Qua, 30 de maio de 2018, 10:34

Dom Luciano Duarte: um dos esteios da criação da UFS
A UFS perdeu não apenas um professor aposentado e emérito, mas, especialmente, perdeu um dos esteios da sua criação

Não foi somente a Igreja Católica que perdeu o seu Arcebispo Emérito, Dom Luciano José Cabral Duarte. Sergipe inteiro perdeu. Perdeu um dos seus filhos mais ilustres. Em particular, a Universidade Federal de Sergipe também perdeu. E perdeu não apenas um professor aposentado e emérito, mas, especialmente, perdeu um dos esteios da sua criação.

A criação da Universidade Federal de Sergipe foi precedida de muitos embates, nos anos 1960. Calorosos. Desafiadores. Pensamentos opostos. Aspirações diferentes. No fundo, destacaram-se duas correntes, amiudadas, ambas, por algumas conotações periféricas. Uma corrente tinha sua liderança maior na pessoa do então Bispo Auxiliar de Aracaju, Dom Luciano Duarte, diretor da Faculdade Católica, e que viria a ser, depois, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Aracaju (1971-1998). Costuma-se dizer que Dom Luciano Duarte representava as forças conservadoras. Ele tinha, todavia, um norte traçado, que atendia ao que preconizavam as diretrizes do governo federal para o ensino superior e, em particular, para a criação de Universidades, tanto na era do governo de João Goulart, quanto nos anos seguintes em que os militares governavam o Brasil. Do lado oposto ao prelado, despontavam estudantes, professores e outros segmentos sociais, que se posicionavam contra o anteprojeto elaborado pelo Bispo Duarte, ou por ele coordenado. Uma das vozes contrárias ao referido anteprojeto era a do professor e diretor da Faculdade de Medicina, Antônio Garcia Filho, católico, mas, nem por isso, adepto do pensamento do Bispo Auxiliar no que dizia respeito à criação da Universidade. A Faculdade de Direito, de natureza autárquica, também resistia à criação nos moldes preconizados pelo Bispo. Deu-se um embate entre os dois líderes através da imprensa, cada um defendendo as posições que abraçavam.

Uma das divergências da época dizia respeito à natureza jurídica que deveria ter a Universidade. Uns argumentavam que o ideal seria dar à Universidade a natureza fundacional, como era o caso de Dom Luciano. Outros alegavam que o certo seria dar-lhe a natureza autárquica, como entendia Antônio Garcia. Nessa questão, pairavam, naquele tempo, entendimentos jurídicos diferentes. As autarquias deveriam gozar de autonomia administrativa, a partir da própria nomenclatura. Já a fundação não gozaria da autonomia que tinha a autarquia. Temia-se, então, que as fundações ficassem a reboque do Ministério da Educação. Ora, tanto as autarquias quanto as fundações eram, como ainda o são, vinculadas a um órgão público (Ministério, no caso federal, ou Secretaria, no caso estadual, distrital ou municipal). Em suma, salvo algumas particularidades, autarquias e fundações equivalem-se. Ao menos, para fins de suporte orçamentário-financeiro que advém da administração direta, como é o caso específico das Universidades federais.

Ao que tudo indicava as duas Faculdades mais expressivas em termos de visibilidade social, Medicina e Direito, sem desmerecer as demais, pois cada uma tinha a sua importância no seio da sociedade sergipana, juntavam-se contra o anteprojeto conduzido por Dom Luciano Duarte. Sem dúvida, eram duas forças consideráveis. Professores e alunos formavam fileiras contra a forma como era conduzida a situação. Todavia, o Bispo tinha muita força social e também nos meios políticos. Dom Luciano era uma voz ouvida e respeitada, apesar de ainda muito novo. Como membro do Conselho Federal de Educação, conhecia o que se passava nas raias do poder.

As aspirações dos sergipanos por uma Universidade vinham da década de 1950 e aumentariam na década seguinte, especialmente após a criação da Faculdade de Medicina, no mandato do governador Luiz Garcia (1959-1962). Atravessou os governos de Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart. Em 1963, através da Lei nº 1.194, de 11 de junho, o governador do Estado de Sergipe, João de Seixas Dória, autorizou a transferência dos estabelecimentos de ensino superior existentes no Estado para a futura Universidade Federal de Sergipe. A UFS começava, assim, a ser gestada.

É inegável que o Estado e a Igreja, esta representada, sobretudo, por Dom Luciano Duarte, uniram-se para a criação da Universidade Federal de Sergipe. As Faculdades então existentes e que se congregaram eram: Faculdade de Ciências Econômicas, Faculdade de Química, Faculdade de Direito (federalizada), Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (que ofertava os cursos de Filosofia, Letras Anglo-Germânicas, Matemática, Geografia, História e Pedagogia), Escola de Serviço Social e Faculdade de Medicina.

Pela letra do Decreto-Lei nº 269, de 28 de fevereiro de 1967, da lavra do presidente Castelo Branco, a Universidade Federal de Sergipe foi criada. Enfim, a 15 de maio de 1968, no governo do presidente Costa e Silva, depois de muitas marchas e contramarchas, a UFS foi solenemente instalada com natureza fundacional, como defendeu Dom Luciano, e cujo primeiro reitor foi o professor de Medicina, João Cardoso Nascimento Júnior.

Nunca se deverá negar a contribuição decisiva de Dom Luciano para a criação da Universidade Federal de Sergipe. Embora por muito tempo o patrulhamento ideológico esquerdista posicionou-se radicalmente contra Dom Luciano, cometendo injustiça contra ele, não haverá como apagar da UFS o nome deste homem da Igreja que nos deixou na última terça-feira, dia 29.

Há tempos, o CONSU aprovou o nome de Dom Luciano Duarte para a Biblioteca Central – BICEN. Tal aprovação não pôde ser efetivada por força de lei federal que impede nominar bens públicos imóveis com o nome de pessoas vivas. Agora, nada mais impede que a UFS efetive a homenagem a quem tanto lutou pela sua criação.

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Angelo Roberto Antoniolli é reitor da Universidade Federal de Sergipe.


Foto: Adilson Andrade/AscomUFS
Foto: Adilson Andrade/AscomUFS