Saber Ciência / Josué Modesto dos Passos Subrinho
10/09/2009
Há poucos dias, divulgamos o edital para o vestibular relativo ao ingresso em nossos cursos de graduação para o próximo ano letivo. Anualmente, uma parte significativa de nossa sociedade se volta para a instituição, examina e opina acerca de suas regras de acesso, das possibilidades de ingresso dos seus filhos, de suas perspectivas profissionais e da qualidade da formação que poderão receber em nossa e em outras instituições congêneres. Há certamente uma característica que tranqüiliza os diversos agentes envolvidos no processo: a previsibilidade das regras e a coerência entre os esforços e os resultados obtidos por cada envolvido neste processo, permitindo a construção de estratégias que podem levar ao êxito de cada participante, na qual o esforço e o talento individual têm peso decisivo. Enfim, para uma sociedade ainda tão permeada por arbítrios, favores e prebendas, o vestibular, tal qual praticamos há anos, com mudanças pontuais, parece ser um símbolo da meritocracia convivendo, com outras ilhas do mesmo naipe, em um oceano de culto ao sucesso fácil, de bajulação dos poderosos e do acesso privilegiado dos que já são bem colocados no contexto dos melhores frutos produzidos pela sociedade.
Evidentemente, mudanças de tal monta não poderiam deixar de provocar disputas e discussões em diversos segmentos da comunidade acadêmica e da sociedade, visto que a Universidade Federal de Sergipe optou por uma adesão mínima ao ENEM, já que ele servirá de critério apenas para o preenchimento de vagas remanescentes em cursos, após o vestibular do ano. Concentraremos nossa análise nas questões suscitadas pela adesão da UFS ao sistema de quotas.
Não argumentaremos exaustivamente, neste artigo, acerca dos méritos da proposta adotada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFS (CONEPE), queremos apenas destacar que tanto a sociedade quanto a comunidade universitária não foram tomadas de surpresa, uma vez que propostas análogas já foram adotadas, há alguns anos, por diversas universidades públicas, e são objeto de projeto de lei, tramitando no Congresso Nacional e de discussões em diversas instâncias do judiciário nacional. Em nosso âmbito acadêmico, uma portaria do Reitor, de Outubro de 2007, estabeleceu uma comissão para discutir propostas de ações afirmativas. Esta comissão coordenou diversos debates, culminando, exatamente um ano após, com a aprovação pelo CONEPE de resolução estabelecendo o atual sistema a ser adotado no ano seguinte.
Nosso principal propósito, neste artigo, é apenas registrar os números relativos ao acesso dos candidatos oriundos das escolas públicas e privadas aos cursos da UFS, para aquilatar a mudança que ocorrerá com a adoção do sistema de quotas e os impactos previsíveis para os diversos segmentos envolvidos na contenda, nem sempre explícita, acerca da legitimidade da disputa por vagas públicas, no ensino superior. Ademais, apresentaremos algumas das características socioculturais que podem ser inferidas do questionário respondido por candidatos ao nosso vestibular de 2009.

Como se pode ver na tabela acima, os alunos egressos das escolas públicas foram majoritários, entre os inscritos no vestibular 2009, na proporção de 58,4%. Entretanto, conseguiram apenas 48,5% das vagas. Este resultado confirma uma percepção corrente na sociedade de que as escolas públicas não conseguem ministrar ensino de qualidade equivalente ao ministrado nas escolas privadas, a qual, por sua vez, tem sido confirmada, também, por avaliações oficiais, como o já citado ENEM.
O outro lado, possivelmente surpreendente, é que o percentual de vagas obtido pelos egressos das escolas públicas não é desprezível, pelo contrário, se aproximou muito do marco de 50% almejado pelo sistema de quotas. Todo o esforço de expansão, visando à inclusão dos segmentos sociais relegados feito pela Universidade Federal de Sergipe, não foi em vão. Em 1999, por exemplo, a participação dos egressos das escolas públicas, nas vagas ofertadas pela UFS, foi de 42%, num total de 1.535 vagas então ofertadas. Ou seja, naquele ano, 645 alunos egressos das escolas públicas acessaram nossas vagas ofertadas pelos cursos de graduação, enquanto, em 2009, o total de vagas preenchidas pelos egressos da escola pública atingiu 2.133, ou seja, assistimos a um crescimento de 231% no número de estudantes que ingressaram em nossa Universidade Federal de Sergipe, e, simultaneamente, ao crescimento da fatia no bolo das vagas ofertadas.
No próximo vestibular, ofereceremos 4.910 vagas. Suponhamos, para fins de simplificação de raciocínio, que as vagas reservadas aos portadores de deficiência sejam distribuídas igualmente entre os egressos das escolas públicas e privadas. Neste caso, se o novo sistema não tivesse, também, um componente meritocrático, cada segmento proveniente das escolas públicas ou privadas obteria 2.455 vagas, ou seja, haveria um crescimento, em relação ao ano anterior, de 195 vagas potencialmente ocupadas pelos egressos das escolas privadas, visto que, em 2009, foram ocupadas 2.260 vagas por este segmento. Quanto aos egressos das escolas públicas, o crescimento seria de 322 vagas em relação às 2.133 vagas ocupadas no ano corrente.
Se todos podem ter mais vagas, qual a razão do mal-estar, em certos segmentos da sociedade, que, no dizer de alguns, se sentem esbofeteados? A resposta está na distribuição muito desigual entre as ocupações de vagas, nos diferentes cursos oferecidos pela UFS.
Trataremos deste ponto no próximo artigo.
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