Josué Modesto dos Passos Subrinho
12/03/2010
No artigo anterior, vimos que uma possível proposta de criação de uma universidade estadual, em Sergipe, tem méritos. Não obstante, entre nós, o crescimento da matrícula, em curso superior presencial, nos últimos anos, tenha alcançado um ritmo superior à média nacional e nordestina, ainda se registra uma participação, no total nacional de matrículas, abaixo do índice da população sergipana em relação à brasileira.
Em Sergipe, da mesma forma que no restante do país, a principal fonte do crescimento da matrícula, no ensino superior, deveu-se à expansão do segmento privado. A partir do Governo Fernando Henrique Cardoso, se retirou dos órgãos reguladores da abertura de novos cursos superiores e de novas instituições de ensino superior o caráter de proteção à reserva de mercado para as instituições já estabelecidas, estimulando, pelo contrário, a abertura de novas instituições. Quanto às instituições mais antigas, muitas tiveram o acesso ao título de universidade, alcançando uma imensa agilidade na criação de cursos e ampliação de vagas, amparadas no preceito constitucional da autonomia universitária, ou seja, grosso modo, pode-se dizer que o setor educacional privado foi dotado de uma natureza empresarial anteriormente não desenvolvida tão amplamente, chegando, nos últimos anos, à formação de grandes grupos empresariais, com ações listadas em bolsas de valores, suplantando as tradicionais instituições familiares ou confessionais.
Se o ensino superior é um impulsionador do desenvolvimento, mas sua oferta está fortemente centrada no segmento privado, uma questão se coloca para a superação dos desníveis pessoais e regionais, na distribuição da renda: os mais pobres terão maiores dificuldades para custear o ensino superior e, portanto, terão menores chances de acesso aos postos, no mercado de trabalho mais qualificado. Daí, para as pessoas e regiões mais pobres, é crucial que o ensino superior público lhes seja ofertado prioritariamente, tendo em vista a futura melhoria na distribuição de riquezas. Vejamos como esses sistemas se distribuem entre regiões brasileiras.
Pode-se observar, na tabela 1, que o ensino superior privado tem a maior parte de sua matrícula nas regiões sudeste, sul e centro-oeste, onde suas participações, no total nacional, são maiores que as respectivas participações no âmbito da população brasileira. Em contraponto, nas regiões norte e nordeste, a participação do sistema privado, no total nacional, é menor que a participação destas regiões no contexto da população brasileira. Longe de termos, nessas últimas regiões, qualquer problema de iniciativas empresariais na oferta do ensino superior privado, podemos afirmar que, por apresentarem renda média per capta menor que a média nacional bem como escolarização mais baixa, na educação básica e no ensino médio, estas regiões encontram maiores limitações estruturais para o crescimento da oferta do ensino privado.
Estas limitações têm sido contornadas, em nível nacional, pela reorganização empresarial dos grupos detentores do controle da oferta de vagas privadas, pela redução de custos da oferta de vagas, através, por exemplo, da maior utilização da modalidade ensino à distância, pela redução, em termos reais, das mensalidades cobradas aos alunos, pela institucionalização das isenções fiscais e previdenciárias e pela difusão do crédito educativo. Esta combinação de fatores tem permitido a oferta de vagas muito acima da demanda presente pelas mesmas, acompanhada de um ajuste fino nos custos variáveis, com a contratação e dispensa de pessoal docente e administrativo, conforme a demanda comprovada, que tem gerado uma universalização da oferta de ensino superior a todos que podem pagar a mensalidade. Enfim, quando falamos que a situação brasileira é muito diferente da dos países desenvolvidos, no que se refere ao acesso ao ensino superior, nos esquecemos que o Brasil contém realidades muito diversificadas. Para alguns segmentos sociais, o ensino superior, independentemente do talento e da vocação individuais, está plenamente universalizado, enquanto, para outros segmentos, pode ser um sonho a ser perseguido mesmo que o indivíduo seja muito talentoso e vocacionado para os estudos.
Quanto ao ensino superior público, este se divide em federal, estadual e municipal. No Brasil, a educação, de uma forma geral, e a educação superior, em especial, nunca foram atribuídas a uma das instâncias do Estado como obrigação exclusiva. Pelo contrário, foi-se gestando uma situação de competências concorrentes e do chamado regime de colaboração entre as diversas instâncias. Assim, por exemplo, o governo federal oferta ensino, em todos os níveis, da educação básica à educação superior, passando pelo ensino médio e técnico. Da mesma forma, estados e municípios, em tese, podem fazer o mesmo. É verdade que a Constituição Federal, em vigor, determinou aos municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e pré-escolar. As vinculações constitucionais de receitas tributárias às despesas com educação foram conformando um padrão ideal no qual os municípios se encarregariam da educação infantil e fundamental, os estados, do ensino médio e técnico, e o governo federal, do ensino superior e técnico, além de ser o grande redistribuidor de recursos próprios e das outras instâncias da federação para o financiamento da educação básica e do ensino médio.
