“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”… É por aí que a maioria dos leitores entra em contato com a obra de Machado de Assis: pelos romances, especialmente os da sua fase madura ou realista, ou os contos, ou, mais raramente, a sua poesia.
Mas não no caso de Iasmim Santos Ferreira, autora do livro “Aquarelas Machadianas: pincéis luciânicos, cores brasileiras” (150 pág.), que acaba de ser lançado pela Editora UFS. Ela partiu dos textos que o bruxo do Cosme Velho escreveu quando contava meros 19 anos de idade, e que publicou no Jornal carioca O Espelho, em 1859.

“Ainda na iniciação científica, comecei a conhecer a obra de Machado, e ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, eu passei inicialmente pelas crônicas e fui me apaixonando por essa maturidade que ele já demonstra desabrochar desde jovem. São crônicas com muita potencialidade literária, estética e temática também”, explica.
Fruto do seu trabalho de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Sergipe, Iasmim fez um estudo crítico de um conjunto de cinco crônicas que o próprio Machado chama de Aquarelas, nas quais o Bruxo do Cosme Velho descreve e discute tipos diferentes de parasitas que assolavam a sociedade brasileira.
Afirmando serem muitas as variedades de parasitas em nosso meio social, Machado se propõe, com sua ironia característica, a “agarrar apenas de passagem as mais salientes”. Ele trata dos fanqueiros literários, do parasita alimentar, do parasita literário, do empregado público aposentado e, por fim, do parasita folhetinista.

“Gostaria que as aquarelas fossem apenas um registro temporal de Machado de Assis, mas infelizmente elas continuam muito atuais, os parasitas continuam ocupando espaços. Machado diz que eles estão na diplomacia, na política, na igreja, na literatura, são os lugares mais proeminentes do parasitismo. E a gente percebe que eles estão espalhados em nossa sociedade…”, comenta a autora sobre a atualidade das crônicas.
Uma das linhas centrais da obra de Iasmim Ferreira, que aparece já no título, é investigar nessas aquarelas machadianas a influência de Luciano de Samósata, sírio-helenista do 2º século d.C. “Quando me refiro aos ‘pincéis luciánicos’, significa que Machado não só utiliza os recursos do sírio em termos de sátira, mas também bebe da temática. Luciano escreve um diálogo chamado de O Parasita, então Machado retoma essa voz de Luciano, mas não mais para discutir a sociedade grega, e sim a brasileira”, pontua.

Ela segue para mostrar que “a aquarela é uma técnica de pintura que é uma espécie de rascunho, uma pintura de registro rápido, e nisso se assemelha à crônica. Além disso, há também a semelhança na paleta de cores, nesses tipos parasitas, no que seria um processo de formação da identidade brasileira”.
O professor Alexandre de Melo Andrade, que orientou o trabalho, destaca a contribuição do texto para a compreensão daquele que é considerado por muitos o maior escritor brasileiro: “Ele aparece como importante estudo para o entendimento da obra de Machado de Assis, incorporando à sua fortuna crítica aspectos pouco explorados”. A partir da leitura de sua crônica, se demonstra “um modo muito particular de observação da realidade brasileira”, conclui.
Iasmim segue no doutorado em Letras na UFS estudando as personagens parasitas — mas agora nos romances de Machado de Assis. Sua ideia é desenvolver um conceito de parasitismo em Machado e categorizar seus principais tipos parasitários.
Podcast
A obra “Aquarelas Machadianas: pincéis luciânicos, cores brasileiras” está disponível gratuitamente para download na livraria da Editora UFS, e foi tema do quarto episódio do Podcast Sinopse, programa que apresenta os lançamentos da Editora UFS em entrevista com os autores. Ouça aqui.
Ascom
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