” (Fotos: Adilson Andrade - Ascom/UFS)

Depois que o foco mudou, o objetivo passou a ser acompanhar o comportamento da frequência cardíaca e principalmente a pressão arterial do praticante durante uma sessão de CrossFit.

O interesse pelo tema começou ainda antes de iniciar o mestrado, por uma experiência prática. “Em 2015, 2016, na academia que eu trabalhava, foi criado um box de CrossFit, e aí eu conheci esse esporte lá. Fui gostando, apreciando, e os alunos que faziam lá falavam muito bem da metodologia. E aí existia, não dentro da parte científica, mas na parte social, que o pessoal falava que era um esporte que trazia muita lesão, machucava muito”, relata Thiago.

Ao estudar sobre o assunto, Thiago verificou que as pesquisas mostram que não há tantas lesões assim.

“Quando a gente fazia uma pesquisa, ia para os livros, a gente não via essa realidade nas pesquisas – que eram pouquíssimas. Por exemplo, o primeiro artigo que começou a falar sobre CrossFit é de 2013. Então isso me intrigou um pouco, porque, principalmente onde eu trabalhava, via todo cuidado para que não tivesse lesão. Aí fui conhecendo toda essa realidade, e quando comecei o mestrado em Educação Física, me veio vontade de pesquisar isso”, diz.

Hoje, as pesquisas sobre lesões no CrossFit são mais frequentes. É o caso, por exemplo, desta revisão sistemática da literatura sobre o tema, realizada por uma equipe de pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina, que concluiu haver uma segurança na prática do esporte para indivíduos de 18 a 69 anos.

Na prática

A avaliação foi realizada em uma tarde, com 10 praticantes de CrossFit, entre 20 e 40 anos, todos normotensos – com pressão arterial normal - e com mais de um ano de experiência no esporte.

Antes de começar a sessão, os pesquisadores [mestrando e orientador] conversaram com eles sobre os testes que seriam realizados. Também foi feita uma prévia antes da prática para avaliar, além da pressão arterial, a frequência cardíaca e imagem termográfica – análise que detecta lesões musculares por exercício.

“Uma vez que avaliamos tudo isso, eles foram praticar o esporte. E escolhemos, junto com o treinador do box, um trabalho que ia levar eles a um exercício máximo. Isso foi feito durante 30 a 40 minutos de treino, e logo que terminou, eles voltaram para reavaliar tudo de novo: pressão arterial, frequência cardíaca”, conta Thiago.

O pesquisador explica que a escolha em realizar o teste só com indivíduos do sexo masculino se deu porque era preciso definir uma linha de pesquisa, eliminando alguns vieses que poderiam trazer alterações no resultado.

“A gente tinha que definir, fazer só com homem ou só com mulher, porque tem alteração hormonal, e tudo isso interfere. Então o público masculino foi o que aceitou melhor a pesquisa – o que não impede de no futuro fazer só com mulheres, mas naquele momento, não deu para misturar o público”, justifica.

Antes de realizar a avaliação da sessão CrossFit, foi avaliada uma sessão de musculação. De acordo com Thiago, para poder ter uma certeza do efeito do esporte analisado, ele precisava comparar com outra prática de esporte já conhecida – na pesquisa, isso se chama “controle”.

“Como a musculação é muito mais antiga, já tem muito mais pesquisa sobre ela, usei o grupo da musculação como parâmetro para eu saber se o feito do CrossFit era válido ou não”, explica.

Diferenças entre musculação e CrossFit

Musculação é um treinamento tradicional de força e resistência, onde se é trabalhada mais a força, a resistência muscular – não exige tanto da parte cardiorrespiratória. Já o CrossFit, que é uma variação de diversos exercícios, trabalha força, resistência e também a parte cardiorrespiratória.


O CrossFit reúne exercícios que já existem, como a ginástica, o levantamento de peso, pular corda.
O CrossFit reúne exercícios que já existem, como a ginástica, o levantamento de peso, pular corda.

“Ele é um pouco mais completo em relação à musculação, mas ambos têm seus benefícios. Não é questão de ser melhor ou pior, é aquilo que a pessoa vai se adaptar melhor”, explica Thiago.