Pouco conhecido entre nós sergipanos, existe um segmento de ensino superior municipal, presente em nove estados da federação, com destaque, quanto à dimensão, para São Paulo (quase 40% da matrícula do segmento), Santa Catarina (30% da matrícula) e Pernambuco (quase 15% da matrícula). Essas instituições municipais são fortemente vinculadas aos anseios locais por desenvolvimento e prestígio das localidades. Normalmente são financiadas principalmente através de cobranças de mensalidades dos alunos, mesclando, portanto, características do segmento público com as do segmento privado. Alguns fazem analogias delas com os “community colleges”, da tradição norte-americana, mas entre nós sua difusão não foi tão ampla e, até o momento, não encontraram o nicho adequado entre a expansão dos segmentos público e privado.
O segmento estadual de ensino superior tem, como referência de prestígio acadêmico e de ação desenvolvimentista, o Estado de São Paulo, o qual correspondia em 2008, a quase 24% da matrícula, no segmento estadual. Em seguida, vem o Paraná, com 15% da matrícula. Na região nordeste, destacam-se os estados da Bahia e Ceará, quanto à dimensão de seus sistemas (8,6% e 6,56% da matrícula do segmento, respectivamente). Em São Paulo, o mais rico estado da federação, a constituição deste sistema tem origens em sua luta para afirmação de sua superioridade econômica, na federação, nem sempre correspondida pela proeminência política. Não é coincidência que a Universidade de São Paulo tenha sido instituída em 1934, logo após a derrota paulista frente ao governo Vargas, em 1932, na chamada revolução constitucionalista. O resultado foi que São Paulo construiu o maior sistema de pesquisa científica e tecnológica do país, compreendendo, além das universidades, institutos de pesquisa e a pioneira Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP), espalhando campi universitários pelas diversas regiões do Estado, visando à formação de professores e ao atendimento de vocações econômicas regionais.
O exemplo paulista foi seguido por diversos estados, além dos já citados acima. A pouca disposição do governo federal em ampliar os segmento federal, após os três ciclos expansivos que o mesmo teve, nos governos Vargas, Kubistchek e governos militares, levou vários estados a ampliar ou implementar sistemas locais que tentavam replicar o modelo paulista. Desde cedo, ficou claro que os estados que não dispusessem do vigor econômico da fonte inspiradora teriam dificuldades de manutenção de seus sistemas. Houve um período, entretanto, especialmente na década de 1990, que o próprio governo federal e organismos internacionais cogitaram a hipótese de transferência da gestão das unidades do segmento federal aos respectivos estados em que as mesmas se localizavam.
No momento, com um quarto ciclo de expansão que o sistema federal de ensino superior está passando, arrefeceram-se as demandas por expansão ou criação de novos sistemas estaduais.
Ao leitor que tem o hábito de não se deter em tabelas, solicitaria uma nova inspeção da tabela 1, em especial, nas linhas referentes aos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. São dois dos estados mais ricos da federação, e, como pode ser visto na tabela, possuem unidades do sistema federal que levaram a uma matrícula percentualmente maior que a participação da população dos respectivos estados na população brasileira. Dito de forma didática, conseguiram que o governo federal contribuísse em proporção maior que sua própria participação na população brasileira para o esforço de oferta de vagas no ensino superior. Adicionalmente, temos a dizer que, no atual ciclo de expansão do ensino superior federal, os dois estados estão muito bem contemplados com a criação de novas universidades e ampliação das existentes.
Vejamos na tabela a situação de Sergipe. A matrícula no ensino superior público, em Sergipe, corresponde 1,3% do total nacional, o que é um indicador acima da participação sergipana tanto no PIB quanto na população nacional, mais ainda, como este segmento entre nós se resume ao setor federal, este último, em Sergipe, corresponde a 2,4% da matrícula do sistema federal nacional. Ou seja, o governo federal investe em Sergipe proporcionalmente muito mais que a participação da economia sergipana no PIB e do que a participação da população sergipana na população brasileira. Parece-nos claro que isto é muito bom para o presente e futuro do desenvolvimento sergipano.
No próximo artigo, apresentaremos nossas conclusões.
Reitor da UFS.