Sex, 14 de agosto de 2020, 13:39

Estudo revela estrela anã branca que completa um giro a cada meio minuto
Professor da UFS liderou a pesquisa, publicada na revista The Astrophysical Journal Letters

O que você poderia fazer em menos de 30 segundos? Uma equipe de cinco pesquisadores, sendo quatro deles de instituições brasileiras, revelou uma estrela de tamanho similar ao do planeta Terra, de tipo anã branca, que precisa de apenas 29,6 segundos para completar um giro em torno de si. Enquanto a Terra completa o seu giro diário, essa estrela dá quase 3000 giros e assim detém o recorde de rotação entre todas as anãs brancas conhecidas. O estudo foi publicado neste mês na revista The Astrophysical Journal Letters.

Anã branca é um dos possíveis estágios finais na evolução de uma estrela; é o destino da maioria das estrelas do universo, como será o do Sol. Uma anã branca tem massa similar à do Sol, mas seu volume é equivalente ao da Terra. Portanto, uma anã branca é extremamente densa: um volume equivalente ao de uma caixa de fósforo pequena teria aproximadamente 25 toneladas de matéria. Diferente do Sol, essa estrela tem uma companheira da qual captura parte de sua matéria e, juntas, formam um sistema binário chamado CTCV J2056-3014. Essas estrelas movem-se uma em torno da outra como o sistema Terra-Lua, e a distância entre elas, inclusive, é equivalente à distância entre a Terra e a Lua.

“Investigar fenômenos astrofísicos extremos nos permite fazer avançar a física sob condições que são difíceis ou mesmo impossíveis de serem produzidas em nossos laboratórios. O estudo de CTCV J2056-3014 tem implicações científicas importantes sobre interação entre matéria e campos magnéticos, que é de grande interesse em física, e que nesse sistema se dá com matéria caindo sobre uma estrela magnetizada e em rotação elevada. O que foi observado abre horizontes para um melhor entendimento sobre estrutura e evolução estelar, e também sobre a origem de campos magnéticos em estrelas evoluídas”, ressalta o pesquisador Raimundo Lopes de Oliveira Filho, professor da Universidade Federal de Sergipe e do Observatório Nacional, que liderou o estudo.

CTCV J2056-3014 está a uma distância de 850 anos-luz do Sol, o que é considerado pouco em escalas astronômicas. Assim, pode ser considerado um sistema na vizinhança do Sol. A esta distância nenhum telescópio atual consegue ver as duas estrelas deste sistema separadas, apenas o brilho combinado de ambas.


Concepção artística de um sistema de tipo polar intermediária, com uma anã branca capturando matéria de sua companheira. (Rodrigo Cassaro/Observatório Nacional)
Concepção artística de um sistema de tipo polar intermediária, com uma anã branca capturando matéria de sua companheira. (Rodrigo Cassaro/Observatório Nacional)

O trabalho sobre CTCV J2056-3014 foi baseado em observações em raios X realizadas pelo telescópio espacial XMM-Newton, da Agência Espacial Europeia (ESA), e na luz que é visível aos nossos olhos pelo telescópio Zeiss do Observatório do Pico dos Dias (OPD), no estado de Minas Gerais, gerenciado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA/MCTI).

A descoberta da equipe veio de estudos que revelaram que a variação do brilho do sistema binário, tanto em raios X quanto na luz visível, se repete a cada 29,6 segundos. Tal variação está associada ao tempo de giro da anã branca. Antes desta descoberta, o período de rotação mais curto conhecido em uma anã branca era de 33 segundos. Existem poucas deste tipo conhecidas com período de rotação inferior a 100 segundos, sendo que o mais comum é a rotação durar de vários minutos a várias horas em sistemas binários, e alguns dias em estrelas "isoladas".

O sistema é do tipo polar intermediária, uma subclasse das variáveis cataclísmicas. O estudo mostrou também que CTCV J2056-3014 é um sistema modesto em sua emissão de luz em raios X quando comparado a sistemas de sua classe e, como tal, passava sem ser percebido mesmo sendo nosso vizinho: vários desses sistemas devem estar igualmente ocultos.

Este sistema é membro de um grupo ainda muito pequeno, exatamente por ser formado por sistemas pouco luminosos em raios X. Porém, descobertas recentes apontam que o grupo deve ser muito numeroso e estar entre os principais contribuintes de luz em raios X em nossa galáxia. “Decidimos estudar a CTCV2056 em raios X devido a indícios que obtivemos ao observá-la em luz visível em 2012. Descobrir que sua anã branca tem uma rotação tão rápida foi uma grande surpresa. Com este trabalho, temos uma estratégia para explorar o grupo ao qual pertence CTCV J2056-3014”, afirma Alexandre Soares de Oliveira, da Universidade do Vale do Paraíba, co-autor do trabalho.

Os autores do estudo apontam uma forte evidência de que a anã branca de CTCV J2056-3014 tem um campo magnético mais fraco do que usualmente é visto em anãs brancas de sistemas do tipo polar intermediária, o que abre janelas para estudos de condições incomuns.

O campo magnético na superfície da anã branca de CTCV J2056-3014 é aproximadamente 1 milhão de vezes mais intenso que o da Terra e isso faz com que a matéria da estrela companheira que cai sobre a anã branca siga estruturas que podemos imaginar como tubos magnéticos. "A região onde essa estrutura magnética encontra a anã branca é onde ocorre a emissão que vemos em raios-X e parte da que vemos na luz visível. Essa emissão varia periodicamente devido à rotação da anã branca e pode, assim, ser usada para medir o tempo de rotação", diz Claudia Vilega Rodrigues, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A captura de matéria pela anã branca de CTCV J2056-3014 a fez girar mais e mais, até que ela atingiu uma situação de quase equilíbrio.

“O estudo também é um belo exemplo de sinergia entre instrumentos de grande porte, como o satélite XMM-Newton, e telescópios pequenos, como o Zeiss do Observatório do Pico dos Dias, mostrando que equipamentos modestos tem o seu lugar na pesquisa mesmo na época de telescópios gigantes”, diz Albert Bruch, do Laboratório Nacional de Astrofísica.

Observatório Nacional


Atualizado em: Sex, 14 de agosto de 2020, 13:49
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