Qua, 15 de junho de 2011, 05:13

Nota para a História do forró
Nota para a História do forró

Francisco José Alves


No português corrente, forró tem duplo significado. De um lado é, conforme um dicionário, “festa popular”, ou, com algum laivo de preconceito, “baile reles”. Do outro, o vocábulo remete a um conjunto de gêneros musicais: coco, baião, xote, etc. Na acepção de baile, forró tem muitos sinônimos populares: bate-chinela, bate-coxa, rala-bucho, arrastapé e aria a fivela, etc. Como se vê, baile e gênero musical circunscrevem o campo de significados do termo popular.

Parece assente, entre os estudiosos do vocabulário português, que o termo forró é mera corruptela de forrobodó. Na gíria técnica dos peritos, o vocábulo sofreu uma apócope, ou seja, a supressão ao final de um fonema ou silaba. Não é fato incomum, na história da língua. Assim, por exemplo, o latim mare tornou-se, na língua portuguesa, mar. Por outro lado, a explicação de que forró é derivado da expressão inglesa for all (para todos), introduzida durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), parece mais um caso da chamada etimologia folclórica, explicações fantasiosas da origem das palavras, pois, como veremos, há registro do termo desde 1905.

De forrobodó, como festa, temos registros desde o século XIX. Vejamos alguns dados históricos sobre o termo e o fenômeno em apreço.

Um dos registros mais recuados do vocábulo forrobodó vem de 1833, conforme Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). O jornal carioca o Mefistófeles traz em seu número 15: “O ator Guilherme na noite do seu forrobodó”. A nota é por demais concisa, impossibilitando-nos descortinar o significado do termo no contexto aludido. Para a pesquisadora Edinha Dinis, a nota carioca alude a uma forma de teatro popular à época. Reforçando a hipótese da pesquisadora, há uma nota na revista América Ilustrada, de 1882: “Um arremedo de folhetim, cheirando a forrobodó”.

Muito provavelmente é em 1883 e 1884 que forrobodó recebe o seu primeiro registro em dicionários da língua portuguesa. Naqueles anos, o estudioso Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan (1811-1899) publica, na Gazeta Literária, o seu Glossário de Vocábulos Brasileiros que se tornaria livro, em 1889, com o título de Dicionário de Vocábulos Brasileiros. É uma espécie de oficialização do termo, inserindo-se no monumento da língua, o dicionário. Dez anos após, em 1899, forrobodó volta a figurar noutro dicionário da língua portuguesa. Desta feita, é o dicionarista Antônio Cândido de Figueiredo (1846-1925) que documenta o termo no famoso Novo Dicionário da Língua Portuguesa. O vocábulo difuso entra definitivamente na nossa língua. O estudioso registra: “Forrobodó – baile reles”.

O incontornável Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) nos oferece ainda alguns dados sobre o forrobodó nas décadas iniciais do século XX. O mestre potiguar encontrou registros do termo em jornais cariocas de 1905 e 1913. A nota de 1913 chega a descrever o forrobodó daquela época. Menciona os instrumentos musicais: violão, sanfona, reco-reco; a origem social de seus participantes: “a ralé”. É, ainda, em 1913 que o termo forró é dicionarizado pela primeira vez, conforme o Houaiss. O fato ocorre na segunda edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de autoria de Antônio Cândido de Figueiredo (1846-1925).

Para os anos de 1930, temos o registro do sergipano Laudelino Freire (1873-1937). O dicionário do autor documenta tanto forró quanto forrobodó. Forró, no entender do perito, é “baile de gente ordinária”. Já forrobodó vem com três acepções: baile reles; pagodeira; confusão ou desordem.

Alguns dicionários da língua portuguesa publicados no início do século XX documentam forrobodó como sinônimo de baile popular. É o caso de A Gíria Portuguesa, de Antônio Alberto Lessa, publicado em 1901. Para o autor lusitano, o termo é um brasileirismo e significa baile ordinário e sem etiqueta. É o avesso do sarau das elites da época. Doze anos após Alberto Lessa, temos o registro do pernambucano Francisco A. Pereira da Costa (1851-1923). Em 1917, o autor documenta forrobodó como baile popular. Idêntico registro temos em A Gíria do Norte, de José Rodrigues de Carvalho (1867-1935), editado em 1918.

Um outro registro que documenta as formas forrobodó e forró data de 1905. Trata-se de um levantamento vocabular do falar da Amazônia feito pelo escritor Vicente Chermont de Miranda (1850-1907). O estudioso anota: “forrobodó ou simplesmente forró, substantivo masculino – baile da ralé”.

O documento amazônico, penso eu, assinala dois fatos significativos. Em primeiro lugar a extensão geográfica do termo e do fato social. À época o vocábulo não circula somente no Sudeste ou Nordeste. Tem uso difuso. Um segundo aspecto, é que o autor comprova a origem de forró no velho forrobodó. Em seu entender, forró é mera forma simplificada de forrobodó. A forma é diferenciada, mas o sentido continua o mesmo: “baile da ralé”. A semântica foi conservada.

A dicionarização de forró, em 1913, me parece, não significou a completa substituição do velho forrobodó. Sobre isto, temos o testemunho precioso do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Em São Bernardo, romance editado em 1934, e cujo enredo é ambientado na zona rural alagoana, o romancista utiliza o termo forrobodó para nomear baile popular. O protagonista narrador relata: “À noite, enquanto a negrada sambava num forrobodó empestado ...”. Ainda hoje, forró e forrobodó têm registros nos nossos dicionários. Todavia, entre os nordestinos o primeiro termo parece ser de uso mais freqüente.

No dicionário de Francisco Júlio Caldas Aulete (1823-1881), na edição de 1958, forró é definido como sinônimo de “arrastapé”. Ele registra explicitamente: “Forró- forma abreviada de forrobodó”. Quanto a forrobodó temos: “festança, arrastapé animado com bebidas e comezinhas, farra, confusão, desordem, festa ruidosa e ainda uma espécie de pão doce”.

Os documentos aqui arrolados apontam para algumas conclusões. A origem imediata de forró é forrobodó, e não for all. Por outro lado, forról não tem procedência exclusivamente nordestina, pois, como vimos, há registro do termo noutras regiões do Brasil. Ao longo do tempo, todavia, o forró conservou o seu feitio popular, muito embora tenha sido, nos últimos tempos, assimilado pela classe média urbana, como indicia o surgimento do chamado forró universitário.

Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju, 24 e 25 de Junho de 2007. Caderno B, p. 9.


Currículo
Doutor em História e professor do Departamento de História da UFS. Contato: eraldo.neves@yahoo.com.br


Atualizado em: Qua, 15 de junho de 2011, 05:14