Qua, 02 de março de 2011, 07:04

Aspectos das Mudanças no Perfil Demográfico das Famílias de Sergipe
Aspectos das Mudanças no Perfil Demográfico das Famílias de Sergipe
Artigo
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Neilson S. Meneses


A família enquanto instituição social tem passado por mudanças que se inserem no contexto das transformações históricas e elas devem ser entendidas como parte de um processo, que muitos definem como de “modernização”. Algumas tendências dessa modernização se configuram como um novo perfil demográfico das famílias brasileiras, que também tem se verificado em Sergipe.

Uma das tendências da família moderna é a redução do seu tamanho, inclusive a rápida e continua redução do tamanho das famílias brasileiras, vem sendo apontada por vários estudos e levantamentos. Porém, além da redução do tamanho, os dados estatísticos revelam mudanças na composição das famílias com o crescimento de famílias unipessoais e aumento do número de casais sem filhos (conhecidos também como ninhos vazios).

O crescimento da homoparentalidade e aumento de famílias reconstituídas, resultados de divórcios, separações e recasamentos podem ser entendidas a partir das mudanças nos tabus que regulam a sexualidade e a procriação, assim como através de fatores socioeconômicos. Vale ainda ressaltar outros aspectos desse processo de mudanças das famílias como a questão da dissociação entre casamento e maternidade, (expressa no aumento do número de mães solteiras), o retardamento da idade ao casar e o aumento do número de uniões livres.

Essas mudanças nos remetem a complexidade desse fenômeno que está intimamente relacionado ao contexto da civilização contemporânea marcado entre outras coisas, pela urbanização contínua, por transformações no mundo do trabalho, pela ampliação do uso de novas tecnologias, por mudanças nas relações de gênero, por transformações culturais (que geram práticas sociais transgressoras dos padrões ditos naturais), pela exacerbação do individualismo e pelo capitalismo globalizado.

Vemos como na civilização moderna o valor dado ao individualismo que eleva a autonomia em detrimento da vida social, gera direitos por escolhas e buscas por uma vida mais prazerosa, confrontando o que antes era visto como desvio de comportamento e conduta. No caso da família moderna, ela não se molda mais nos antigos padrões que indicavam estabilidade aos seus membros nem mesmo sobre os cuidados de seus filhos, que tem sido tradicionalmente responsabilidade das famílias. (Monteiro, 2010)

Um das implicações demográficas dessas mudanças está na redução da fecundidade fruto de uma percepção moderna quanto ao valor social do filho, ou seja, a importância dada ao filho hoje.
Verifica-se que na hora de decidir pela prole, a função social da criança passa a ser percebida a partir de uma lógica racional e econômica onde se coloca forte peso nos custos e na estreita ligação entre trabalho e padrão de consumo. Isso acaba refletindo no esvaziamento da função reprodutiva do casal, tendência que podemos comprovar com a intensa redução da fecundidade revelada pelos mais recentes dados estatísticos no Brasil e em Sergipe. Segundo Monteiro (2010) a família vem se tornando mínima e recorrendo ao mercado por causa disso, o que o fortalece e torna-a mais mínima ainda. Prover os filhos é um trabalho emocional que em muitas situações assume a característica de uma jornada extra, gerando tensões, angústias e escolhas.

Outra implicação está no processo de envelhecimento populacional, que pode ser explicado também pela redução do tamanho das famílias. Associado a redução do número de filhos, temos o aumento da expectativa de vida, desse modo cresce quantitativa e proporcionalmente o número de idosos na população. O crescimento do número de idosos relacionado á redução do tamanho das famílias nos coloca diante do desafio do cuidado do idoso pela família.

Os dados para Sergipe comprovam que o tamanho médio das famílias, está diminuindo e que há um processo de nuclearização em marcha. Em aproximadamente duas décadas, entre 1992 - 3,9 e 2009 - 3,3 (PNAD 1992 e 2009) há uma redução de aproximadamente 18 %. Paralelamente observam-se também mudanças nos arranjos familiares em Sergipe onde, os dados da PNAD (1992-2009) revelam uma ampliação das famílias unipessoais de 8,7 % para 10%, casal sem filhos de 12,7% para 14,2%, enquanto que casal com filhos reduz de 55% para 47,2% sua participação na composição das famílias sergipanas. Embora não tenhamos números disponíveis para o município de Aracaju é razoável cogitar que os números para Aracaju devem ser não só semelhantes, mas podem inclusive apresentar redução maior, tendo em vista o caráter de centro urbano industrial que é a capital.

Esse contexto de transformações das famílias pode ser entendido ainda a partir do que afirma Lesthaeghe, citado por IPEA (2010 p. 16), segundo este autor estão em curso três revoluções que afetam, profundamente, as estruturas familiares e, conseqüentemente, a social:

• revolução contraceptiva: dissociação da sexualidade da reprodução;

•revolução sexual, principalmente, para as mulheres: separação entre sexualidade e casamento;

• revolução no papel social da mulher e nas relações de gêneros tradicionais: homem provedor versus mulher cuidadora.

Nesse sentido parece ser que a mulher está no centro das transformações das famílias, tendo em conta que está assumindo novos papéis sociais, como na ampliação de sua participação no mercado de trabalho e sua maior inserção na esfera pública. Apesar disso, ainda permanece acumulando o tradicional papel de cuidadora e de responsável pelas tarefas domésticas. Está comprovado estatisticamente também o crescimento do número de famílias chefiadas por mulheres. O caso de famílias formadas apenas por mulheres e filhos serve como exemplo do crescimento de famílias chefiadas por mulheres.

Em Sergipe os dados da PNAD 1992 apontavam 18,1% das famílias formadas por mulheres com filhos e sem cônjuges, já em 2009 esse percentual atingiu 21,7% das famílias do estado. Em geral se relaciona essa realidade a uma feminização da pobreza, já que a mulheres apresentam renda inferior a dos homens e tendo em conta que são mãe com filhos na sua maioria, significa maior sobrecarga para elas. Isso revela a importância de políticas públicas que busquem combater a pobreza levando em consideração o viés de gênero nas famílias pauperizadas.

Sendo a família a esfera responsável por uma série de decisões relativas à moradia, alimentação, educação, saúde, consumo em geral e pelos cuidados entre si dos seus membros, a redução do tamanho da família e as mudanças na sua composição, trazem implicações socioeconômicas que devem ser levadas em consideração no planejamento das políticas públicas. Entre as principais implicações estão à necessidade de estimular redes de apoio social para os idosos que disporão de menos membros da família para cuidá-los; a maior demanda por moradias a partir do crescimento do número de famílias unipessoais; a criação de um mercado voltado para famílias reduzidas, como no caso dos casais sem filhos com duplo rendimento que definem novos padrões de consumo, a partir da renúncia a prole e a necessidade de formular políticas sociais mais amplas e tendo em conta a perspectiva de gênero principalmente nos campos da redução da pobreza, saúde e educação



* Professor do DGE/UFS



Atualizado em: Qua, 02 de março de 2011, 07:05
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