Seg, 26 de setembro de 2011, 13:28

O diploma de jornalista, o STF e a liberdade de expressão
O diploma de jornalista, o STF e a liberdade de expressão

Saber Ciência /Josenildo Guerra


08/06/2010


Lá se foram doze dias desde a decisão do Supremo Tribunal Federal de abolir a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal secção São Paulo, assistido por segmentos empresariais daquele estado. Uma das teses sustentadas, e sobre a qual vou me ater, é de que a exigência do diploma atenta contra a liberdade de expressão de todos aqueles que não-diplomados, impedidos que estariam de se manifestar através dos meios de comunicação.


Esta tese confunde o exercício de um direito fundamental com uma prática profissional. Se levarmos adiante tal argumento, teremos sempre no país uma grande violação da liberdade de expressão, pois o seu exercício pleno sempre estaria restrito àqueles – diplomados ou não – empregados em veículos de comunicação. O número limitado de postos de trabalho na área seria então um óbice a tal liberdade? Qualquer um que não estivesse nas redações poderia se perguntar: por que eles, os empregados, e não eu? Afinal, se o direito é de todos...

O problema maior, entretanto, é que o jornalismo não é o exercício da liberdade de expressão “do jornalista”. Qualquer estudante de jornalismo do primeiro ano conhece as duas categorias básicas de gêneros jornalísticos: a opinativa e a informativa. A opinativa, hegemônica no século XVIII e muito bem caracterizada por Habermas em Mudança Estrutural da Esfera Pública (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984), representa a vocação do jornalismo como espaço de disseminação pública de idéias.

Contudo, com o processo de industrialização e a constituição de grandes audiências nas sociedades democráticas ocidentais do período, o jornalismo tendeu a profissionalização. O Século XIX marcou, nos EUA e na Europa, a fase de transição de um jornalismo político e artesanal para um jornalismo profissional e informativo. No Brasil, tal movimento se deu fortemente a partir da década de 50, cujo marco histórico foram as reformas gráfica e editorial do Jornal do Brasil (RJ).

Neste novo paradigma de jornalismo, a notícia impôs-se como o gênero de referência. Os princípios de objetividade, imparcialidade e neutralidade surgem nesta época para afirmar o compromisso do jornalista com os fatos e com a pluralidade de idéias. Por mais que tais princípios sejam alvos de contestações teóricas - pertinentes ou não, não vêm ao caso agora - eles serviram para delimitar as rígidas fronteiras entre informação e opinião no trabalho jornalístico. E deixaram seu legado ao jornalismo contemporâneo: qualquer leitor saber distinguir uma notícia de um artigo opinativo. E quando tais fronteiras são confusas ou inexistentes, temos aí um grave problema.

A liberdade de expressão é condição necessária para a constituição de um ambiente social no qual as potencialidades jornalísticas se manifestam. É graças a ela que o jornalista, na sua labuta diária para informar fatos e os conflitos deles resultantes, tem acesso às mais diversas opiniões para construir um noticiário plural. O modelo de jornalismo profissional, hegemonicamente informativo, não comporta a manifestação de convicções outras dos jornalistas que não sejam aquelas baseadas em fatos e sobre fatos.

O jornalismo não é, portanto, o exercício diário da liberdade de expressão dos jornalistas. O jornalista não manifesta suas convicções nos textos que produz. Ele não usufrui, em consequência, de um privilégio em relação aos demais cidadãos não-jornalistas. Ele se nutre da liberdade de expressão dos vários atores sociais para realizar o seu trabalho informativo. Em vez de algoz, é um promotor da livre expressão de pensamentos, idéias e interesses.

A tese, portanto, de que a exigência do diploma restringe a liberdade de expressão dos não-diplomados é falsa por uma simples razão: os não-diplomados, se alçados à condição de jornalistas, continuarão não exercendo sua liberdade de expressão se trabalharem no âmbito do jornalismo informativo, porque não é a isso que a atividade visa. Logo, a decisão do STF, além do nos parecer equivocada neste aspecto, é também ineficaz para o que se propunha.


Currículo
Professor do curso de Comunicação/Jornalismo da UFS. Doutor em Comunicação. Coordenador da Agência UFS de Divulgação Científica e da coluna Saber Ciência.


Atualizado em: Seg, 26 de setembro de 2011, 13:29
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