Saber Ciência / Fabrícia de Oliveira Santos
09/06/2010
Mar e rio, águas que distanciam, aproximam. Utilizá-las como via de transporte é uma necessidade vital em várias localidades brasileiras. Em Sergipe, esse uso, atualmente, é limitado. Mas, parte de uma documentação existente no Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES), um conjunto de três centenas de documentos manuscritos do século XIX (1824-1853) revela um passado de grande movimentação nessas águas. Os documentos, sobretudo, ofícios e cartas, emitidos na sua maioria por Patrões de Barra (trabalhadores destinados à fiscalização e à segurança de embarcações na entrada e saída na foz de rios sergipanos – as barras) informavam sobre suas atividades, o fluxo de embarcações, cargas e pessoas, e fatos relacionados ao contexto.
Os Patrões, presença constante nas barras, registraram, nas correspondências para seus superiores, “indícios” sobre essa paisagem difícil e quem nela trabalhava. Registros de um tempo marcado pela construção da pretensa autonomia política e econômica sergipana e o papel da “gente do mar” (segundo os documentos, todos aqueles empregados no serviço marítimo). Um inventário - leitura, transcrição e análise -, nesses documentos permitiu dissipar parte das brumas da paisagem, hoje pouco referenciada. No conteúdo analisado sobressai como objetivo a “execução do serviço de fiscalização e navegação nas barras para o progresso da Província”, como destacou, em 1838, o Capitão Encarregado dos Portos José Francisco do Socorro Jucá: “todos dependem da Navegação, quer os Lavradores, quer os Negociantes, Fabricantes, enfim ela é interessante a cada uma das classes em particular, e a mesma sociedade em geral”. (APES. Acervo Geral. Pacotilha G2 67, volume 473, 01/12/1838).
Além do progresso pretendido, exposto nas incansáveis listas de entradas e saídas de embarcações e dos inúmeros pedidos de reparos em atalaias (torre de vigia nas barras) e catraias (pequenas embarcações utilizadas nas barras), estariam também, nas entrelinhas, as angústias, os silêncios e medos ocultos em palavras buriladas de cordialidades. Mesmo as altas patentes em substituição ou auxílio aos Patrões sentiram as agruras dos ventos, aguardaram a possibilidade de zarpar em segurança, queixaram-se do trabalho quase solitário de fiscalizar embarcações e conduzi-las sem “novidades” (acidentes). Também os registros da solidão do atalaieiro (pessoa que ficava na atalaia na entrada das barras sinalizando o caminho seguro por meio de bandeiras em cores), a precariedade das condições de moradia e de trabalho, o pouco soldo, as doenças, os conflitos, as deserções, as chibatadas e demais insultos, itens que também faziam parte do escoamento da produção local e da chegada de gêneros a então Província.
Como resultado do inventário, uma monografia de Bacharelado em História (“Brumas, atalaias, despachos e catraias: repertório de fontes dos Patrões de Barra em Sergipe. 1824-1853) que contempla informações sobre a história de Sergipe e a ação da “gente do mar” nas barras, um repertório de fontes com resumos de 368 documentos analisados e fotografados; um índice remissivo dos temas identificados em cada documento, e considerações sobre a possibilidade de novas pesquisas a serem exploradas na paisagem fluvial e marítima sergipana. Uma paisagem, enquanto “registro de época” (MORAES, Antonio Carlos R. de. Ideologias Geográficas. São Paulo: Hucitec, 1991), um tecido histórico, como afirma Ginzburg (Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.) feito de indícios - palavras como fios -, que, unidos a outros, possibilitariam leituras sobre questões da história de Sergipe, durante parte de sua condição de Província, interligadas a cenários mais abrangentes. Uma paisagem que ainda carece de muitos fios a serem tecidos, uma paisagem atualmente esquecida, em silêncio.
Doutoranda em Geografia (NPGEO/UFS). Professora de História do Colégio Estadual Poeta José Sampaio (SEED/DRE´04/Carmópolis). Texto produzido a partir de Monografia de Bacharelado em História (DHI/UFS) sob orientação da Profa. MsC. Verônica Maria M. Nunes (NMU/UFS).