Saber Ciência / Janaina Cardoso de Mello
01/06/2010
No final século XX, historiadores e museólogos elegeram a cidade como objeto de análise, defrontando-se com o esquecimento e a depredação de memórias. Intervir, preservar e revitalizar o patrimônio tornou-se uma necessidade. Entendido como “coisa nossa”, bem herdado, portador de valor identitário e erigido em padrão de reconhecimento para um povo, o “patrimônio” de uma cidade – material ou imaterial – tende a se concentrar nos centros urbanos, afirmou Sandra Pesavento (Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates/ 2007).
Destaca-se o Centro de Documentação e Pesquisas do Baixo São Francisco, coordenado pela Profa. Verônica Maria Meneses Nunes, no final do século XX em função da Usina Hidrelétrica de Xingó e seu impacto no município de Canindé de São Francisco. O Cendop atuou na preservação da memória local e registro do patrimônio cultural, promovendo o levantamento de fontes históricas: escritas, orais, iconográficas e audiovisuais na região, segundo Santos e Nunes (Revista Canindé, Xingó, nº 4, dez/ 2004).
De acordo com Maria Thetis Nunes (Sergipe Colonial I. São Cristóvão: Edufs, 2006) nas margens o rio Cotinguiba, Laranjeiras insere-se na composição de Sergipe D’El Rey sendo impulsionada na economia, na urbanização e no patrimônio material (artístico e religioso) nos séculos XVIII e XIX. Essa região tornou-se um centro comercial ativo com uma população ligada ao apogeu e declínio do cultivo de cana-de-açúcar.
A cultura material em Laranjeiras revela um manancial de memórias junto ao patrimônio urbano de casarios, igrejas, prédios públicos e do antigo Quarteirão dos Trapiches, hoje campus III da Universidade Federal de Sergipe.
A dança de São Gonçalo de Amarante no Mussuca simboliza a cultura imaterial. A oralidade dos moradores idosos descreve São Gonçalo como um sacerdote católico direcionando pregações aos populares, tornando-se marinheiro e improvisando instrumentos de bambu e madeira para tocar músicas religiosas, convertendo algumas mulheres ao abandono da prostituição nos portos. Os cortejos homenageando o santo na atualidade ocorrem nos Encontros Culturais de Laranjeiras, remontando tradições do século XIV, quando se realizavam danças nas ruas chamadas de “balés ambulatórios”.
Para Christiane Falcão (UNIrevista, vol. 1, n° 3 julho/2006) as jornadas (cantigas para apresentações profanas) ainda podem ser ouvidas em outros grupos folclóricos de raízes negras, como na peleja do Lambe-Sujo contra os Caboclinhos e o Cacumbi. Esse folguedo representa a tomada de um quilombo com os brincantes do Lambe-Sujo pintando-se de negro e os Caboclinhos de vermelho. Cacumbi é um grupo folclórico oriundo das batalhas dos Cucumbis ou dos reis de Congo.
Em 1972, o “Plano de restauração, preservação e valorização do patrimônio histórico cultural de Laranjeiras, Sergipe”, revelou a preocupação do governo estadual com os atentados externos à continuidade da multiplicidade de manifestações populares. Mas é nos meios populares, nas mãos artesãs de mães negras, de pais “emboladores” ou cordelistas e filhos músicos, que a resistência à indústria cultural de massas se faz mais forte. Sobrevivem a Taieira, hábitos e costumes que identificam e diferenciam Sergipe dos demais Estados do Nordeste.
A importância da cultura popular na configuração da identidade local é um mecanismo decisivo para a manutenção das tradições sergipanas, sendo fundamental o compromisso das instituições culturais e educacionais na valorização, preservação e promoção de suas memórias sempre reatualizadas pelas necessidades do presente.
Professora de Cultura Histórica do Núcleo de Museologia da UFS. Doutora em História Social (UFRJ). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano (GEMPS). E-mail: janainamello@uol.com.br.