Sex, 23 de setembro de 2011, 11:44

Ética Aplicada: Estratégias para lidar com o Assédio moral
Ética Aplicada: Estratégias para lidar com o Assédio moral

Aldo Dinucci


26/02/2009



Ética Aplicada: Estratégias para lidar com o Assédio moral no Trabalho e no Lar

Para Heráclito, a Guerra é o estado natural do mundo. As coisas no mundo não existem, persistem, e essa perseverança é o que as mantém. Uma vez quebrada essa resistência, a configuração que dá permanência a uma determinada coisa se esvai e a própria coisa, por assim dizer cansando-se de si mesma, como que desiste de persistir. Os seres vivos, para persistirem na existência, oferecem também uma extraordinária resistência, dado o caráter efêmero, diminuto e precário desses seres diante das forças cósmicas que tanto tornam possível a vida quanto incessantemente buscam eliminá-la: furacões, maremotos, terremotos, secas, inundações, pestes, calamidades de todo tipo ameaçam os viventes – e é pura questão de tempo até que o próximo flagelo se anuncie.

Entre os homens não é diferente: se o amor e a amizade são por eles valorizados, isso se deve ao caráter raro dessas manifestações de afeto e apoio incondicional e desinteressado. O mais das vezes o que se encontra, graças à ubiqüidade entre nós da luta por poder e por espaço político, é a pura e simples coerção. Os que cedem a ela são tratados como “amigos”, e os que se recusam a ceder, se diferenciando dos demais, são considerados “inimigos”, sendo hostilizados, postos em suspeição moral e, muitas vezes, aniquilados.

Os grupos humanos, que unem sob a condição de excluir, tentam atrair outros homens para fortalecer numericamente suas posições. Essa atração, por via de regra, se dá através de apelos à submissão que os grupos transmitem (às vezes de modo tácito, às vezes abertamente) àqueles que estão ao redor. Tais apelos à submissão se dão por mensagens como as seguintes: “Junte-se a nós e tudo ficará bem”; “Se você não se juntar a nós, as coisas podem se complicar”; “Quer ser bem tratado, quer receber sorrisos, benesses e tapinhas nas costas, então se junte a nós”; “Aqueles que estão conosco são bons, puros e morais, mas aqueles que não estão conosco são maus, impuros, imorais – então se junte aos bons!”; “Os que divergem de nosso ponto de vista e não engrossam nossas fileiras são maliciosos, corruptos, anti-sociais – então se junte a nós e ao bem!”; “Nós estamos do lado de Deus e do bem; se você não está do nosso lado, é um conspirador criminoso que está contra Deus e o bem” (Como se sabe, Bush utilizou argumentos fundados nessas últimas afirmações para começar a guerra contra o Iraque).

As posições majoritárias (as “maiorias”), quando desprovidas de espírito democrático e liberal, tendem a impor sobre as minorias culpa pelo fato destas últimas pensarem ou agirem diferentemente, bem como medo pelas supostas conseqüências de serem “culpadas”.

É aí que as verdadeiras questões morais se impõem. Os processos de coação são claramente eficientes, mas é evidente também que, graças a eles, as piores perseguições da história da humanidade tiveram e tem lugar. Como aquelas que se deram devido ao nazismo na Alemanha, ao comunismo na antiga União Soviética, como as que ocorreram, ocorrem e ocorrerão graças a todo e qualquer terrorismo de Estado. Encontramos também tais grupos coercitivos na sala de aula, no trabalho e na família. Todos esses grupos, internacionais, nacionais ou locais, pequenos ou grandes, ameaçam a coisa que muitos filósofos alardearam como o que há de mais valioso no homem: a liberdade de se expressar, de ser e de acreditar no que bem entender, de gostar disto ou daquilo, de estar bem consigo mesmo através da expressão da própria natureza. Para tais filósofos, tal liberdade representa a própria dignidade humana, sem a qual o homem é reduzido ao mero status de coisa, ficando aquém da própria humanidade.

Justamente dessa questão trata James B. Stockdale em seu opúsculo intitulado “Coragem sob Fogo: Testando as doutrinas de Epicteto num laboratório comportamental humano”, que o grupo de pesquisa Viva Vox traduziu para a nossa língua através de um acordo com o Instituto Hoover de Standford, tradução que será lançada ainda no corrente ano. Stockdale, falando sobre a sua aplicação das doutrinas do filósofo Epicteto em seus sete anos e meio como prisioneiro de guerra no Vietnã, desenvolve uma série de estratégias para que as minorias possam prevalecer moralmente frente ao assédio moral de maiorias que procuram prevalecer por meio da coerção. Como um homem pode manter a dignidade num meio absolutamente hostil, onde a todo o momento procura-se coisificá-lo? Essa a questão à qual Stockdale procura nos dar uma resposta através de um exercício de ética aplicada.

Podemos assim resumir as estratégias que Stockdale oferece para que se possa manter a liberdade, a individualidade e a dignidade num ambiente onde se é minoria e onde a maioria é coercitiva:

Em primeiro lugar, não se curvar diante da maioria coercitiva, pois esse ato de curvar-se nada fará senão implicar a aceitação da culpa e a revelação do medo de ser punido por isso. "Não se curvar" inclui não tentar fazer qualquer espécie de acordo com a maioria coercitiva, pois tal maioria verá nesse acordo tão somente oportunidade para subjugar e liquidar a minoria, como ocorre, por exemplo, como resultado dos acordos de paz entre colonizadores e tribos indígenas.

Em segundo lugar, desenvolver a habilidade de ficar “fora do ar”, isto é, aprender a manter absoluta reserva nos ambientes de coerção, visto que a socialização aí só pode se dar com prejuízo moral daquele que é minoria, que se verá constrangido, ridicularizado, insultado pela maioria coercitiva (como no caso de pessoas que são alvo de preconceito e aceitam piadinhas ofensivas para ficar de bem com uma maioria preconceituosa).

Em terceiro lugar, buscar o apoio daqueles com os quais se compartilham os mesmos princípios e ideais: esse passo é fundamental para contrabalançar a medida exposta acima, visto que o homem é um ser social e dificilmente suporta o isolamento por muito tempo. Em caso de assédio moral ([1]) no ambiente de trabalho ou no ambiente doméstico, tal apoio deve ser buscado pelas vias legais. É crucial vencer o isolamento de forma positiva, pois é justamente através desse isolamento que a maioria coercitiva muitas vezes obtém suas vitórias, fazendo a minoria se render ao seu ideário pelo simples fato de a minoria não estar suficientemente articulada.

Stockdale, partindo de sua experiência de vida, nos ensina, portanto, a resistir a tais situações adversas, e a manter a dignidade e a individualidade diante de maiorias que querem se impor por meios constrangedores. O lançamento da tradução dessa obra, anteriormente marcado para o dia 20 de março de 2009, foi adiado em vista da necessidade de se aprofundar esses questionamentos. Buscar-se-á aplicar os resultados dessas reflexões na conscientização da sociedade no combate destas situações, infelizmente corriqueiras e freqüentemente deixadas impunes com enorme prejuízo psicológico e moral das vítimas: o assédio moral tanto no ambiente de trabalho quanto no doméstico.


Currículo
É Bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ 1995), Mestre em Filosofia Clássica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ 1998) e Doutor em Filosofia Clássica também pela PUC-RJ (2002). Atualmente é professor adjunto nível 02 na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (UFS). Faz pesquisas na área de Filosofia Clássica e Helenística.


Atualizado em: Sex, 23 de setembro de 2011, 11:45
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