Afonso Nascimento
Muita tinta já foi gasta para falar sobre todo tipo de exclusão a que tem estado submetida a população sergipana de Cristóvão de Barros a Marcelo Déda: exclusão econômica, exclusão social, exclusão política, etc. Entretanto, sobre uma exclusão se pouco se tem discutido: a exclusão jurídica. Esse tipo de exclusão diz respeito a dois problemas, querendo o primeiro dizer não ter direitos e o segundo significando não ter acesso a esses direitos. Trocando em miúdos, uma coisa é ter direitos gravados em leis e outra é ter esses direitos e não ter observada a sua implementação.
Se o leitor fizer um esforço de reflexão sobre a história jurídica de Sergipe, perceberá os grandes progressos que foram feitos no processo de aquisição de direitos pela sua população. Dou alguns exemplos: aquisição de direitos civis e políticos pelos escravos (maioria da população masculina de seu tempo), pelas mulheres (outra maioria), pelos trabalhadores (nova maioria com a CLT), pelos analfabetos (uma maioria que tem se tornado minoria) e por aí vai. A despeito de tanta exclusão jurídica, as leis continuaram e continuem a tratar, indiferente ao mundo real, sobre a igualdade jurídica de todos e coisas do gênero.
Embora ele não tenha nenhuma obrigação de conhecer do assunto, imagino que o leitor entenda a distinção entre fazer leis (isso é uma briga entre governantes, legisladores e os grupos interessados, organizados ou não) e outra coisa que é aplicar ou implementar leis ( algo referente aos aplicadores das leis: funcionários públicos, policiais, delegados, defensores, promotor
es, juízes, etc.). Uma coisa nada tem a ver com a outra. No caso da implementação das leis, sobretudo quando se trata de aplicar aquelas que beneficiam as grandes maiorias da população, o que se nota é, exceções à parte, uma "má vontade" generalizada.
Na história da aquisição de direitos pela população sergipana, os legisladores nativos têm tido uma contribuição bem pequena. É uma "falta de imaginação" impressionante, o que faz com que essa aquisição tenha tomado geralmente a forma de outorga de leis federais. Mas, encurtando essa conversa, o que importa é que os sergipanos têm uma série de direitos, os quais precisam ser postos em prática. Quando se fala nisso, aí vem a reclamação corporativista conhecida: ausência de condições de trabalho, necessidade de mais concursos, baixos salários etc. Isso transforma todas as formas de exclusão - inclusive a jurídica - num "grande negócio" para candidatos a professores, assistentes sociais, políticos, profissionais do Direito de todo o tipo, etc. - que resolvem seus problemas de empregabilidade e os problemas de exclusão permanecem.
Naturalmente, tendo lido o título acima, o leitor pode já estar impaciente e se perguntando: e o que o estudante de Direito tem a ver com isso? Conforme dizia o estripador Jack, vamos por partes. É enorme a população de estudantes de Direito de Sergipe. Em relação à UFS, eles são em torno de quinhentos, os quais, somados aos seus colegas das escolas privadas de Direito, perfazem aproximadamente uns seis mil estudantes. São muitas as diferenças entre os estudantes de Direito de Sergipe, mas está longe do meu objetivo discuti-las aqui. O que me move é destacar um interesse comum entre todos eles: aprender habilidades jurídicas que tornem possível o seu ingresso posterior em alguma profissão jurídica. É nesse sentido que se envolvem em estágios, em termos remunerados ou não, por diversas instituições jurídicas e seus profissionais, escrevendo peças jurídicas, fazendo pesquisas, acompanhando processos, etc. - mesmo antes das práticas jurídicas de seus cursos.
Eu considero que esse interesse compartilhado - aprendizagem de habilidades jurídicas - por todos os estudantes de Direito de Sergipe pode servir para uma contribuição para reduzir a exclusão jurídica em que se encontra a população sergipana de baixa renda e de baixa escolaridade. De que forma? Através da extensão jurídica realizada por estudantes de Direito. Para o leitor não familiarizado com esse conceito, esquematicamente direi que todos os estudantes universitários podem contribuir para melhorar as comunidades onde vivem mediante a prestação de algum serviço de aprendiz de profissional. Uma espécie de trabalho comunitário. Ou alguém tem dúvida que estudantes de Medicina, Odontologia, Serviço Social, etc. podem ajudar a populações carentes com alguma forma de serviço voluntário? No caso dos estudantes de Direito, a sua contribuição tomaria a forma de serviços legais em bairros e cidades onde residem populações juridicamente excluídas.
Quando me refiro a serviços legais estudantis, não estou pensando nas práticas jurídicas que as escolas de Direito, bem ou mal, possuem nos seus currículos. Estou me referindo a serviços legais ou jurídicos voluntários, sem nenhuma contrapartida material ou econômica. Esses serviços legais podem ser de dois tipos. O primeiro tipo de serviço legal estudantil é o de formação jurídica - através do qual os estudantes de Direito, com ou sem orientação de professores, podem levar às pessoas excluídas juridicamente informações sobre direitos e sobre onde buscar a sua realização. Aqui, os estudantes em períodos mais avançados podem ajudar aqueles em fases anteriores. Esses serviços legais se materializam como a transmissão de conhecimentos jurídicos através de cursinhos, produção de cartilhas etc.
O outro de tipo de serviço jurídico estudantil é o de aconselhamento jurídico. Neste caso como no anterior, pouco importa a quantidade de informação ou de habilidades que o estudante tenha agregada ao seu treinamento. Se ele se sente capaz, faz o papel de conselheiro jurídico. Se não, anota as dúvidas, leva a seus professores e colegas mais avançados, depois volta à comunidade onde possua o seu projeto de extensão jurídica e retransmite os ensinamentos adquiridos. Querendo ir mais longe, pode pedir a professores ou advogados para assinar petições, etc.
Prestando esse tipo de serviço legal voluntário que não está em oposição a estágios jurídicos, estudantes de Direito podem ficar duplamente gratificados. Em primeiro lugar, porque estarão investindo na sua própria formação profissional, muitas vezes suprindo deficiências de suas escolas e aprendendo na prática por eles mesmos inventada. Pais e professores de estudantes de Direito deveriam encorajar essas práticas de assessorias jurídicas estudantis por mais outra razão. Essas práticas jurídicas estudantis permitem o desenvolvimento de cultura cívica ou de cultura republicana, cujos valores estão pouco presentes entre toda a estudantada de Direito de Sergipe, em cujas escolas, umas mais que outras, predomina a lógica do individualismo e do mercado. Independentemente de sua origem escolar, todavia, a minha aposta tem sido a de que esses estudantes engajados em extensão jurídica tendem a ser profissionais socialmente mais responsáveis.
Currículo
Professor do Departamento de Direito da UFS. Contato: afonsonascimento0@gmail.com.