Saber Ciência / Ana Rocha dos Santos
10/09/2009
Estado Liberal, Keynesiano, Desenvolvimentista, Neoliberal, Pós-neoliberal são feições assumidas pelo Estado e objeto de estudo das diversas ciências que produzem conhecimento voltado para a dimensão político-econômica da sociedade. À Geografia cabe fazer a leitura espacial do conteúdo político que a atuação do Estado representa, demonstrando a relação existente entre política, território e poder.
A dimensão espacial da política reflete, sobremodo, a natureza de classe do Estado que existe para salvaguardar a propriedade privada, apaziguar os conflitos de classe e manter o sistema do capital. Um sistema do capital que atravessa crises estruturais, o que exige redimensionamento do tamanho do Estado e definição de seu papel para a manutenção do poder hegemônico.
O tamanho do Estado está intimamente relacionado à dinâmica do sistema do capital, constituindo-se no “remédio” que ora é administrado com forte dosagem de intervenção, ora estrategicamente, é ocultado no discurso do livre mercado e nos gastos sociais como nefastos para a saúde do capitalismo.
A feição que o Estado vem assumindo desde que o Neoliberalismo não responde mais pelos agravos da crise estrutural do sistema do capital é de necessidade da sua atuação onde for preciso, ou seja, apenas nas funções que lhe são específicas, entre elas, se inclui a saúde. Mas, o entendimento do que no setor saúde é função do Estado mudou, incorporando o setor privado na gestão desse serviço, através da criação de Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e no governo Lula, pela criação das Fundações Estatais de Direito Privado para a prestação de serviços sociais.
O discurso de defesa das Fundações Estatais está baseado na apresentação do caos na saúde, no esgotamento dos modelos, instrumentos jurídicos de gestão pública e a ineficiência da gestão pública hospitalar. A proposta de criação das Fundações Estatais veicula que o engessamento burocrático que envolve as questões da saúde obstrui e cria barreiras ao bom desempenho do Estado na condução das ações e serviços. Com a Fundação Estatal, o arranjo gerencial “limpa” as gorduras do Estado, liberando-o da gestão e gerência dos serviços públicos, sendo necessária, portanto, uma mudança na gestão.
A mudança na gestão da saúde segue orientação do Banco Mundial que classifica como impróprias as políticas que são conduzidas no Brasil. No relatório Governança no Sistema Único de Saúde brasileiro: fortalecendo a qualidade dos investimentos públicos e da gestão dos recursos, publicado em 2007, as recomendações para o Brasil enfatizam a melhoria da capacidade de gestão com o fim de aprimorar a governança e o uso de recursos públicos de maneira otimizada. Para sanar os problemas, o Banco Mundial recomenda seis ações corretivas nas quais a gestão está voltada para os resultados: a autonomia organizacional, fortalecimento da capacidade gerencial, contratos de gestão, simplificação de repasses federais, monitoramento e avaliação de impacto e alinhamento de processos de planejamento, orçamento. Isto representa um aprofundamento da privatização do público através de repasses de recursos para setores não exclusivos do Estado, com todo o respaldo legal promovido pelos governos.
As Fundações Estatais foram propostas como uma nova tecnologia organizacional que não precisa ser submetida à Lei de Responsabilidade Fiscal e por isso, escapa dos limites dos gastos públicos, principalmente no que diz respeito aos salários dos servidores. Apresentam uma racionalidade administrativa diferenciada, pois a contratação de pessoal se realiza de acordo com regras trabalhistas, regidas pela CLT, eliminando, com isso, direitos garantidos ao servidor público. Além disso, fragilizam a organização dos trabalhadores em sua representação de classe e comprometem a carreira do serviço público.
Saber Ciência é uma coluna semanal de divulgação científica publicada no CINFORM. É uma atividade da Agência UFS de Divulgação Científica, sob coordenação do Prof. Dr. Josenildo Luiz Guerra, e com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe - Fapitec.
Ana Rocha dos Santos é Profª Drª do Núcleo de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, Campus Itabaiana.