Ter, 06 de agosto de 2019, 09:46

Intoxicação Digital na Cibernese
Henrique Nou Schneider

Cibernese pode ser definida como a integração ao humano de materiais externos, artificiais e não biológicos. Atualmente, o uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação atingiu um nível de excesso que está adoecendo os seus usuários.

Recentemente, em edição dominical do Jornal da Cidade (Aracaju-SE, 6 a 9 de julho de 2019) na seção Opinião do Caderno A, foi publicada a matéria “Até onde as tecnologias nos leva?”, enfatizando que “a crescente influência das redes sociais no ambiente familiar, onde estar conectado significa, infelizmente, estar distante, tornou-se um grave problema social”. A matéria objetivou anunciar o mais recente programa do Governo Federal – Reconecte, que almeja “alertar a população para os riscos do uso excessivos da tecnologia”, através de cinco eixos: tecnologia e dignidade humana, responsabilidade digital, tecnologia e saúde, segurança digital, e cultura digital. “O governo trabalha com o intuito de levar a mensagem a pessoas de todas as idades, inclusive idosos, através de ações”, lê-se.

Mais recentemente, a Revista Veja (edição de 31 de julho de 2019), na seção Geral – Internet, publicou a matéria “E aí? Curtiu a novidade?” sobre o fim da contagem dos likes no aplicativo Instagram, devido ao impacto negativo dessa contagem no emocional dos usuários deste e de outros aplicativos. A matéria alerta para o “potencial das redes sociais para viciar os usuários, influir no seu comportamento e alimentar maquinações políticas”, repercutindo, também, a opinião de vários usuários, os quais concordam, na maioria, com a decisão dos donos do Instagram.

Particularmente, este tema tem me interessado já a algum tempo, levando-me a publicar neste canal do Portal UFS algumas reflexões: Impactos das tecnologias no homem: uma reflexão, em 09/04/18; De homem a androide: uma análise sobre o uso acrítico das tecnologias digitais, em 05/10/16; Entre zumbis e Pokémons, em 02/09/16; Dromocracia Cibercultural: saturação tecnológica na sociedade contemporânea, em 29/05/15; Cibersolidão, em 24/09/15.

Agora, finalizei o projeto de pesquisa que foi aprovado no âmbito do PIBIC/COPES/POSGRAP/UFS 2018-2019 com bolsa do CNPq “Recomendações para o uso salutar das tecnologias digitais na dromocracia cibercultural”. O projeto em tela foi desenvolvido pela graduanda no curso de Sistema de Informação / Departamento de Computação Bruna dos Santos Silva, acerca do qual trago algumas informações.

Como dito, a proposta do projeto de pesquisa foi apresentar recomendações visando o uso salutar das tecnologias digitais na Dromocracia Cibercultural, especificamente o smartphone. Nesse sentido, buscou-se compreender a sociedade contemporânea à luz deste e de outros conceitos sociológicos, como “sociedade do espetáculo” e “o eu-show”. Depois de discutir com profundidade estes conceitos, iniciou-se o desenvolvimento do objetivo específico do projeto: construção de recomendações para evitar a nomofobia. Para tal, foi necessário compreender a propedêutica desta patologia e relacioná-la com os fenômenos sociológicos supracitados. A nomofobia está relacionada à expressão inglesa "No Mobile Phobia", que significa o medo de ficar sem o telefone celular. Outro comportamento de ansiedade provocado pelo vício das redes sociais é o FOMO, acrônimo de “Fear of Missing Out”, ou seja, medo de ficar por fora. Portanto, trata-se de transtornos contemporâneos relacionados ao medo de ficar incomunicável, longe do telefone celular ou internet, perdendo a condição da virtualidade no ciberespaço.

Por fim, elaborou-se o conjunto de recomendações listadas a seguir. A discussão pormenorizada destas recomendações está no Relatório Final da pesquisa.

Tais recomendações foram separadas por tópicos, sob critério de organização. O tópico I, desintoxicação digital diária, situa-se como informativo geral. O tópico II, uso de aplicativos em smartphones e computadores (PC), serve como guia para uma prática diuturna.

I - Desintoxicação Digital Diária

Visto o caráter dominante do vetor dromocrático e a consequência da nomofobia, é necessário a fiscalização diária. O instituto DELETE é a primeira entidade no Brasil especializado em Detox Digital, pertencendo à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele estabeleceu 10 passos para a Desintoxicação Digital que se encaixa como recomendações que podem evitar a nomofobia:

  1. Bom senso para que o uso das tecnologias não se torne abuso no cotidiano;
  2. Fique atento às consequências físicas (privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso abusivo das tecnologias;
  3. Dose o uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico, no trabalho, na família ou pessoal estão sendo prejudicados pelo uso abusivo das tecnologias;
  4. Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente;
  5. Não troque atividades, compromissos ou encontros ao ar livre para ficar conectado às tecnologias;
  6. Prefira uma vida social real à virtual. Escolha relacionamentos e amizades reais ao invés de virtuais;
  7. Pratique exercícios físicos regularmente. Crie intervalos regulares durante o uso das tecnologias fazendo alongamentos;
  8. Não abale o seu humor com publicações virtuais. Não acredite em tudo o que é postado e cuidado com o que você publica na internet;
  9. Valorize suas relações pessoais, sociais e familiares. Não troque estas relações no dia a dia para ficar utilizando as tecnologias;
  10. Jogue o lixo eletrônico no local correto. Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos fora de uso e evite a troca frequente sem necessidade.

