Cibernese pode ser definida como a integração ao humano de materiais externos, artificiais e não biológicos. Atualmente, o uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação atingiu um nível de excesso que está adoecendo os seus usuários.
Recentemente, em edição dominical do Jornal da Cidade (Aracaju-SE, 6 a 9 de julho de 2019) na seção Opinião do Caderno A, foi publicada a matéria “Até onde as tecnologias nos leva?”, enfatizando que “a crescente influência das redes sociais no ambiente familiar, onde estar conectado significa, infelizmente, estar distante, tornou-se um grave problema social”. A matéria objetivou anunciar o mais recente programa do Governo Federal – Reconecte, que almeja “alertar a população para os riscos do uso excessivos da tecnologia”, através de cinco eixos: tecnologia e dignidade humana, responsabilidade digital, tecnologia e saúde, segurança digital, e cultura digital. “O governo trabalha com o intuito de levar a mensagem a pessoas de todas as idades, inclusive idosos, através de ações”, lê-se.
Mais recentemente, a Revista Veja (edição de 31 de julho de 2019), na seção Geral – Internet, publicou a matéria “E aí? Curtiu a novidade?” sobre o fim da contagem dos likes no aplicativo Instagram, devido ao impacto negativo dessa contagem no emocional dos usuários deste e de outros aplicativos. A matéria alerta para o “potencial das redes sociais para viciar os usuários, influir no seu comportamento e alimentar maquinações políticas”, repercutindo, também, a opinião de vários usuários, os quais concordam, na maioria, com a decisão dos donos do Instagram.
Particularmente, este tema tem me interessado já a algum tempo, levando-me a publicar neste canal do Portal UFS algumas reflexões: Impactos das tecnologias no homem: uma reflexão, em 09/04/18; De homem a androide: uma análise sobre o uso acrítico das tecnologias digitais, em 05/10/16; Entre zumbis e Pokémons, em 02/09/16; Dromocracia Cibercultural: saturação tecnológica na sociedade contemporânea, em 29/05/15; Cibersolidão, em 24/09/15.
Agora, finalizei o projeto de pesquisa que foi aprovado no âmbito do PIBIC/COPES/POSGRAP/UFS 2018-2019 com bolsa do CNPq “Recomendações para o uso salutar das tecnologias digitais na dromocracia cibercultural”. O projeto em tela foi desenvolvido pela graduanda no curso de Sistema de Informação / Departamento de Computação Bruna dos Santos Silva, acerca do qual trago algumas informações.
Como dito, a proposta do projeto de pesquisa foi apresentar recomendações visando o uso salutar das tecnologias digitais na Dromocracia Cibercultural, especificamente o smartphone. Nesse sentido, buscou-se compreender a sociedade contemporânea à luz deste e de outros conceitos sociológicos, como “sociedade do espetáculo” e “o eu-show”. Depois de discutir com profundidade estes conceitos, iniciou-se o desenvolvimento do objetivo específico do projeto: construção de recomendações para evitar a nomofobia. Para tal, foi necessário compreender a propedêutica desta patologia e relacioná-la com os fenômenos sociológicos supracitados. A nomofobia está relacionada à expressão inglesa "No Mobile Phobia", que significa o medo de ficar sem o telefone celular. Outro comportamento de ansiedade provocado pelo vício das redes sociais é o FOMO, acrônimo de “Fear of Missing Out”, ou seja, medo de ficar por fora. Portanto, trata-se de transtornos contemporâneos relacionados ao medo de ficar incomunicável, longe do telefone celular ou internet, perdendo a condição da virtualidade no ciberespaço.
Por fim, elaborou-se o conjunto de recomendações listadas a seguir. A discussão pormenorizada destas recomendações está no Relatório Final da pesquisa.
Tais recomendações foram separadas por tópicos, sob critério de organização. O tópico I, desintoxicação digital diária, situa-se como informativo geral. O tópico II, uso de aplicativos em smartphones e computadores (PC), serve como guia para uma prática diuturna.
I - Desintoxicação Digital Diária
Visto o caráter dominante do vetor dromocrático e a consequência da nomofobia, é necessário a fiscalização diária. O instituto DELETE é a primeira entidade no Brasil especializado em Detox Digital, pertencendo à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele estabeleceu 10 passos para a Desintoxicação Digital que se encaixa como recomendações que podem evitar a nomofobia:
- Bom senso para que o uso das tecnologias não se torne abuso no cotidiano;
- Fique atento às consequências físicas (privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso abusivo das tecnologias;
- Dose o uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico, no trabalho, na família ou pessoal estão sendo prejudicados pelo uso abusivo das tecnologias;
- Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente;
- Não troque atividades, compromissos ou encontros ao ar livre para ficar conectado às tecnologias;
- Prefira uma vida social real à virtual. Escolha relacionamentos e amizades reais ao invés de virtuais;
- Pratique exercícios físicos regularmente. Crie intervalos regulares durante o uso das tecnologias fazendo alongamentos;
- Não abale o seu humor com publicações virtuais. Não acredite em tudo o que é postado e cuidado com o que você publica na internet;
- Valorize suas relações pessoais, sociais e familiares. Não troque estas relações no dia a dia para ficar utilizando as tecnologias;
- Jogue o lixo eletrônico no local correto. Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos fora de uso e evite a troca frequente sem necessidade.
