Seg, 18 de abril de 2011, 05:37

Yes, nós temos mass killers! Ainda e sempre sobre Educação
Yes, nós temos mass killers! Ainda e sempre sobre Educação
Maria Aparecida Silva Ribeiro

Enquanto você discorre sobre bullying, alguém chora uma Larissa. Enquanto você define fundamentalismo, alguém se lembra de uma Milena. Enquanto se (re)discute desarmamento civil, alguém desfaz os planos dos 15 anos da Luiza.
A pressa, a vontade de fazer a vida voltar para os eixos é o que tem abreviado o luto, afinal, empatia nunca fez mal a ninguém, mas também – ao que parece – não faz bem ao chamado distanciamento crítico. Os teóricos da educação, os especialistas em comportamento humano, os comentaristas exclusivos das emissoras líderes de audiência, os bambambãs da segurança pública têm pressa em despejar suas opiniões. Nos fake faces, inimigos dos real books, garantem sua pole position quando emitem opiniões apressadas, criando monstros, disseminando verdades apocalípticas, celebrando, sim, tornando célebre, a ação degradada de um ser humano que, até outro dia, era só mais um número na estatística dos ex-alunos infelizes da escola.

Alguém falou que a visita do Obama ao Rio pode ter desencadeado um surto megalômano globalizado no assassino. Alguém falou que ele era misógino, escolheu meninas, bonitas, para aniquilar. Alguém falou que era fanático religioso, com fixação pelo Egito. Alguém falou que era terrorista, ou narcisista que sonhava em ser um. Alguém falou que ele foi abusado, molestado, agredido, humilhado na infância. Alguém falou que ele era solitário, era infeliz, era um miserável... seja o que for que o senso comum afirmar sobre o que ele foi, ele já não é mais. Suicida, destruiu todos os seres que lhe atribuíram enquanto vivo. Se foi um solitário, agora pertence a uma comunidade, a rede internacional dos monstros, dos mass killers, dos psicopatas, psicóticos, devoradores de vida a quem o cinema tem regularmente prestado seu tributo. E não se preocupem se perderam alguma cena gravada por celular, logo, logo, a história vai ganhar a telona, pelas mãos de algum gênio do cinema (inter)nacional.

Se foi ignorado por pessoas de seu convívio, agora virou capa da Veja, matéria do Fantástico, ponto de pauta dos secretários de educação. “Oh, quer dizer então que pessoas entram armadas na escola?” Sim, senhor secretário, adultos e crianças, entram armados com revólveres, facas, canivetes, palmatórias, bombas de efeito moral, lápis, raquetes, réguas, bolinhas de pingue-pongue, desafetos, preconceitos, punhos fechados e muito ódio cultivado em casa e nas ruas. A garota gorda, o menino feio, o nerd, o negro, o gay , a menina de cabelo crespo, o rapaz de óculos fundo de garrafa, o magrelão com espinhas, o pobre, o sem-nike, o sem pai, esses são o alvo em potencial.

O homem que matou crianças em Realengo foi o saco de pancadas que cresceu e ganhou vida, voltando para vingar sua memória degradada de infância. E, nessa ação, aparentemente ordenada, planejada, cumpriu todos os passos d’ O herói de mil faces (CAMPBELL, Joseph. São Paulo: Edit. Cultrix/Pensamento, 1997 ), herói para si mesmo, claro, vilão para o resto do mundo. Se não, vejamos: 1. O chamado da aventura; 2. A partida; 3. O retorno; 4. A arma secreta; 5. A ajuda mística; 6. O inimigo poderoso– todos os que um dia o humilharam, todos os que o violentaram: a escola; 7. A mulher como tentação (ou as meninas, puras, como virgens sacrificadas em um ritual macabro de autopurificação). O ato, agora descrito como linguagem, tem um fundo mitológico, percebe-se. O que dói é saber que os tiros foram reais, queimaram para além do simbolismo. Assim, por respeito à Karine, à Carol, à Gessica, à Samira... e também ao Rafa, ao Igor, a todos os que já não estão aqui para viverem suas vidas comuns e isentas de qualquer teoria; em solidariedade aos que ainda lutam, desesperadamente, pela vida, nos hospitais do Rio, chega de especulações acadêmicas. Envio-lhes e às suas famílias, tão-somente, meu mais sincero pesar.

Nossos corações estão em luto, também, pelo reconhecimento de nossa insuficiência como educadores, nossa incapacidade de lidar com a proporção com que nossas ações (ou falta de) podem agigantar dores transformadas em ódio e ódios transformados em dor. Nossos corações quebrantados de pais e mães, que deixam, todos os dias, nossos filhos e filhas na escola, acreditando que estão seguros, protegidos. O assombro que faz querer tomar para nós esta responsabilidade, como formadores de professores, de implicar esses futuros docentes nesta que deve ser uma batalha do bem. Esta verdadeira cruzada contra a transmutação de mocinhos em vilões e que, agora mesmo, em alguma escola do centro ou do subúrbio, começam a trilhar sua trajetória de vida e de morte.

“Viveremos entre monstros da nossa própria criação.
Serão noites inteiras talvez com medo da escuridão.
Ficaremos acordados imaginando alguma solução.
Pra que este nosso egoísmo não destrua nosso coração”. (R. Russo)


Currículo
Doutora em Letras pela PUC-Rio. É Professora Adjunta e Chefe do Departamento de Letras Vernáculas da UFS.""


Atualizado em: Ter, 19 de abril de 2011, 04:18
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