Ter, 27 de setembro de 2011, 12:07

“Gente do mar” em Sergipe no século XIX
“Gente do mar” em Sergipe no século XIX

Saber Ciência / Fabrícia de Oliveira Santos


09/06/2010


Mar e rio, águas que distanciam, aproximam. Utilizá-las como via de transporte é uma necessidade vital em várias localidades brasileiras. Em Sergipe, esse uso, atualmente, é limitado. Mas, parte de uma documentação existente no Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES), um conjunto de três centenas de documentos manuscritos do século XIX (1824-1853) revela um passado de grande movimentação nessas águas. Os documentos, sobretudo, ofícios e cartas, emitidos na sua maioria por Patrões de Barra (trabalhadores destinados à fiscalização e à segurança de embarcações na entrada e saída na foz de rios sergipanos – as barras) informavam sobre suas atividades, o fluxo de embarcações, cargas e pessoas, e fatos relacionados ao contexto.


No período citado, por meio das barras, ocorria, principalmente, o escoamento do açúcar e a chegada de outros produtos, além da mobilidade de passageiros como informou Almeida (Sergipe: fundamentos de uma economia dependente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984). As barras dos rios São Francisco, Sergipe (antes denominado Cotinguiba), Vaza Barris, e Real são as mais citadas nos documentos, e ficaram conhecidas por seu difícil acesso em contextos diversos, como atestaram Avé-Lallemant (Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe: 1859. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980) e Nash (A conquista do Brasil. Companhia Editora Nacional, 1950) em suas viagens, ao passarem pelo litoral nordestino apontaram dificuldades, como os temidos “bancos de areia movediça”.
Os Patrões, presença constante nas barras, registraram, nas correspondências para seus superiores, “indícios” sobre essa paisagem difícil e quem nela trabalhava. Registros de um tempo marcado pela construção da pretensa autonomia política e econômica sergipana e o papel da “gente do mar” (segundo os documentos, todos aqueles empregados no serviço marítimo). Um inventário - leitura, transcrição e análise -, nesses documentos permitiu dissipar parte das brumas da paisagem, hoje pouco referenciada. No conteúdo analisado sobressai como objetivo a “execução do serviço de fiscalização e navegação nas barras para o progresso da Província”, como destacou, em 1838, o Capitão Encarregado dos Portos José Francisco do Socorro Jucá: “todos dependem da Navegação, quer os Lavradores, quer os Negociantes, Fabricantes, enfim ela é interessante a cada uma das classes em particular, e a mesma sociedade em geral”. (APES. Acervo Geral. Pacotilha G2 67, volume 473, 01/12/1838).
Além do progresso pretendido, exposto nas incansáveis listas de entradas e saídas de embarcações e dos inúmeros pedidos de reparos em atalaias (torre de vigia nas barras) e catraias (pequenas embarcações utilizadas nas barras), estariam também, nas entrelinhas, as angústias, os silêncios e medos ocultos em palavras buriladas de cordialidades. Mesmo as altas patentes em substituição ou auxílio aos Patrões sentiram as agruras dos ventos, aguardaram a possibilidade de zarpar em segurança, queixaram-se do trabalho quase solitário de fiscalizar embarcações e conduzi-las sem “novidades” (acidentes). Também os registros da solidão do atalaieiro (pessoa que ficava na atalaia na entrada das barras sinalizando o caminho seguro por meio de bandeiras em cores), a precariedade das condições de moradia e de trabalho, o pouco soldo, as doenças, os conflitos, as deserções, as chibatadas e demais insultos, itens que também faziam parte do escoamento da produção local e da chegada de gêneros a então Província.
Como resultado do inventário, uma monografia de Bacharelado em História (“Brumas, atalaias, despachos e catraias: repertório de fontes dos Patrões de Barra em Sergipe. 1824-1853) que contempla informações sobre a história de Sergipe e a ação da “gente do mar” nas barras, um repertório de fontes com resumos de 368 documentos analisados e fotografados; um índice remissivo dos temas identificados em cada documento, e considerações sobre a possibilidade de novas pesquisas a serem exploradas na paisagem fluvial e marítima sergipana. Uma paisagem, enquanto “registro de época” (MORAES, Antonio Carlos R. de. Ideologias Geográficas. São Paulo: Hucitec, 1991), um tecido histórico, como afirma Ginzburg (Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.) feito de indícios - palavras como fios -, que, unidos a outros, possibilitariam leituras sobre questões da história de Sergipe, durante parte de sua condição de Província, interligadas a cenários mais abrangentes. Uma paisagem que ainda carece de muitos fios a serem tecidos, uma paisagem atualmente esquecida, em silêncio.


Currículo
Doutoranda em Geografia (NPGEO/UFS). Professora de História do Colégio Estadual Poeta José Sampaio (SEED/DRE´04/Carmópolis). Texto produzido a partir de Monografia de Bacharelado em História (DHI/UFS) sob orientação da Profa. MsC. Verônica Maria M. Nunes (NMU/UFS).


Atualizado em: Ter, 27 de setembro de 2011, 12:08
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