II - Uso de Aplicativos no Smartphone e Computadores (PC)
- Alguns apps fazem o cálculo de dados de uso. Um exemplo é o AntiSocial, versão em português, avaliado com média de 4.2 estrelas de 5 estrelas possíveis. Ele libera a quantidade de horas gastas no celular, separado por aplicativo, e quantidade de vezes que o dispositivo é desbloqueado. Em posse desses dados, ele compara com o de outros usuários e exibe a média de uso, de desbloqueio e de minutos em redes sociais. Oferece o serviço de limitação diária, mas funciona muito melhor como informativo.
Além de aplicativos, algumas redes sociais, como Facebook e Instagram, já trazem a liberação desses dados nativamente, podendo o usuário definir notificações quando atinge a meta estabelecida, enquadrando-se, também, na categoria a seguir.
- Há aplicativos para auxiliar no estabelecimento de metas. O usuário pode definir um horário e bloquear o telefone. Dentre as opções encontradas destacam-se: o Offtime, que bloqueia totalmente o telefone durante o tempo definido pelo usuário, tendo a opção de descartar alguns aplicativos do bloqueio e de cancelar o bloqueio total mediante pressão de 1(um) minuto na tela; o Flipd, que é uma opção paga, mas oferece outra alternativa para quem tem contas acadêmicas. Ele estabelece metas de bloqueio, tem uma interface usável e oferece músicas para relaxamento; o Detox, que embora simples, cumpre bem a função de bloqueio em um tempo estabelecido pois o usuário define o horário e a tela é bloqueada.
- Alguns aplicativos utilizam gamificação para facilitar o cumprimento de metas. O Forest: Stay focused é um game em que o usuário cultiva uma planta e o crescimento dela depende da quantidade de horas que o usuário passa longe do celular. A planta morre se a meta for descumprida; Outro que segue essa linha é o Habitica, em formato RPG. O usuário pode cadastrar todas as suas tarefas diárias e caminhar pelas fases do jogo mediante cumprimento delas. Ambas opções têm versões gratuitas e apenas em Inglês.
- Outra opção é banir determinados aplicativos em determinados horário. Dentre os aplicativos que oferecem este serviço temos: o Freedom, que é uma opção paga, e o AppBlock ,que tem uma versão gratuita onde dá para usar todas as funcionalidades e a premium, para quem não gosta de anúncios. Ambas estão disponíveis em português.
- Por fim, existe um modo de controle mais severo, indicado para quem está em um grau de dependência muito grande. Os aplicativos cobram taxas em dinheiro para quem descumpre o prazo de bloqueio do celular. Uma boa opção é o app iFocusMode: o usuário estabelece o desafio que quer cumprir e paga a taxa escolhida. Os valores variam entre R$3,00 e R$190,00 e o dinheiro é devolvido ao cumprir a aposta.
Além das opções para smartphones há opções para navegadores. Estas prometem diminuir o vício e aumentar a produtividade a partir de bloqueios diretamente no navegador de websites indicados. Segue listagem de algumas opções:
- ColdTurkey. Esse aplicativo possui versão para Windows e IOS. Nele, o usuário pode instalar extensões para todos os navegadores e, além disso, bloquear aplicativos do computador ou mesmo todo o computador, sem opções de voltar atrás antes do tempo estabelecido. Oferece, também, estatística sobre os aplicativos e websites mais utilizados no PC de acordo com os minutos.
- RescueTime. Para um panorama melhor de como o usuário está utilizando seu tempo no PC, com gráficos em pizza e tabelas. Não oferece bloqueio de sites, tem temática mais informativa. Disponível em extensão para o chrome e aplicação para PC.
- LeechBlock. Extensão para navegadores Firefox. Ele estabelece o tempo para bloqueio de sites e é também uma boa opção para controle de pais sobre o conteúdo acessado por seus filhos.
- StayFocused. Semelhante às funções do LeechBlock, mas é uma extensão para o navegador chrome.
Portanto, as recomendações aqui oferecidas servem para que os usuários das tecnologias digitais adquiram o nível de usuários esclarecidos, conforme definido por Kant, ou seja, não se deixem tutelar por meio das interfaces computacionais; e que possam perceber a violência causada pelas tecnologias quando a lógica imperativa atual é a da dromocracia cibercultural.
Henrique Nou Schneider é professor no Departamento de Computação e no Programa de Pós-Graduação da UFS. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Informática na Educação/UFS-CNPq (GEPIED)