Ter, 17 de setembro de 2019, 09:39

Discurso na outorga do título de Cidadão Sergipano
Angelo Roberto Antoniolli

Sergipe. Desde que aqui cheguei, vindo de São Paulo, minha terra natal, na década de 1990, o meu coração foi tomado de gosto por esta terra e esta gente. Portanto, o meu coração e a minha alma tornaram-se sergipanos muito antes que esta ilustre Casa do povo da terra de Tobias Barreto, o gênio maior que Sergipe deu ao Brasil, me fizesse sergipano por adoção oficial.

O meu coração de há muito se rendeu aos falares, ao jeito, aos sabores e às cores desta terra pequenina em extensão territorial, mas tão grande e tão próspera em saber e em doçura.

Aqui, eu aprendi a sorver o néctar da amizade, da boa camaradagem. Aprendi a viver do modo aconchegante como sabem viver os sergipanos e as sergipanas.

Aqui, constituí família. Aqui cresceu Vinícius, o meu amado filho de sangue, tesouro maior de minha vida, e as filhas do coração Sanny e Sarah, que aprendi a bem querer. Aqui, eu amei. Aqui, eu amo. Aqui, eu tenho ancorado o meu coração no coração de Neide, a mulher que me ajuda a preencher de vitalidade os meus dias.

Aqui, a alegria faz-me sorrir, gargalhar, como se os ventos mansos soprassem em meus lábios, para que eu pudesse e possa cantar que “minha terra é Sergipe”. Aqui, eu aprendi que o “meu papagaio das asas douradas” é canto de paixão pela terra fecunda e pela gente trabalhadora, às vezes, porém, sofrida, que arranca do sofrimento momentâneo a força para a luta, para o destemor, para a vontade de seguir em frente, vencendo obstáculos encontrados à margem dos caminhos.

Sergipe. Quantas histórias tu tens para contar! Desde os tempos em que os teus bravos guerreiros sucumbiram em defesa da terra e da liberdade, no século XVI, quando os portugueses vindos da Bahia sob o comando de Cristóvão de Barros, a 1º de janeiro de 1590, levantaram o fortim de São Cristóvão, que viria a ser a primeira capital dos sergipanos.

A primeira reação contra o domínio holandês no Nordeste do Brasil deu-se da parte da gente sergipana, quando habitantes de Vila Nova tomaram de assalto o forte Maurício de Nassau, em Penedo, iniciando, assim, as guerrilhas contra o invasor batavo, que, mais tarde, culminaria na célebre batalha dos Guararapes, em Pernambuco, ocasionando a expulsão definitiva dos invasores.

Sergipe, cujo povoamento se deu a partir da distribuição de sesmarias, para o cultivo da lavoura e para o pastoreio. Aos poucos, a cana de açúcar foi empurrando o gado da Cotinguiba para o agreste e para o sertão. A terra foi florescendo. As primeiras vilas e cidades foram sendo constituídas. A prosperidade chegando... Gado bovino, farinha de mandioca e açúcar foram abastecendo a Bahia. Mas, a terra próspera, que, no século XIX, chegou a contar com mais de 800 engenhos de açúcar, que em Maruim abrigou consulados de países europeus, precisava libertar-se.

Em 8 de julho de 1820, enfim, veio a separação da Província maior, como canta o Hino Sergipano. A capitania se fez província, para, mais tarde, tornar-se um dos estados-membros da jovem Federação estabelecida em 1889.

Homens e mulheres ilustres honraram a terra pequenina, que se tornou um rincão iluminado pelo saber de seus filhos e filhas. Tobias Barreto, gênio do Direito e da Filosofia, já referido. Sílvio Romero, Gumersindo Bessa, Fausto Cardoso, Martinho Garcez, Laudelino Freire, Aníbal Freire, Bittencourt Sampaio, Carvalho Neto, Gilberto Amado, Manoel Bonfim, Núbia Marques, Maria Thetis Nunes, Ofenísia Freire, Maria Rita Soares, primeira juíza federal do Brasil, e tantos outros, somente para citar vultos da nossa mais respeitada história.