II - Uso de Aplicativos no Smartphone e Computadores (PC)

  1. Alguns apps fazem o cálculo de dados de uso. Um exemplo é o AntiSocial, versão em português, avaliado com média de 4.2 estrelas de 5 estrelas possíveis. Ele libera a quantidade de horas gastas no celular, separado por aplicativo, e quantidade de vezes que o dispositivo é desbloqueado. Em posse desses dados, ele compara com o de outros usuários e exibe a média de uso, de desbloqueio e de minutos em redes sociais. Oferece o serviço de limitação diária, mas funciona muito melhor como informativo.

Além de aplicativos, algumas redes sociais, como Facebook e Instagram, já trazem a liberação desses dados nativamente, podendo o usuário definir notificações quando atinge a meta estabelecida, enquadrando-se, também, na categoria a seguir.

  1. Há aplicativos para auxiliar no estabelecimento de metas. O usuário pode definir um horário e bloquear o telefone. Dentre as opções encontradas destacam-se: o Offtime, que bloqueia totalmente o telefone durante o tempo definido pelo usuário, tendo a opção de descartar alguns aplicativos do bloqueio e de cancelar o bloqueio total mediante pressão de 1(um) minuto na tela; o Flipd, que é uma opção paga, mas oferece outra alternativa para quem tem contas acadêmicas. Ele estabelece metas de bloqueio, tem uma interface usável e oferece músicas para relaxamento; o Detox, que embora simples, cumpre bem a função de bloqueio em um tempo estabelecido pois o usuário define o horário e a tela é bloqueada.
  2. Alguns aplicativos utilizam gamificação para facilitar o cumprimento de metas. O Forest: Stay focused é um game em que o usuário cultiva uma planta e o crescimento dela depende da quantidade de horas que o usuário passa longe do celular. A planta morre se a meta for descumprida; Outro que segue essa linha é o Habitica, em formato RPG. O usuário pode cadastrar todas as suas tarefas diárias e caminhar pelas fases do jogo mediante cumprimento delas. Ambas opções têm versões gratuitas e apenas em Inglês.
  3. Outra opção é banir determinados aplicativos em determinados horário. Dentre os aplicativos que oferecem este serviço temos: o Freedom, que é uma opção paga, e o AppBlock ,que tem uma versão gratuita onde dá para usar todas as funcionalidades e a premium, para quem não gosta de anúncios. Ambas estão disponíveis em português.
  4. Por fim, existe um modo de controle mais severo, indicado para quem está em um grau de dependência muito grande. Os aplicativos cobram taxas em dinheiro para quem descumpre o prazo de bloqueio do celular. Uma boa opção é o app iFocusMode: o usuário estabelece o desafio que quer cumprir e paga a taxa escolhida. Os valores variam entre R$3,00 e R$190,00 e o dinheiro é devolvido ao cumprir a aposta.

Além das opções para smartphones há opções para navegadores. Estas prometem diminuir o vício e aumentar a produtividade a partir de bloqueios diretamente no navegador de websites indicados. Segue listagem de algumas opções:

  1. ColdTurkey. Esse aplicativo possui versão para Windows e IOS. Nele, o usuário pode instalar extensões para todos os navegadores e, além disso, bloquear aplicativos do computador ou mesmo todo o computador, sem opções de voltar atrás antes do tempo estabelecido. Oferece, também, estatística sobre os aplicativos e websites mais utilizados no PC de acordo com os minutos.
  2. RescueTime. Para um panorama melhor de como o usuário está utilizando seu tempo no PC, com gráficos em pizza e tabelas. Não oferece bloqueio de sites, tem temática mais informativa. Disponível em extensão para o chrome e aplicação para PC.
  3. LeechBlock. Extensão para navegadores Firefox. Ele estabelece o tempo para bloqueio de sites e é também uma boa opção para controle de pais sobre o conteúdo acessado por seus filhos.
  4. StayFocused. Semelhante às funções do LeechBlock, mas é uma extensão para o navegador chrome.

Portanto, as recomendações aqui oferecidas servem para que os usuários das tecnologias digitais adquiram o nível de usuários esclarecidos, conforme definido por Kant, ou seja, não se deixem tutelar por meio das interfaces computacionais; e que possam perceber a violência causada pelas tecnologias quando a lógica imperativa atual é a da dromocracia cibercultural.

Henrique Nou Schneider é professor no Departamento de Computação e no Programa de Pós-Graduação da UFS. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Informática na Educação/UFS-CNPq (GEPIED)


Atualizado em: Ter, 06 de agosto de 2019, 12:40
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