Seg, 26 de setembro de 2011, 14:18

O livro mais triste que há em Portugal
O livro mais triste que há em Portugal

Saber Ciência / Márcio Santana


08/06/2010


Em 1892 foi publicado em Portugal um livro de tal modo comovente que, anos depois, o poeta Manuel Bandeira se referiria a seu autor como sendo aquele ‘cujo pranto faz correr o pranto’. Aliás, o próprio escritor achou por bem avisar num dos versos: ‘Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses! / Pelo cair das folhas, o melhor dos meses, / Mas, tende cautela, não vos faça mal... / que é o livro mais triste que há em Portugal!’.


Estamos falando do Só, do poeta Antônio Nobre, um livro sumamente especial. No Brasil, não apenas Manuel Bandeira, mas, vários de nossos poetas apreciaram o que escreveu aquele português. Mário Quintana, em certa ocasião, disse que Nobre tinha sido o poeta que o descobrira. E num soneto escrito a ele ‘por dever e devoção’, em seu primeiro livro, confessou: ‘Contigo fiz, ainda menininho, / Todo o meu curso d’Alma... e desde cedo / Aprendi a sofrer devagarinho, / A guardar meu amor como um segredo... // Nas minhas chagas vinhas pôr o dedo / E eu era o Triste, o Doido, o Pobrezinho!’.
Não foi sem razão que — lá se vão alguns anos — o romancista Josué Montello escreveu um artigo num jornal de Fortaleza pedindo um capítulo a mais num livro de Guilherme de Castilho para ‘recompor a influência do Só na poesia de língua portuguesa, para acentuar o quanto no Brasil Antônio Nobre foi amado, compreendido, sentido e imitado.’
Bem, Castilho ficou devendo o tal capítulo. Apenas mapear as ‘confluências’ — respeitando o termo usado pelo poeta gaúcho — entre Nobre e o próprio Quintana já seria trabalho para um livro inteiro. Mas o caso é que, diferentemente, a história do Só lá em Portugal foi bem triste. À época em que o livro é publicado, nos conta Câmara Cascudo: ‘Cesário Verde era desconhecido, ninguém adivinharia Camilo Pessanha, Antônio Correia d’Oliveira tinha treze anos, Fernando Pessoa, quatro’, de modo que ‘o problema simples é que ele não podia ser comparado com outro poeta.’
E sendo certo que ‘à mente apavora o que ainda não é mesmo velho’, o livro de Antônio Nobre ‘irritou pela inopinada independência rítmica, pela linguagem pessoal, afoita e legítima, por não ter padroeiros culturais, égides anteriores que legitimassem o atrevimento,’ conclui Cascudo. Alberto de Oliveira (1873-1940), contemporâneo do autor, registrou que o Só, único livro que o poeta publicou em vida, foi ‘incompreendido não apenas pela grande maioria dos que o leram, mas até por alguns de nossos maiores escritores, tão arraigados estavam os hábitos e rotinas que ele deslocava e bania.’
Sem pedir licença ou beijar a mão de ninguém, Antônio Nobre tomou a liberdade de despir a poesia portuguesa de certo formalismo inútil, incorporando ao seu estilo pessoal uma linguagem mais coloquial e corrida, “certo tom de conversa ou diário íntimo” — nos diz o português Saraiva — entre outras inovações formais que não só o encaixam dentro da estética simbolista, mas lhe rendem o título de precursor da poesia moderna, conforme se lê nas páginas de João Gaspar Simões.
Ao passo que simbolista e mesmo moderno, a definição do professor Massaud Moisés para Antônio Nobre parece ser a mais precisa. Ele diz que o português é de fato um ‘romântico retardatário’ ou, melhor, ‘uma sensibilidade romântica, expressa de forma ao mesmo tempo simbolista e moderna’. E isto não porque lançou mão de uma estética do vago — já que, em verdade, seus temas eram francamente românticos: o signo da má-estrela, a obsessão da morte, o exílio fictício, a saudade da infância etc. A posição de Nobre tampouco advém de uma mera conveniência cronológica por ter, por exemplo, nascido no mesmo ano em que Raul Brandão, prosador, autor de Os Pobres, e Camilo Pessanha, exímio poeta e exemplo mais bem-acabado do simbolismo luso...
O que Nobre realmente incorpora do ideário simbolista, por vezes tão rechaçado, é ‘essa metamorfose possível do esteticismo em crítica da civilização’ — como bem percebeu José Guilherme Merquior. É como forma de resistir que o poeta dá as costas à civilização e segue cantando, como um pássaro sobre um fio telegráfico canta ignorante de quanto se passa dentro deste fio mesmo: ‘E as boas aves, bem se importam elas! Continuam cantando, tagarelas: Assim, Antônio! deves ser também’.


Currículo
Jornalista e mestrando em Letras da Universidade Federal de Sergipe.


Atualizado em: Seg, 26 de setembro de 2011, 14:20