Qua, 15 de junho de 2011, 05:11

O barco de fogo como patrimônio imaterial: subsídios para o registro
O barco de fogo como patrimônio imaterial: subsídios para o registro

Moisés Santos Souza


Visando contribuir na discussão iniciada há alguns anos, sobre a iniciativa e a proposta de promover o registro do barco de fogo como Patrimônio Cultural de Sergipe, venho oferecer neste presente artigo, algumas informações que podem servir de subsídios para aqueles que pretendem encapar tal tarefa.

O Patrimônio Cultural Brasileiro, oficialmente, é constituído pelos “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto”, que trazem referência “à identidade e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” através das “formas de expressão”, “modos de criar, fazer e viver”, das diversas “criações científicas, artísticas e tecnológicas”, das “obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais”, dos “conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. Desse modo, é todo uma gama ou conjunto de bens, conhecimentos e realizações herdados pela sociedade que criam uma certa identidade e reconhecimento nacional, ou seja, aquilo que conferem traços de individualidade em relação a outro povo.

Para preservação ou mesmo salvaguarda desses bens de natureza material e imaterial foi criado dois mecanismos de defesa e proteção: o tombamento e o registro. O tombamento pelo decreto lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 e o registro pelo decreto n. 3.551 de 4 de agosto de 2000. Fiquemos com este último instrumento oficial, já que é nesse que se enquadra especificamente, o artefato “barco de fogo” (motivo de nossa discussão), enquanto patrimônio cultural imaterial.

O Registro, meio legal para o reconhecimento e valorização do patrimônio cultural intangível, é o que possibilita a salvaguarda de bens imateriais apoiando a sua continuidade de modo sustentável. Ele registra as tradições presentificadas nos saberes, nas línguas e diversos dialetos, em festas e outras manifestações culturais, transmitidos tanto pela oralidade como também pela gestualidade, permitindo o reconhecimento de valores e traços culturais próprios que reforçam a identidade de um lugar e de um povo. O registro se dá na inscrição em um dos quatro livros abertos para essa finalidade: Livro dos Saberes (conhecimentos e modos de fazer); Livro das Celebrações (rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, religiosidade, entre outras práticas da vida social); Livro das Formas de Expressão (manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas) e Livro dos Lugares (mercados, feiras, praças, santuários, entre outros espaços que concentram e reproduzem práticas culturais coletivas). O barco de fogo se insere como patrimônio imaterial porque, antes de tudo, é um modo de fazer um objeto que é usado nas festividades juninas, repassado tradicionalmente pela comunidade e que exprime consigo formas de pensar e viver de quem o produziu.

Elemento importante dos festejos juninos da cidade de Estância e do estado de Sergipe, o Barco de fogo teve sua origem ainda nos idos do fim da década de 1930, criado pelas mãos do jardineiro e fogueteiro, Francisco da Silva Cardoso (1907-1971), mais popularmente conhecido como “Chico Surdo”, por decorrência de perda de audição. Ele concebeu o barco a partir de uma espada que correu ao longo de um fio de arame e que aperfeiçoando levou ao atual barco que conhecemos hoje. O barco de fogo, juntamente com o ritual do Pisa-Pólvora e as tradicionais guerras de buscapés, é uma das (se não a maior) expressões do São João estanciano. Sem ele e seus respectivos criadores (os fogueteiros), seria muito difícil visualizar as festas juninas da cidade como algo diferenciado das demais ocorridas no mesmo período no Estado e também na região Nordeste. A Festa de São João de Estância, provavelmente se resumiria em shows de bandas de forró elétrico promovidos em sua maior parte pela prefeitura ou mesmo pela iniciativa privada, com acréscimo de algumas apresentações de manifestações folclóricas, atrações essas que também ocorrem em outras cidades. Por isso, sem o barco, não haveria o que é de mais próprio, autêntico e genuíno nos festejos juninos de Estância.

Em resumo, o artefato pirotécnico Barco de fogo, patrimônio de Estância e de Sergipe, é um bem cultural importante por traduzir aos seus o mais forte traço de pertencimento a localidade, além de ser fonte de renda para alguns estancianos no período junino. Por fim, o registro do barco possibilitará um forte apoio na sua continuidade e numa melhoria nas condições sociais e materiais de transmissão e reprodução, possibilitando a sua existência. Mas para isso é constante que os interessados no registro recolham o maior número de fontes possíveis (sejam elas escritas ou textuais, iconográficas, filmográficas, sonoras ou orais), para que o devido encaminhamento aos órgãos responsáveis possa alcançar êxito e para que afinal o Barco de fogo se torne patrimônio oficial da cultura sergipana e brasileira.


Currículo
Estanciano, graduado em História Licenciatura pela UFS e membro desde 2006 do grupo “Defensores do Patrimônio Cultural Sergipano” (DPCS), coordenado pelo prof. Dr. Francisco José Alves. Contato: eraldo.neves@yahoo.com.br.


Atualizado em: Qua, 15 de junho de 2011, 05:11
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