Saber Ciência / Josenildo Luiz Guerra
20/07/2009
Na semana passada, discuti neste espaço a confusão entre liberdade de expressão e o exercício profissional do jornalismo que imperou no julgamento da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Hoje, vou me ater a outro aspecto.
A interpretação dos ministros de que o jornalismo não oferece riscos à coletividade, e em virtude disso não demandaria saberes especializados indispensáveis para minimizar a ocorrência de danos a pessoas envolvidas e à sociedade como um todo.
Ora, a função do jornalismo é essencialmente pública, razão pela qual se tornou conhecido como o Quarto Poder. É por meio do jornalismo que a sociedade recebe significativa quantidade de informações através das quais as pessoas se orientam para o exercício de sua cidadania. É através dos jornalistas que todos sabemos da existência de um novo tipo de gripe, que acompanhamos as denúncias de irregularidades no senado federal, que monitoramos o debate político, enfim, que somos atualizados continuamente sobre nossa experiência social e simultaneamente para nossa melhor inserção pessoal dentro dela.
Não apenas no âmbito da vida pública, entretanto. Também em nossa vida pessoal e privada, muitas de nossas ações podem ser apoiadas pelo trabalho dos jornalistas, como a compra de uma casa ou um carro, as tendências da moda, os últimos lançamentos do cinema, etc. Mesmo nesta esfera, entre futilidades e decisões que nos amarram por anos, as informações jornalísticas ampliam potencialmente a nossa percepção sobre os fatos e consequentemente a nossa inserção social. Embora não haja um impacto tão significativo quanto na primeira, não há como negar um papel relevante.
Nos dois casos acima, os maiores prejudicados por uma informação inadequada, incorreta, imprecisa não será o jornalista. Aliás, não raro, ele será o menos prejudicado. E qualquer prejuízo que venha a lhe ocorrer, na maioria das vezes, terá sido antecedido por um prejuízo provocado a alguém. Uma informação incorreta, por exemplo, que gere uma ação de danos morais contra o jornal: a ofensa à honra poderá lhe causar a demissão.
O erro do jornalista normalmente tem três alvos. O primeiro, as pessoas diretamente abordadas na notícia, que podem ter seus pronunciamentos deturpados, em prejuízo de sua imagem pessoal ou profissional; ser envolvidas em fatos dos quais efetivamente não tomaram parte, como em casos de denúncias improcedentes; ter revelado aspectos de sua vida íntima e privada, etc.
O segundo alvo são as pessoas próximas daquelas que são objeto direto das notícias ou que sejam implicadas por elas. Uma denúncia improcedente contra uma pessoa afeta não apenas a imagem dela. Os transtornos alcançam todo o ambiente familiar. Uma denúncia improcedente contra uma instituição afeta todo um conjunto de relações que ela mantém e alimenta com seus parceiros e beneficiários. Embora os exemplos se refiram a denúncias, uma informação errada, qualquer que seja, dependendo da sua gravidade, pode ter conseqüências tão ou mais nefastas tanto para os envolvidos quanto para os implicados.
Por fim, o terceiro alvo é a sociedade como um todo que vê o seu direito à informação verdadeira e plural ser desrespeitado. Talvez muitos não se lembrem, mas uma das grandes discussões que envolviam o debate sobre os alimentos transgênicos era a rotulagem. Havia um grupo de consumidores que exigia a informação no rótulo se o gênero alimentício oferecido era ou não modificado geneticamente. Independentemente de fazer mal ou bem à saúde, eles pleiteavam seu direito de saber o que estavam consumindo.
Independentemente, portanto, de qual seja a notícia, no ato de sua veiculação ela se torna um bem público. Um bem oferecido à sociedade, a fim de que os membros dessa sociedade estejam a par do que acontece no mundo. Em conseqüência, ela circula livremente pelos espaços públicos e gera potencialmente efeitos sobre a vida social, ora ignoráveis ora de graves conseqüências. A correção da informação, a adequação dos métodos para sua obtenção e o tratamento adequado na sua divulgação são procedimentos que visam, antes de tudo, a garantia do direito à informação.
Por isso que até hoje a tese sustentada no STF, de que o jornalismo não é uma atividade que ofereça riscos à coletividade, nos parece uma avaliação que subestima a influência do jornalismo na vida social. Nas boas escolas de jornalismo, o desafio tem sido antecipar todas essas questões na formação do aluno, com fundamentação técnica, teórica e empírica, a fim de contribuir com a melhoria dos serviços jornalísticos prestados à sociedade.
Josenildo Luiz Guerra é professor do curso de Comunicação/Jornalismo da UFS, Doutor em Comunicação e Coordenador da Agência UFS de Divulgação Científica e da coluna Saber Ciência.
Saber Ciência é uma coluna semanal de divulgação científica publicada no CINFORM. É uma atividade da Agência UFS de Divulgação Científica, sob coordenação do Prof. Dr. Josenildo Luiz Guerra, e com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe - Fapitec.
Currículo
Josenildo Luiz Guerra é professor do curso de Comunicação/Jornalismo da UFS, Doutor em Comunicação e Coordenador da Agência UFS de Divulgação Científica e da coluna Saber Ciência.