Qui, 28 de outubro de 2021, 17:51

De casa para o trabalho: a volta dos servidores às atividades presenciais
Funcionários da UFS relatam a volta ao trabalho presencial e suas experiências com as atividades remotas
Plano de Retomada: servidores voltam às atividades presenciais (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)
Plano de Retomada: servidores voltam às atividades presenciais (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)

As salas até então vazias - ou bem pouco ocupadas - dos setores administrativos da Universidade Federal de Sergipe começaram a ficar mais movimentadas nos últimos dias pela presença dos servidores que estão voltando ao trabalho presencial. O retorno, iniciado no último dia 18, é parte do Plano de Retomada das atividades presenciais, que avançou para a segunda fase no dia 8, o que significa a volta dos trabalhadores respeitando a ocupação de até 50% do ambiente de trabalho.

A rotina de Taira Moreira antes da pandemia era acordar cedo e pegar a estrada de Aracaju até Nossa Senhora da Glória, sede do Campus do Sertão, onde exerce a função de assistente social. Um ano e sete meses depois, ela voltou a trabalhar presencialmente em regime de escala. Mas se engana quem acha que a servidora estava satisfeita com o trabalho de maneira remota.

As atividades foram suspensas em meados de março de 2020, sem que houvesse um planejamento e condições mais adequadas para que os trabalhadores da UFS pudessem desempenhar suas funções em casa.

“Foi um processo difícil de passar, até porque a gente não está acostumada em ter que organizar os horários de trabalho dentro de uma lógica de estar no ambiente doméstico. Foi um processo muito difícil de conciliar, exige muita disciplina do servidor. Existem também uma série de acordos que precisam ser feitos com as pessoas na mesma casa, e às vezes fazer essa conciliação não é tão simples assim”, relata.


Taira Moreira, sobre o trabalho remoto na pandemia: “Foi um processo muito difícil de conciliar, exige muita disciplina do servidor”. (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)
Taira Moreira, sobre o trabalho remoto na pandemia: “Foi um processo muito difícil de conciliar, exige muita disciplina do servidor”. (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)

Marcela Estêvão voltou também na semana passada a exercer seu cargo de técnica em assuntos educacionais na Pró-Reitoria de Graduação. Mas, apesar de estar com saudade da interação com os colegas, ela lidou bem com o trabalho remoto, depois de um período de adaptação.

“No início foi complicado, pois houve um aumento significativo das demandas de trabalho, muitas reuniões, os horários de trabalho estavam confusos, mas com o avanço da pandemia fomos nos adequando e conseguindo conciliar de forma mais eficiente”, descreve.

Marcela não tem filhos, mora sozinha com seus dois “assistentes” felinos. “[Durante a pandemia] meus gatos ficaram ainda mais próximos a mim e de tempos em tempos se aproximavam durante meu expediente para pedir carinho ou comida (risos). Isso ajudava a reduzir o estresse e a ansiedade que um período de pandemia agrega”, conta.

A servidora, no entanto, reconhece que ter lidado bem com o trabalho de forma remota é um privilégio do seu modo de vida - não ter crianças em casa ou uma família grande morando com ela, por exemplo. Dessa forma, ter a flexibilidade de adaptar o horário do trabalho à rotina doméstica trouxe benefícios.

“Houve uma mudança muito significativa em minha rotina, pois passei a cozinhar neste período em vez de comer fora ou pedir comida em delivery, assim tive que adaptar meu horário de trabalho às novas demandas domésticas, muitas vezes trabalhando à noite para cumprir com as atribuições do dia. Em contrapartida, minha rotina de trabalho também ficou mais flexível, focando mais na produtividade que numa carga horária rígida e definida a cumprir, facilitando com isso minha organização em termos de tempo e demandas de trabalho”, pontua a técnica.

A condição de moradia de fato interferiu na forma como servidores e, principalmente, servidoras enfrentaram a pandemia do novo coronavírus enquanto precisavam manter a produtividade no trabalho.

“Foi um processo difícil, sobretudo para nós mulheres. Eu acredito que seja um processo um tanto desigual, até porque a gente assume várias tarefas em casa, inclusive quando há cuidados com os filhos também, então acaba acumulando esses afazeres”, aponta Taira.


“O espaço privado tem outra dinâmica, diferente do nosso espaço laboral”, observa Flávia Melo, assistente social. (Foto: Schirlene Reis / Ascom UFS)
“O espaço privado tem outra dinâmica, diferente do nosso espaço laboral”, observa Flávia Melo, assistente social. (Foto: Schirlene Reis / Ascom UFS)

Flávia Melo, assistente social na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, concorda com Taira. Ela relata que a obrigação de conciliar o trabalho e os afazeres domésticos foi um impacto muito grande.

