Afonso Nascimento
O que é um livro? Para um economista, é uma mercadoria que tem um valor no qual estão embutidos gastos com papel, mão-de-obra, trabalho intelectual, tinta etc. e que tem alguma utilidade. Essa definição não está errada, mas um livro é muito mais do que isso. Por exemplo, para um muçulmano, o Corão é um documento sagrado (mesmo que tenha aqueles traços referidos) e que por isso não deve ser queimado.. Para um estudante de Física, um livro técnico é com certeza uma fonte de conhecimento, ao passo que um romance de Philip Roth como “O complexo de Portnoy” consiste num material de alto nível para diversão e riso.
Eu não me lembro do primeiro livro que li, integralmente, na minha vida, mas do livro que me foi dado à leitura. Era um romance ou biografia de Raïssa Martain, esposa do filósofo católico francês Jacques Maritain. Como se tratava de um “tijolo”, não consegui coragem para ir além das primeiras páginas. Todavia, como na minha história o aprendizado da leitura me fez leitor – e não apenas ter a capacidade de ler -, li algumas boas centenas de livros na minha vida até agora. Mas minha memória livresca é fraca e não tenho o hábito de registrar em caderno tudo o que tenho lido, com certo sociólogo franco-pernambucano amigo meu.
Para mim, o livro é uma invenção que nada tem de sagrada, mas é algo que precisa ser tratado com muito cuidado. Nada de dobrar e quebrar as suas folhas. O cheiro do livro novo é muito bom. Se pudesse, só teria livro de capa grossa (hard cover), mas compro livros de todos os tipos (livros de bolso, livro de capa fina, etc.). Eu gosto de livros com o sumário no início e não no fim do livro, como fazem os franceses. Nunca me acostumei com isso, ainda que eles tenham a sua explicação.
Uma questão que enfrentam aquelas pessoas que gostam de livros é dizer o que faz um bom livro. Para mim, o bom livro é aquele que nos faz sentir “maiores” ao seu término. Não importa se o livro é técnico ou de outro tipo. É a mesma sensação experimentada depois de assistir a um bom filme ou apreciar uma grande pintura num museu. Um bom livro tem outro traço. Relê-lo é ainda melhor do que lê-lo. O leitor já degustou o prazer de ler novamente um livro lido na adolescência ou na juventude? É claro que existem livros que decepcionam quando relidos, mas nunca os bons. Ou será ainda que o bom livro é aquele que a gente devora de um só fôlego ou aquele que, propositadamente, a gente adia o fim de sua leitura?
Se o leitor gosta de livros, também aprecia as livrarias. Como definir uma livraria? Uma empresa que vende livros? Pode ser isso, mas, de novo, pode ser muito mais. Uma livraria em que o livreiro é seu amigo, um livreiro que conhece de livros e de seu conteúdo faz de uma livraria algo mais. Como classificar as livrarias? Um sebo é só uma livraria de livros usados? Os sebos são hoje uma lembrança dos bons tempos das livrarias antigas.
Eu nunca fiz as contas de quantas livrarias frequentei. As livrarias de Sergipe nunca foram as melhores do mundo na minha época de estudante universitário. Lembro Livraria Regina na Rua João Pessoa, de outra na Rua Laranjeiras (onde fui pego subtraindo o livro “O Capital”, coisa de que não me orgulho) e de um sebo na Rua Geru. Outra livraria bacana, esta em São Paulo, era a Livraria Francesa. Falando em livrarias francesas, essas sempre foram as minhas favoritas, com seu charme, meio caóticas às vezes e com um café à frente ou de lado. Agora a exuberância das modernas livrarias pertence aos americanos, que passaram a ser copiadas em todo o mundo, inclusive em Aracaju. São andares organizados por áreas de especialização, tendo o frequentador direito a um ambiente com música clássica e outras, cafés de toda a parte do mundo e onde é possível passar, sem notar o avanço do tempo, uma manhã ou tarde inteiras.
Enquanto menino do Bairro Siqueira Campos, a minha primeira biblioteca foi a Clodomir Silva, a biblioteca pública do Aribé. Lá eu fazia os deveres escolares, lia livros e revistas. Dos velhos frequentadores da biblioteca pública do Aribé, era Pedrinho Santos que encontrava mais, ele também filho de ferroviário e mais tarde assessor do radialista Silva Lima (“Informativo Cinzano”) e historiador. Bons tempos aqueles!
Embora eu saiba que ela não era lá essas coisas, eu gosto de pensar que a biblioteca da antiga Faculdade de Direito que era muito boa. Frequentei a Biblioteca Nacional de Paris, uma das importantes do mundo e um excelente centro de pesquisa. Lá é possível tropeçar sobre muitos pesquisadores e intelectuais famosos da França. Mas boa mesmo foi a Biblioteca Central da Universidade de Chicago, situada no South Side (barra pesada) daquela cidade. Lá eu compreendi o que é atender uma das melhores universidades do mundo, em que os alunos pagam mais de cem mil dólares por ano. Nessa biblioteca havia de tudo, inclusive obras brasileiras com muitos exemplares disponíveis dos mesmos livros.
Agora a biblioteca mais fantástica que conheci foi a do Congresso americano, em Washington, Estados Unidos. Ela é impressionante não apenas porque tem a maior quantidade de livros no mundo. Ela é também um edifício de uma beleza extraordinária, de frente para o prédio do Congresso localizado numa bela colina, e com uma passagem subterrânea de um prédio para o outro. Eu não cheguei a usar os serviços dessa biblioteca, mas fiz só uma visita que me permitiu ver a charmosa da sala de leitura (fazendo lembrar aquela da Biblioteca Nacional de Paris), os seus belos vitrais, esculturas, pinturas e uma exposição de obras raríssimas (a Bíblia de Gutenberg, por exemplo) nas suas dependências. Pensando nos livros que essas instituições guardam e preservam e ainda na iminente extinção do livro impresso por outras formas de livros, fico contente em saber que não estarei mais por aqui para testemunhar esse “progresso” cultural.
*Professor de Direito da UFS
