Qui, 15 de fevereiro de 2018, 15:28

Envelhecimento Populacional: Moradias e Interfaces
Neilson Santos Meneses*

O envelhecimento populacional, assim como o aumento da esperança média de vida dos indivíduos já é um fato constatado em variadas pesquisas e tendo como referência a busca de uma sociedade para todas as idades, um dos principais desafios que se impõe a esta realidade, é o de possibilitar o envelhecimento com bem-estar e qualidade de vida para pessoas. Isto nos remete a necessidade de compensar algumas perdas (biológicas, comportamentais, cognitivas) decorrentes do envelhecimento dos indivíduos e que levam a uma maior vulnerabilidade dos idosos frente ao ambiente. Para tanto se faz necessário possibilitar adaptações ambientais de maneira a prevenir danos e com isso garantir maiores chances de qualidade de vida para população idosa. (Lima, 2011).

É preciso, para tanto, ter em conta uma visão positiva da velhice e nesta direção o paradigma científico do envelhecimento ativo, pensado a partir da OMS (2002) também como marco político, se coloca como uma importante contribuição na busca da construção de estratégias e inciativas sociais que tenham em conta aspectos biológicos, psicológicos, sociais e do entorno geográfico de vida dos indivíduos idosos.

Quando se trata do entorno geográfico ou físico de vida dos idosos, duas questões, entre outras, aparecem em destaque: a primeira se refere à habitação de qualidade, que se encaixa na perspectiva estratégica da manutenção da capacidade funcional dos idosos e consequentemente na ampliação do seu bem-estar, o que nos induz a questionar o que fazer para garantir habitação com proporcione qualidade de vida à população que está envelhecendo? E a segunda questão diz respeito à situação de moradia do idoso no quer diz respeito à possiblidade de isolamento, seja ele da família, ou do meio social, isto é, reduzir as chances de uma segregação residencial, espacial, intergeracional ou familiar.

Com tais preocupações e tendo em conta esse novo olhar, além da tendência crescente de concentração da população (inclusive idosa) vivendo nas cidades, foi elaborado pela OMS (2008) o “guia da global da cidade amiga do idoso” que propõe a adaptação para as cidades às questões que envolvem acessibilidade nos espaços abertos e edifícios, transporte, moradia, segurança e à participação social dos idosos, dentre outros. É justamente dentro dessa lógica que uma cidade “amiga dos idosos” favorece não apenas aos idosos, mas a todos, especialmente aos grupos mais vulneráveis, o que irá contribuir para um desenvolvimento urbano mais sustentável.

Especificamente com relação à moradia para população idosa, tem crescido no mercado da construção civil a demanda por serviços especializados na adaptação de antigas moradias e a construção de moradias adaptadas para idosos, como uma solução inclusive para aqueles idosos que desejam continuar vivendo em seu entorno, onde já se tem consolidada, historicamente por vezes, uma rede familiar, de vizinhança e social, isto é, onde o idoso muitas vezes desenvolveu grande parte de sua vida.

Como uma alternativa diferente de moradia, embora em menor proporção, está a situação daqueles idosos que involuntariamente, por força de determinadas circunstâncias buscam uma nova moradia, diferente do seu lugar de vida habitual. Esta perspectiva tem suscitado o aparecimento de moradias coletivas ou em inglês “cohousing”, onde grupos de idosos se organizam para viver coletivamente seja em situações tipo “repúblicas” ou em mais recentemente em condomínios horizontais fechados, seja por iniciativa própria ou em situações específicas sendo financiados pelo estado ou ofertadas pelo mercado.

Como opção menos desejável de moradia na velhice, aparece à inserção em Instituições de Longa Permanência (ILP) ou como são costumeiramente chamados os asilos, que são “escolhidos” apenas quando a necessidade os coloca sem outra opção de moradia ou quando são impostos pela família e neste caso se faz necessário reforçar a ideia de que a dignidade da moradia para idoso também passa pela livre escolha do local de morada.