Qualquer pessoa pode praticar o CrossFit, mas existem algumas restrições, como por exemplo, para quem tem lesão articular ou lesão em estágio agudo, que precisa ter alguns cuidados especiais – o que deve ser observado em qualquer atividade física intensa.

“Na nossa pesquisa, como a gente não tinha outra anterior com o mesmo tema, para poder ter um parâmetro, nós fomos cautelosos. Então, nesse primeiro momento, avaliamos pessoas que não tinham problema de pressão e verificamos se após treinar essa sessão, a pressão deles ia subir ou não”, define Thiago.

Riscos em Hipotensos

De acordo com o orientador de Thiago, Walderi Monteiro da Silva Júnior, não há problema nenhum em pessoas com baixa pressão arterial (hipotensão) realizarem o treinamento, porque o sistema do corpo equilibra para que não haja uma queda alta e súbita.

“O que se tem medo é de ter a hipertensão [alta pressão arterial] nesses atletas, então o objetivo foi dizer o seguinte: ‘será que esse método eleva a pressão de um jeito que ofereça risco para a pessoa que está fazendo exercício?’ Porque o CrossFit leva a exigência máxima da pessoa naquele momento que ele está fazendo”, diz.


Walderi Monteiro da Silva Júnior: “Vimos que, logo após cessado o exercício, essa pressão tem tendência a cair, ir a níveis mais baixos do que estado normal, mas dentro de uma faixa segura"
Walderi Monteiro da Silva Júnior: “Vimos que, logo após cessado o exercício, essa pressão tem tendência a cair, ir a níveis mais baixos do que estado normal, mas dentro de uma faixa segura"

Foi percebido, durante a avaliação, que a pressão arterial dos atletas não subiu para um pico que fosse oferecer algum risco à saúde. “Vimos que, logo após cessado o exercício, essa pressão tem tendência a cair, ir a níveis mais baixos do que estado normal, mas dentro de uma faixa segura. Também não é baixa demais, ele não chegou a[estar] abaixo de 11 (pressão sistólica) e nem abaixo de 7 (diastólica). Então ficou dentro da faixa de normalidade”, explica o professor.

É normal que haja, durante a prática de um esporte, a queda e aumento da pressão. “Isso é o corpo ajustando o sistema para que a pressão volte ao seu normal. Tanto ele dá subida logo, aí ele entra com sistema parassimpático e baixa. Mas quando o sistema parassimpático diz: ‘opa, está baixando’, ele regula novamente”, esclarece Dantas.

A pesquisa foi feita com pessoas em torno de 20 a 30 anos, por isso não tem como dizer que a idade tem uma interferência no processo. “Porque se a gente colocar muito, você vai ter vieses que perdem o controle, por exemplo: a gente só colocou homens, com idades bem próximas e que já praticavam o exercício há mais de um ano. Por que isso? Quanto mais tempo você tem de prática, você melhora sua técnica, sua forma de realizar o exercício, e isso minimiza a chance de ter lesão e alguns desgastes físicos, por fazer um movimento ou esforço de forma errada”, argumenta Tiago.

Quem deseja praticar esse esporte deve procurar um local com profissionais habilitados para a aplicação do método, para que não haja nenhum risco.

“Antes de entrar em um box CrossFit, é preciso verificar se há treinador realmente preparado, se conhece a metodologia, se sabe que você é iniciante, para que ele faça a adaptação”, alerta o pesquisador.

Thiago Silveira atenta ainda que, por ser uma pesquisa inicial, realizada com apenas 10 voluntários, não se trata de um trabalho definitivo. “Mas é um passo para que possamos desenvolver outras pesquisas com mais segurança, inclusive com um público hipertenso, porque nesse momento, por segurança, não fizemos”, argumenta.

Mesmo chegando à conclusão de que o CrossFit é seguro, pelo menos quanto à pressão arterial, Thiago salienta que esse esporte não criou nada, são exercícios que já existem, como a ginástica, o levantamento de peso etc. “O exercício em si, que é levantar peso, pneu, pular corda, é igual. A diferença está em como isso é montado no treinamento”, conclui.

Para saber mais

A dissertação está disponível, na íntegra, no Repositório Institucional da UFS. Acesse clicando aqui.

Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Ter, 26 de fevereiro de 2019, 10:36
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