Sergipe, terra e gente que lutaram para a criação de sua Universidade pública. A Universidade Federal de Sergipe. Foi lá onde eu aportei. Vim de São Paulo com a ideia de agregar-me a pessoas que quisessem empreender esforços para alavancar o ensino, a extensão e a pesquisa na jovem Universidade. Encantei-me. Nunca mais quis voltar. Daqui eu fiz o meu chão.

A Universidade Federal de Sergipe muito tem contribuído para o progresso e para o desenvolvimento do nosso querido estado. Numa oportunidade anterior, eu já declinei, nesta Assembleia, os números dos avanços que temos conquistado na nossa tão querida UFS. Não vou repetir tudo o que já disse antes. Sem dúvida, os números são grandiosos.

Mas, senhores deputados e senhoras deputadas, eu preciso lhes falar de outra face da Universidade Federal de Sergipe, que não é muito conhecida, porque não é muito divulgada.

A nossa Universidade, que é a razão da minha permanência nesta terra, e que, por conseguinte, proporciona-me receber o título que neste dia os senhores e as senhoras me outorgam, é uma Universidade aberta a todos. Uma Universidade que, antes mesmo da lei federal, abriu as suas portas àqueles que não chegavam aos seus portões: os jovens pobres, vindos das escolas públicas ou portadores de necessidades especiais. Afinal, somos todos iguais perante a lei, como diz a Constituição Federal. Que isso não seja apenas retórica.

Uma instituição de ensino superior que não abre as suas portas para todos, é porque aqueles que a constituem não abrem os seus corações. Na UFS, nós abrimos os nossos corações. Aprendemos a humanizar as nossas ações. Ouvimos o grito dos excluídos. Não lhes apontamos o dedo, mas, ao contrário, nós lhes estendemos a mão.

Se todos, numa nação, pagam tributos de acordo com a sua capacidade contributiva, se todos são cidadãos e cidadãs, por que nem todos podem usufruir do bem comum? Se a Universidade é pública e gratuita, por que somente alguns podem dela desfrutar? Ora, não há, na sociedade brasileira, cidadãos de primeira e de segunda ou de terceira categorias. Cidadãos somos todos nós. Não é a condição sócio/econômica que nos deve diferenciar. Não é a cor da pele. Não é opção religiosa ou a orientação sexual. Não é o gênero. Não é o ter. Nada nos deve diferenciar. Todos nós vivemos. Todos nós somos. Na UFS, nós lutamos por estas compreensões.

E não tem sido apenas isso. Nós inovamos. Ousamos fazer o que nenhuma outra Universidade pública fez até agora, como nós o estamos fazendo. Tomemos como exemplos os Campi de Lagarto e do Alto Sertão, em Nossa Senhora da Glória. Naqueles Campi, alunos e professores inserem-se desde o início dos cursos no meio da sociedade, conhecendo os seus problemas, discutindo-os, para, assim, encontrar as soluções possíveis. Todos os cursos em Lagarto, na área da saúde, e os de Nossa Senhora da Glória, na área agropecuária, estão diretamente voltados para a sociedade.

Uma Universidade humanizada, que não faz propaganda institucional ou apelativa, mas que enche de orgulho quem a conhece, quem a vive, quem a faz. E não haverá de ser uma “boca torta”, como já ocorreu, que virá desconstituir o que constituímos, ao longo de pouco mais de meio século de vida, de história, de avanços e de conquistas para o povo sergipano.

Não, senhores deputados e senhoras deputadas! Não, minhas senhoras e meus senhores! Não são apenas de números que vive a nossa Universidade Federal de Sergipe. Os números são importantes, sim, mas não aquecem o coração. Os ideais aquecem o coração. A luta aquece o coração. A busca incessante pela humanização aquece o coração. O olhar com ternura aquece o coração. É de tudo isso que precisamos falar. É isso que devemos defender. É isso que devemos vivenciar e partilhar.

Nós, na UFS, nos importamos com os problemas sociais do nosso povo. Com a questão do aprendizado dos nossos alunos, especialmente dos que nos chegam com determinadas carências. Muito embora, em alguns círculos do poder, nem todos pensam assim. Nem todos se preocupam. Ao contrário, às vezes procuram dificultar a normalidade do nosso funcionamento. Todavia, seguiremos em frente. Nada nos desencoraja. Tudo nos fortalece.

