Ter, 08 de janeiro de 2019, 12:13

Em defesa do ensino da Filosofia na educação básica
Prof. Dr. Christian Lindberg*

Com o retorno da obrigatoriedade do ensino da Filosofia, em 2008, na educação básica, intensificaram-se os cuidados para formar os futuros professores da área, produzir material didático apropriado, estabelecer métodos condizentes com a realidade e selecionar conteúdos que contribuam com a formação cidadã e profissional dos jovens.

No caso da UFS, por exemplo, constituiu-se um corpo docente composto integralmente por doutores no Departamento de Filosofia, único local que forma os professores de Filosofia em Sergipe; a oferta de vagas anualmente para o ingresso de novos interessados na graduação – presencial e à distância –, e a instituição de um robusto programa de pós-graduação que oferta os cursos de mestrado e doutorado para os egressos prosseguirem com os estudos. Além disso, tem-se desenvolvido ações que visam estreitar a relação com a escola pública, a exemplo do estágio curricular, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação da Docência (PIBID) e o Programa Residência Pedagógica.

Soma-se a esse esforço a realização constante de eventos acadêmicos e cursos de capacitação profissional. Contando com a presença de pesquisadores de outras instituições de ensino superior, sejam nacionais ou internacionais, viabilizando o contato direto dos professores da educação básica com as pesquisas que estão sendo desenvolvidas nas universidades. No caso dos cursos de capacitação, projetos de extensão têm sido desenvolvidos com o intuito de manter os egressos atualizados, confluindo a teoria oriunda da academia e a prática do “chão da sala”.

Atuação similar tem sido desenvolvida pelos diversos departamentos e faculdades de Filosofia em todo o país, além disso, é óbvio, pelos programas de pós-graduação em Filosofia. Este trabalho reflete-se nos encontros bianuais da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF), a exemplo do último, que contou com mais de 2 mil trabalhos apresentados, sendo que 195 na área de ensino de Filosofia. Não custa lembrar que a ANPOF coordena um curso de pós-graduação profissional na área de ensino de Filosofia, envolvendo 16 universidades públicas espalhadas pelas 5 regiões do Brasil, além de abrigar um Grupo de Trabalho (GT Filosofar e ensinar a filosofar) que congrega boa parte dos pesquisadores da área. Inclui-se nesse trabalho nacional de fortalecimento do ensino da Filosofia o programa de pós-graduação acadêmico, vinculado ao CEFET-RJ, que congrega docentes do Colégio Pedro II, PUC-Rio, UFRJ, UFRRJ e UNIRIO, intitulado Filosofia e Ensino.

Este trabalho tem sido realizado devido à compreensão de que o ensino da Filosofia contribui com habilidades necessárias para o projeto de vida dos jovens, o exercício da cidadania e a qualificação para o mundo do trabalho. De que maneira?

  1. Transmitindo conhecimentos produzidos historicamente e que foram fundamentais para a construção da Humanidade;
  2. Constituindo habilidades reflexivas, desenvolvendo potencialidades que permitam ao jovem refletir e criar, de forma sistemática e lógica, sobre as diversas áreas do conhecimento;
  3. Cooperando, decisivamente, com a formação individual, promovendo o entrelaçamento das habilidades profissionais e propedêuticas;
  4. Colaborando com a construção de uma sociedade democrática, pautando conteúdos necessários para o conhecimento de si e do outro, o exercício da cidadania e o agir eticamente;
  5. Fortalecendo o caráter interdisciplinar, preservando o caráter disciplinar, dos diversos componentes curriculares. Isso porque, pensar nos aspectos estéticos, lógicos, linguísticos, culturais e científicos contidos nas diversas disciplinas, requer o conhecimento daquilo que tende a colaborar com a articulação dos pilares do conhecimento humano;
    1. Embasando o agir autônomo, utilizando-se das peculiaridades da Filosofia, como o acervo próprio de questões, uma história milenar, método próprio de investigação e conceitos sedimentados, tão necessários para o desenvolvimento cognitivo e cultural dos jovens.

A relevância da Filosofia, e respectivamente do seu ensino, é ratificada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Em documento datado de 2017, o órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a Filosofia é o meio para liberar o potencial criativo da humanidade, fazendo emergir novas ideias, criando as condições intelectuais para o desenvolvimento da paz. Acrescenta que ela não fornece respostas, mas nos permite fazer as perguntas certas.

