Saber Ciência / Márcio Santana
08/06/2010
Em 1892 foi publicado em Portugal um livro de tal modo comovente que, anos depois, o poeta Manuel Bandeira se referiria a seu autor como sendo aquele ‘cujo pranto faz correr o pranto’. Aliás, o próprio escritor achou por bem avisar num dos versos: ‘Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses! / Pelo cair das folhas, o melhor dos meses, / Mas, tende cautela, não vos faça mal... / que é o livro mais triste que há em Portugal!’.
Não foi sem razão que — lá se vão alguns anos — o romancista Josué Montello escreveu um artigo num jornal de Fortaleza pedindo um capítulo a mais num livro de Guilherme de Castilho para ‘recompor a influência do Só na poesia de língua portuguesa, para acentuar o quanto no Brasil Antônio Nobre foi amado, compreendido, sentido e imitado.’
Bem, Castilho ficou devendo o tal capítulo. Apenas mapear as ‘confluências’ — respeitando o termo usado pelo poeta gaúcho — entre Nobre e o próprio Quintana já seria trabalho para um livro inteiro. Mas o caso é que, diferentemente, a história do Só lá em Portugal foi bem triste. À época em que o livro é publicado, nos conta Câmara Cascudo: ‘Cesário Verde era desconhecido, ninguém adivinharia Camilo Pessanha, Antônio Correia d’Oliveira tinha treze anos, Fernando Pessoa, quatro’, de modo que ‘o problema simples é que ele não podia ser comparado com outro poeta.’
E sendo certo que ‘à mente apavora o que ainda não é mesmo velho’, o livro de Antônio Nobre ‘irritou pela inopinada independência rítmica, pela linguagem pessoal, afoita e legítima, por não ter padroeiros culturais, égides anteriores que legitimassem o atrevimento,’ conclui Cascudo. Alberto de Oliveira (1873-1940), contemporâneo do autor, registrou que o Só, único livro que o poeta publicou em vida, foi ‘incompreendido não apenas pela grande maioria dos que o leram, mas até por alguns de nossos maiores escritores, tão arraigados estavam os hábitos e rotinas que ele deslocava e bania.’
Sem pedir licença ou beijar a mão de ninguém, Antônio Nobre tomou a liberdade de despir a poesia portuguesa de certo formalismo inútil, incorporando ao seu estilo pessoal uma linguagem mais coloquial e corrida, “certo tom de conversa ou diário íntimo” — nos diz o português Saraiva — entre outras inovações formais que não só o encaixam dentro da estética simbolista, mas lhe rendem o título de precursor da poesia moderna, conforme se lê nas páginas de João Gaspar Simões.
Ao passo que simbolista e mesmo moderno, a definição do professor Massaud Moisés para Antônio Nobre parece ser a mais precisa. Ele diz que o português é de fato um ‘romântico retardatário’ ou, melhor, ‘uma sensibilidade romântica, expressa de forma ao mesmo tempo simbolista e moderna’. E isto não porque lançou mão de uma estética do vago — já que, em verdade, seus temas eram francamente românticos: o signo da má-estrela, a obsessão da morte, o exílio fictício, a saudade da infância etc. A posição de Nobre tampouco advém de uma mera conveniência cronológica por ter, por exemplo, nascido no mesmo ano em que Raul Brandão, prosador, autor de Os Pobres, e Camilo Pessanha, exímio poeta e exemplo mais bem-acabado do simbolismo luso...
O que Nobre realmente incorpora do ideário simbolista, por vezes tão rechaçado, é ‘essa metamorfose possível do esteticismo em crítica da civilização’ — como bem percebeu José Guilherme Merquior. É como forma de resistir que o poeta dá as costas à civilização e segue cantando, como um pássaro sobre um fio telegráfico canta ignorante de quanto se passa dentro deste fio mesmo: ‘E as boas aves, bem se importam elas! Continuam cantando, tagarelas: Assim, Antônio! deves ser também’.
Jornalista e mestrando em Letras da Universidade Federal de Sergipe.