Seg, 26 de setembro de 2011, 12:53

Sergipe: memória, cultura e preservação
Sergipe: memória, cultura e preservação

Saber Ciência / Janaina Cardoso de Mello



01/06/2010


No final século XX, historiadores e museólogos elegeram a cidade como objeto de análise, defrontando-se com o esquecimento e a depredação de memórias. Intervir, preservar e revitalizar o patrimônio tornou-se uma necessidade. Entendido como “coisa nossa”, bem herdado, portador de valor identitário e erigido em padrão de reconhecimento para um povo, o “patrimônio” de uma cidade – material ou imaterial – tende a se concentrar nos centros urbanos, afirmou Sandra Pesavento (Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates/ 2007).


Em Aracaju (1950–1960) a atmosfera cultural diversificada impulsionou experiências artísticas e político-culturais transitando da cultura erudita aos movimentos de educação e cultura popular. De acordo com José Vieira Cruz (Revista de Aracaju. Aracaju: Funcaju, 2002) contribuíram nesse cenário a “Sociedade de Cultura Artística de Sergipe” como agência de promoção cultural e também a Rádio Cultura e o Teatro Gato de Botas, posteriormente, TGB.

Destaca-se o Centro de Documentação e Pesquisas do Baixo São Francisco, coordenado pela Profa. Verônica Maria Meneses Nunes, no final do século XX em função da Usina Hidrelétrica de Xingó e seu impacto no município de Canindé de São Francisco. O Cendop atuou na preservação da memória local e registro do patrimônio cultural, promovendo o levantamento de fontes históricas: escritas, orais, iconográficas e audiovisuais na região, segundo Santos e Nunes (Revista Canindé, Xingó, nº 4, dez/ 2004).

De acordo com Maria Thetis Nunes (Sergipe Colonial I. São Cristóvão: Edufs, 2006) nas margens o rio Cotinguiba, Laranjeiras insere-se na composição de Sergipe D’El Rey sendo impulsionada na economia, na urbanização e no patrimônio material (artístico e religioso) nos séculos XVIII e XIX. Essa região tornou-se um centro comercial ativo com uma população ligada ao apogeu e declínio do cultivo de cana-de-açúcar.

A cultura material em Laranjeiras revela um manancial de memórias junto ao patrimônio urbano de casarios, igrejas, prédios públicos e do antigo Quarteirão dos Trapiches, hoje campus III da Universidade Federal de Sergipe.

A dança de São Gonçalo de Amarante no Mussuca simboliza a cultura imaterial. A oralidade dos moradores idosos descreve São Gonçalo como um sacerdote católico direcionando pregações aos populares, tornando-se marinheiro e improvisando instrumentos de bambu e madeira para tocar músicas religiosas, convertendo algumas mulheres ao abandono da prostituição nos portos. Os cortejos homenageando o santo na atualidade ocorrem nos Encontros Culturais de Laranjeiras, remontando tradições do século XIV, quando se realizavam danças nas ruas chamadas de “balés ambulatórios”.

Para Christiane Falcão (UNIrevista, vol. 1, n° 3 julho/2006) as jornadas (cantigas para apresentações profanas) ainda podem ser ouvidas em outros grupos folclóricos de raízes negras, como na peleja do Lambe-Sujo contra os Caboclinhos e o Cacumbi. Esse folguedo representa a tomada de um quilombo com os brincantes do Lambe-Sujo pintando-se de negro e os Caboclinhos de vermelho. Cacumbi é um grupo folclórico oriundo das batalhas dos Cucumbis ou dos reis de Congo.

Em 1972, o “Plano de restauração, preservação e valorização do patrimônio histórico cultural de Laranjeiras, Sergipe”, revelou a preocupação do governo estadual com os atentados externos à continuidade da multiplicidade de manifestações populares. Mas é nos meios populares, nas mãos artesãs de mães negras, de pais “emboladores” ou cordelistas e filhos músicos, que a resistência à indústria cultural de massas se faz mais forte. Sobrevivem a Taieira, hábitos e costumes que identificam e diferenciam Sergipe dos demais Estados do Nordeste.

A importância da cultura popular na configuração da identidade local é um mecanismo decisivo para a manutenção das tradições sergipanas, sendo fundamental o compromisso das instituições culturais e educacionais na valorização, preservação e promoção de suas memórias sempre reatualizadas pelas necessidades do presente.


Currículo
Professora de Cultura Histórica do Núcleo de Museologia da UFS. Doutora em História Social (UFRJ). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano (GEMPS). E-mail: janainamello@uol.com.br.


Atualizado em: Seg, 26 de setembro de 2011, 12:55
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