“O espaço privado tem outra dinâmica, diferente do nosso espaço laboral. Então, quando a gente precisou invadir o espaço doméstico para desenvolver as atividades que são do espaço público - as atividades remuneradas enquanto servidor público - houve uma imersão nessa não divisão entre esfera pública e esfera privada”, diz Flávia.

“Também pelas questões de gênero: historicamente, a figura feminina sempre foi legatária nessa divisão doméstica do trabalho. Na esfera pública há outras formas de organização do espaço, com a terceirização dessas atribuições [de cuidar do espaço, como limpeza etc]”, disserta a profissional.

“Todas aquelas janelas fechadas”

Raphaela Schiassi, professora do Departamento de Terapia Ocupacional do Campus de Lagarto, já havia voltado às atividades presenciais de forma parcial - no caso, para acompanhamento de estágios. Para ela, também houve um impacto no formato de trabalho, de forma abrupta, sem a devida capacitação para aquelas demandas.

“Foi um susto muito grande, eu não sabia lidar com as plataformas, não sabia fazer isso de maneira remota, ver todas aquelas telas fechadas... a necessidade do incentivo nosso, enquanto docente, para que os alunos abrissem as câmeras sem ter que fazer nada de maneira obrigatória. E para mim foi muito difícil porque eu trabalho com atividade expressiva, com arte. Geralmente, na sala em que eu dou aula, as pessoas ficam sentadas no chão, então foi bem difícil pra mim”, conta a docente.

Já durante as aulas remotas, Raphaela teve que acompanhar uma turma de estágio de forma online, o que foi um desafio para ela e seus alunos. “O estágio foi muito difícil, porque Terapia Ocupacional, trabalhar com a ocupação humana, com o fazer humano, diante de tela, onde a gente precisa estar presente naquele contato com o sujeito, com o paciente… Então os atendimentos eram por meio de ligação do WhatsApp, por vídeo-chamada, foi uma experiência muito difícil”, relata.

Para a professora, o trabalho remoto imposto pela emergência sanitária da covid-19 trouxe impactos para a saúde física e mental e para a vida doméstica.

“Eu não tenho muito limite com o trabalho, essa é uma dificuldade minha. Tenho muita paixão pelo que faço. Tinha dia que eu iniciava às 6h da manhã e terminava às 10h da noite. Então foi bem complicada a relação familiar - não tenho filhos, mas a relação com o marido foi difícil, menos momentos com minha mãe. Eu fiquei com uma dor na coluna muito grande, porque eu ficava muito tempo no computador. Tive momentos de perder a voz, porque a voz força muito, você fala mais do que ouve, porque as pessoas falam menos”, descreve.


Raphaela Schiassi, sobre a volta a algumas das atividades presenciais: “O lado positivo foi rever os alunos, poder escutá-los, poder orientar, trocar as experiências de maneira mais intensa”. (Foto: acervo pessoal).
Raphaela Schiassi, sobre a volta a algumas das atividades presenciais: “O lado positivo foi rever os alunos, poder escutá-los, poder orientar, trocar as experiências de maneira mais intensa”. (Foto: acervo pessoal).

Ainda com disciplinas na graduação - além de fazer parte do Mestrado em Culturas Populares -, Raphaela comemora a volta ao acompanhamento presencial dos pacientes nos estágios de Terapia Ocupacional.

“O lado positivo foi rever os alunos, de maneira presencial, poder escutá-los, poder orientar, trocar as experiências de maneira mais intensa. E também com a chegada dos usuários, que não conhecíamos pessoalmente, ver o rosto, saber quem são”, pontua.

Mas ela também reconhece a ansiedade e o clima de precaução que a situação traz. “Estamos numa clínica-escola, então tive muito receio de estar numa sala, de receber os usuários, ter a minha mãe idosa dentro de casa, então esse medo se faz presente para gente ter mais cuidado”, diz.

Trabalho remoto e teletrabalho

Enquanto funcionários públicos de várias áreas e setores realizavam suas atividades laborais de forma remota como prevenção à disseminação do coronavírus, o Ministério da Economia instituía, em julho do ano passado, a Instrução Normativa Nº 65. O documento estabelece orientações para a implementação de programa de gestão, o que permitiria o desempenho das funções do servidor por meio do teletrabalho. Mas, nesse caso, de forma planejada, diferente da condição emergencial do trabalho remoto imposto pela pandemia.