Vale destacar, contudo, a importância para o bem-estar do idoso, do entorno residencial próximo, o da microescala geográfica, aquele ao qual o idoso vive mais intensamente durante quase toda a vida e que tem a ele associado suas lembranças, e onde mantém em geral maiores laços com a comunidade, vizinhança e onde percebe maior segurança e familiaridade. É aí onde os idosos desenvolvem sua vida diária e que se deve priorizar para fins de estratégias de moradias, devido a sua consequente influência no bem-estar e qualidade de vida dos idosos. Nesta perspectiva é aconselhável a priorização de políticas e ações que promovam e facilitem melhores condições do envelhecimento em casa com autonomia e independência o maior tempo possível, que possibilitem melhor circulação e presença do idoso no espaço onde vive.

Ações que promovam maior acessibilidade arquitetônica e aos serviços no entorno domiciliar, adaptações e ou construção de moradias que se adequem as circunstâncias pessoais do envelhecimento, assim como pensar o entorno residencial mais adequado à mobilidade, tendo em conta que as dificuldades de locomoção e segurança dos idosos, sobretudo incluindo a questão do enfrentamento da violência urbana, são de extrema importância para garantir uma sociedade mais inclusiva e estimular com maiores oportunidades de sucesso a promoção do envelhecimento ativo.

Nesse sentido, quando se trata do entorno domiciliar não se pode deixar de ressaltar, que as transformações socioespaciais das cidades impulsionadas pelo fenômeno da globalização têm trazido inclusive para as pequenas e médias cidades, as tensões de viver no espaço urbano. Condutas como “a impessoalidade nos relacionamentos, o aumento do individualismo, a criminalidade, a invasão da indústria cultural e a destruição do local, a disseminação do tráfico e uso de drogas, o consumismo...” (Correa, 2016 pg. 39), tem afetado a população, dentre eles os idosos, que impactados pela cultura do medo, da insegurança, em muitas situações se veem induzidos a mudar de uma casa para apartamento ou condomínios fechados, afetando sua experiência de envelhecimento alijada por vezes de dinâmicas mais interativas, sendo prisioneiras de um ambiente urbano hostil, que demanda ações que garantam proteções sociais mínimas e permitam também a população idosa (que em geral está em condição mais vulnerável) o vivenciar o bairro, a cidade, a sua vizinhança.

Observando as possibilidades que o envelhecimento traz consigo de maiores chances de isolamento familiar, social e intergeracional, as ações e políticas sociais que se deve ter em conta, necessitam proporcionar e difundir ao incentivo a formação e ou ampliação de redes familiares, de amigos e sociais (vizinhança), estimulando continuamente a coesão dessas redes, tendo como referência a microescala geográfica de localização de moradia dos idosos. Já se observou que “a solidão patológica se inicia com frequência pela solidão residencial, razão pela qual a Gerontologia utiliza os indicadores de solidão residencial ou lares de um só membro adulto como fontes de possível patologia social”. (Moraga, 2004, pg. 20). Isto reforça a necessidade do estímulo à construção de atividades em grupos (cursos, associações, grupos de convivência e outras formas de interação) e a maior participação e integração social dos idosos como recomendações que se fazem na busca romper barreiras morais e sociais proporcionando um envelhecimento mais ativo.

Ademais, se considera ainda como de fundamental importância a difusão e a valorização da cultura do cuidado, através do impulso a valores como a solidariedade intergeracional e do reconhecimento da contribuição social e econômica do trabalho do cuidador não remunerado realizado no âmbito familiar, além do fortalecimento das atividades de cuidado realizadas no âmbito do estado, mercado e sociedade. Esta cultura se revela como um aspecto positivo para a sociedade, que possibilita o desenvolvimento mutuo dos envolvidos e o progresso social. Como se nota há muitos desafios a vencer, mas também oportunidades e estas incluem as dimensões da família, da sociedade, do estado e do mercado, sendo que as transformações demográficas em curso contribuem para demandar serviços e infraestruturas mais eficientes e complexos e especialmente algumas mudanças de mentalidade.

*Professor do Departamento de Geografia (DGE) da Universidade Federal de Sergipe


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