Quem pratica a verdadeira educação, tem sensibilidade para com o social. A Universidade Federal de Sergipe tem sido e haverá de ser vetor do desenvolvimento social. Cabe-nos, enquanto educadores, não perder de vista o pensamento de um grande sergipano, que se debruçou sobre os problemas sociais do Brasil e do nosso Continente. Falo de Manoel Bonfim. Convenientemente esquecido pela historiografia oficial brasileira, mais de 100 anos depois o seu pensamento em “A América Latina – Males de origem” é tanto atual quanto pertinente. Um homem à frente de sua época, no início do século passado seus estudos já apontavam para a consciência ambiental, o homem cordial brasileiro, a defesa da miscigenação contra o então arianismo em moda, e criticava o surgimento do imperialismo norte-americano. Ele é pioneiro nos estudos latino-americanos, aqui no Brasil, além de antecipar várias ideias depois defendidas por renomados intelectuais. Não foi à toa que ninguém menos que Darcy Ribeiro, o chamou de grande intérprete do processo de formação do povo brasileiro.

Os problemas sociais que Manoel Bonfim denunciava ainda hoje, em parte, nos assombra. A UFS tem o dever de lutar contra esses problemas, despertando consciências, apontando caminhos.

É chegada a hora de levarmos a nossa Universidade a manter parcerias com Universidades internacionais, que têm o que somar ao que temos e ao que somos. Foi isso que fiz, no mês passado, junto à Universidade Soka Gakkai, do Japão, onde estive, e em nome da UFS, do cargo que nela ocupo, recebi uma distinção que somente dois brasileiros e trinta e dois estrangeiros receberam. Mas, não era a pessoa física que estava sendo ali agraciada. Era a instituição que eu estava representando. Era Sergipe.

Começamos ali o estreitamento de laços com uma Universidade de atuação humanista, que valoriza, acima de tudo, o ser humano na sua inteireza, o ser humano integral e integrado. Uma Universidade que prega a paz e a harmonia entre povos e nações, e que, mais ainda, está, por suas ações humanitárias e pacifistas agregada à Organização das Nações Unidas.

Agregar-nos à ONU é também um caminho, em face dos laços que já nos unem à Soka Gakkai. Este será um passo decisivo e precioso, que precisamos ousar. O mundo de hoje não passa de uma grande aldeia global. Nela todos devem estar inseridos. O progresso e o desenvolvimento dos países e dos povos devem ser norteados pela humanização de todos. Somos uma só espécie, a espécie humana. Estamos na mesma casa comum, o planeta Terra. Desconhecer tudo isso é caminhar para trás. É desmerecer o que somos e o que sabemos. E não nos é dado fazer isso.

De que serve a Universidade Federal de Sergipe contribuir com 900 milhões/ano para a economia sergipana, se nós não soubermos ir além dos números e além dos muros? Vencer desafios cada vez mais contundentes, eis o que devemos fazer. Colocar em prática os observatórios sociais, eis uma contribuição consistente que a UFS está dando à sociedade sergipana. Para quê? Para a valorização do ser humano, do indivíduo e do coletivo. Esta é uma reflexão que educadores comprometidos com a sociedade devem ter em mente. Uma reflexão que se traduza, enfim, em práticas concretas que nos façam cumprir a contento as nossas atividades.

Por fim, senhores deputados e senhoras deputadas, quero agradecer ao ex-deputado Venâncio Fonseca, que apresentou nesta Casa a propositura para que o meu nome fosse agraciado com este título, que alguns podem até receber de forma meramente protocolar, mas, que, sinceramente, eu o recebo, neste dia, com muita honra e com muito respeito. Ser cidadão sergipano é, deveras, muito gratificante. Porém, sentir-se sergipano é indescritível. Obrigado a todos e a todas que acolheram o meu nome.

Oficialmente, os senhores e as senhoras fizeram deste professor um filho de Sergipe. Sentimentalmente, este sergipano um dia também já foi paulista.

Indiscutivelmente, minha terra é Sergipe!

Obrigado.

------
Discurso proferido pelo reitor no dia 16/09/2019, na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese).


Foto: Adilson Andrade/AscomUFS
Foto: Adilson Andrade/AscomUFS
Atualizado em: Ter, 17 de setembro de 2019, 11:51
Notícias UFS