Qua, 04 de março de 2020, 14:14

Poluição de óleo em Sergipe está dentro de limite seguro; mas precisa de monitoramento
Substâncias cancerígenas ‘invisíveis’ podem permanecer no meio ambiente por anos

Quando toneladas de óleo de origem desconhecida poluíram o litoral nordestino, uma das preocupações era o risco para as populações e o meio ambiente. Em Sergipe, mais de uma tonelada do produto foi recolhida do mar e das praias.

Menos de três meses depois do surgimento da poluição, pesquisadores da UFS recolheram amostras de água e pescados para avaliar a toxicidade provocada pela tragédia ambiental. A conclusão é de que os níveis não estão acima do patamar de segurança, mas é preciso monitoramento permanente por pelo menos dez anos.


Maria Terezinha Santos Leite Neta, docente do Departamento de Tecnologia de Alimentos, coordenou os estudos
Maria Terezinha Santos Leite Neta, docente do Departamento de Tecnologia de Alimentos, coordenou os estudos

O estudo partiu de uma solicitação do Ministério Público Estadual (MPE/SE) à UFS, em uma ação que envolveu ainda o Ministério Público Federal (MPF) e a Secretaria de Agricultura do estado (Seagri). A comissão de pesquisadores apresentou o relatório no mês passado ao MPE. O grupo, inclusive, foi homenageado com um Certificado de Reconhecimento Público por parte do MPF e uma Moção de Louvor pela UFS.

Substâncias cancerígenas

Em novembro de 2019, durante o período de intensa poluição pelo óleo, o químico da UFS Silvânio Silvério Lopes da Costa foi aos estuários (desembocadura dos rios no mar) de Sergipe realizar coleta de água e peixes para as análises de uma equipe de pesquisadores – da qual ele faz parte.

Os pescadores estavam preocupados não só pela poluição nas águas e nos peixes, mas também pela queda nas vendas dos pescados. Eles próprios ajudaram na coleta dos animais para os estudos.

“Os pescadores relatavam muita morte de peixes, mas não sabiam se era por causa do óleo. Reclamavam também de inflamações que apareciam muito rapidamente em cortes [no manuseio dos peixes], que demoravam mais a cicatrizar”, relata o pesquisador, que além de químico do quadro técnico da UFS, é professor na Pós-graduação em Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos.


Silvânio Silvério Lopes da Costa é químico e professor da Pós-graduação em Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da UFS
Silvânio Silvério Lopes da Costa é químico e professor da Pós-graduação em Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da UFS

A comissão de cientistas focou em analisar os Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs) em pescados e nas águas dos estuários dos rios São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza-Barris e Real.

Os HPAs são substâncias altamente cancerígenas e podem continuar contaminando os animais e o meio ambiente por muitos anos. Podem ter diferentes origens - entre eles, o petróleo bruto, como o que chegou à costa nordestina - e mesmo que o óleo não esteja mais visível, eles ainda poderão estar no ambiente e nos animais.

A professora Maria Terezinha Santos Leite Neta liderou a comissão que analisou as amostras. O grupo concluiu que o índice dos HPAs está dentro dos parâmetros de segurança. Entretanto, a pesquisadora conta que os estudos de outros acidentes parecidos mostraram que mesmo após uma década a presença dos HPAs ainda podia ser percebida.

Ela enfatiza que o resultado da análise representa o momento em que houve a coleta. “Agora, por exemplo, a gente não sabe como está a realidade da concentração desses compostos. Eles acumulam no meio ambiente, no peixe, daí a necessidade de um monitoramento”, diz. “Seriam necessários dez anos para o restabelecimento da biota”, pontua a docente do Departamento de Tecnologia de Alimentos.

Pequenas quantidades de HPAs podem representar perigo. “Seu potencial de contaminação é ‘nível traço’, ou seja, quantidades mínimas podem provocar males à saúde humana e à fauna”, explica Rafael Donizete Dutra Sandes, doutorando no programa Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio).

Monitoramento

Os relatórios com as conclusões das análises foram apresentados ao Ministério Público Estadual dia 17 de fevereiro - links no final desta matéria. A equipe destacou a necessidade de monitoramento permanente dos estuários durante uma década.


Segundo Rafael Donizete Dutra Sandes, doutorando em Biotecnologia, quantidades mínimas de HPAs podem provocar males à saúde humana e à fauna
Segundo Rafael Donizete Dutra Sandes, doutorando em Biotecnologia, quantidades mínimas de HPAs podem provocar males à saúde humana e à fauna

O professor Carlos Alexandre Borges Garcia, do Departamento de Química, intermediou o contato entre o MPE e a UFS, além de contribuir com a pesquisa. Ele ressalta a necessidade desse acompanhamento constante.

“Como o estuário é um berçário das espécies marinhas, que ali vêm se reproduzir, então é importante que seja feito o controle, o acompanhamento, porque essa substância pode se desprender. Aí, por exemplo, vem uma espécie e se alimenta de algum sedimento, de alguma partícula [contaminada com HPA) que tenha no ambiente, vai acumulando no corpo”, argumenta o docente.

Carlos conta que ainda não há encaminhamento do poder público para um projeto de monitoramento da poluição em Sergipe.


Carlos Alexandre Borges Garcia, professor do Departamento de Química, destaca que a acumulação das substâncias nocivas requer acompanhamento constante
Carlos Alexandre Borges Garcia, professor do Departamento de Química, destaca que a acumulação das substâncias nocivas requer acompanhamento constante

A professora Terezinha Neta diz que os estudos demandaram a estrutura do Laboratório de Flavor e Análises Cromatográficas (LAF) da UFS e a dedicação dos pesquisadores, técnicos e estudantes de Iniciação Científica e de pós-graduação. Mas para um acompanhamento constante, é necessário investimento do qual a UFS não dispõe.


A equipe foi homenageada pelo MPF e pela UFS
A equipe foi homenageada pelo MPF e pela UFS

A comissão de pesquisadores da UFS chegou a contribuir, ainda, em um estudo semelhante desenvolvido pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). No estado vizinho, foram coletadas amostras de água e de mariscos e peixes - as dos animais foram analisadas no LAF/UFS.

Marcilio Costa
comunica@ufs.br


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