Contudo, os efeitos da aprovação da Lei nº 13.415/2017, mais conhecida como Reforma do ensino médio, que modificou a estrutura do ensino médio em nosso país, retirando, por exemplo, o caráter obrigatório da disciplina Filosofia, tende a criar certa instabilidade no seu ensino em nosso estado. Esta preocupação é reforçada por causa das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e da aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ambas as normas para o ensino médio.

O novo arranjo curricular dilui o ensino da Filosofia na área de conhecimento denominada Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Retira-lhe o caráter disciplinar, convertendo-a em conteúdo interdisciplinar e transdisciplinar. Assim, a Filosofia, que engloba cinco grandes campos – Lógica, Estética, Metafísica, Epistemologia e Ética e Filosofia Política – ficará limitada ao ensino da Ética e Filosofia Política, como consta nas habilidades e competências contidas na nova legislação para o ensino médio.

É verdade, porém, que a nova legislação para o ensino médio transfere aos Estados grande parte da responsabilidade, dando-lhes autonomia para organizar a forma como habilidades e competências preconizadas na BNCC e DCN serão efetivadas em sala de aula. Vai depender, por exemplo, da capacidade de cada rede estadual quer seja para ofertar mais conteúdos educacionais ou, simplesmente resolver questões como o déficit de professores ou, de ordem estrutural. Não custa lembrar que a implantação do novo ensino médio ocorre diante de um cenário de restrição orçamentária, provocado pela aprovação da Emenda Constitucional nº 95 (EC-95) e pela dificuldade crescente que os Estados têm em honrar seus compromissos financeiros.

Esta nova configuração legal contrasta com o interesse crescente pela Filosofia na sociedade. No processo de votação da lei nº 13.415/2017, por exemplo, parte das emendas apresentadas foi para tentar recolocar, das diversas formas possíveis, o caráter disciplinar do ensino da Filosofia. Com a expansão das redes sociais (Youtube, Facebook, etc.), percebe-se um interesse maior em conhecer a Filosofia, a sua história e o que dizem os filósofos.

No caso da Filosofia escolar, institucionalizada através do seu ensino, ela consta como conteúdo obrigatório do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Tal obrigatoriedade se efetiva não só nas questões objetivas, mas também na redação, visto que esta avaliação requer o domínio de conteúdos que deem consistência conceitual à dissertação, à capacidade reflexiva e à construção textual lógica por parte do postulante ao ensino superior.

No caso do ensino fundamental, percebe-se que boa parte das escolas particulares que oferta ensino fundamental na capital sergipana tem, nos seus respectivos currículos, a disciplina Filosofia. Pesquisa realizada em 2017, por meus alunos da graduação em Filosofia, constatou que, das 20 escolas consultadas, a metade afirmou ofertar Filosofia no fundamental maior, com professor formado na área inclusive. Acrescenta-se ao fato, a existência de um artigo na lei orgânica do município de Aracaju, de autoria dos ex-vereadores Edvaldo Nogueira e Emanuel Nascimento, que obriga seu ensino nas escolas administradas pela prefeitura. Infelizmente, esta lei tem sido desrespeitada pelos prefeitos da cidade, até mesmo pelo autor da propositura.

Antes do retorno da obrigatoriedade em âmbito nacional, 17 estados ofertavam regularmente o ensino da Filosofia. No estado de Sergipe, embora não fosse disciplina obrigatória, algumas escolas estaduais e particulares ofertavam-na. Em 2007, após a deliberação do Conselho Nacional de Educação e um ano antes da obrigatoriedade virar lei nacional, o Conselho Estadual de Educação estabeleceu, por meio da resolução nº 397/2007, que o licenciado em Filosofia é o profissional habilitado para lecionar a disciplina, além de obrigar as escolas que ofertam ensino médio a incluírem-na no currículo.

A institucionalização do ensino da Filosofia no estado de Sergipe avançou tanto que, além dos últimos concursos públicos realizados para contratar docentes terem disponibilizado vagas para professor de Filosofia, o documento Referencial Curricular da rede estadual de ensino de Sergipe, aprovado em 2011, normatizou conteúdos basilares que devem ser ensinados no 3 (três) anos do ensino médio, garantindo o mesmo direito de aprendizagem para todos os estudantes matriculados nas escolas públicas.

Em suma, desde Sócrates, a Filosofia e o seu ensino têm sofrido várias acusações infundadas e, muitas vezes, lastreadas pela superstição. O fato é que a manutenção do ensino da Filosofia na educação básica, particularmente no ensino médio, é fundamental para que ela continue contribuindo com a edificação de uma sociedade que valorize a democracia, cooperando, portanto, com a diminuição das desigualdades e colaborando com o desenvolvimento econômico e social.

* Professor do Departamento de Filosofia (UFS)