Marcela Estêvão comemora a possibilidade de poder realizar suas atividades profissionais em casa, pelo menos de forma híbrida (parte das atribuições seriam presencialmente no ambiente laboral).

“Definitivamente, SIM!”, enfatiza, ao ser perguntada se defende a proposta. “Entendo que existem diferentes perfis profissionais e que algumas vezes se faz necessário o atendimento presencial, mas esse período em que ficamos isolados mostrou que muitas das atividades que fazemos cotidianamente podem ser feitas de forma remota”, pondera a servidora.

“Há uma enorme economia de tempo por meio do teletrabalho, o que por consequência se converte em produtividade. O simples fato de acordar, se arrumar, sair de casa e encarar o trajeto de ida e volta do trabalho faz com que percamos pelo menos 3 horas do dia que poderiam ser convertidas em trabalho, lazer ou descanso”, enfatiza.


Plano de Retomada: servidores voltam às atividades presenciais (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)
Plano de Retomada: servidores voltam às atividades presenciais (Foto: Adilson Andrade / Ascom UFS)

Taira Moreira, por outro lado, admite que poder ter ficado em casa durante a pandemia trouxe alguns benefícios, mas que se restringem à situação específica da condição sanitária.

“Obviamente que a oportunidade de estar com os familiares, sobretudo numa situação pandêmica, onde ali estavam se garantindo as condições de saúde e de vida, foi extremamente importante. Mas também há desgastes nesse processo, muda completamente a forma como você estabelece sua relação com a casa e com sua família. No sentido da saúde mental, pelo menos no meu caso, afetou de forma significativa - o apoio psicológico que eu já tinha foi fundamental nesse período”, destaca.

Ela reconhece que há aspectos positivos no teletrabalho, mas há outros que a levam a se esquivar da modalidade. “[O teletrabalho] transfere os custos do trabalho para o trabalhador. Por exemplo: a segurança da informação. Tem a lei de proteção de dados, e o servidor é que vai estar implicado caso haja algum tipo de dano em relação a essa questão das fragilidades das informações”, cita a servidora.

Flávia Melo também descarta a modalidade de teletrabalho para si, pontuando uma contestação à própria lógica da iniciativa, do ponto de vista político e sociológico.

“Muitas responsabilidades são colocadas para o trabalhador e não para o Estado. O teletrabalho caminha como uma proposta associada a tudo que a perspectiva de um estado mínimo vem colocando: reajuste fiscal, redução do gasto público (que deveria ser investimento)...”, argumenta.

É a partir dessa mesma análise que a organização sindical dos servidores elabora uma contraproposta à IN-65, através da Federação dos Sindicatos dos trabalhadores das instituições federais de ensino. O sindicato local, Sintufs, encaminhou sua contribuição para a formação do texto que a entidade nacional tentará pautar para promover mudanças na Instrução Normativa.

“A gente acredita que o teletrabalho é uma modalidade que já é uma realidade. Mas como categoria de trabalho, é imprescindível que ela não traga nenhum prejuízo às carreiras dos trabalhadores. E o que a IN-65 faz, do nosso ponto de vista, é trazer uma série de vantagens para a administração, principalmente economia, mas onerando o trabalhador”, defende Fábio Farias, coordenador do Sintufs.

A Pró-Reitora de Gestão de Pessoas Thaís Ettinger, no entanto, lembra que o programa de gestão previsto na IN-65 prevê que a modalidade de teletrabalho não é obrigatória para os servidores, e que poderia ser realizada de forma integral ou parcial.

“Um dos objetivos do programa de gestão é prover justamente uma melhor qualidade de vida para o servidor. Obviamente, isso depende muito do perfil do servidor, tanto que a adesão é opcional e voluntária”, aponta a gestora.

Na UFS, a portaria 74, de 19 de janeiro de 2021, instituiu a comissão de estudos preliminares para diagnosticar a realidade da instituição e fornecer informações à gestão sobre a implementação do programa de gestão - na universidade, a proposta permite a modalidade de teletrabalho apenas para a categoria técnico-administrativa. O resultado do estudo foi apresentado em uma live através do canal da TV UFS no YouTube. A partir da análise desse relatório, foi implementada uma etapa-piloto, que depois servirá para subsidiar a avaliação da implantação do programa.

Marcilio Costa

Jornalista / Ascom UFS


Atualizado em: Qui, 28 de outubro de 2021, 18:17
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