Ter, 09 de junho de 2020, 08:28

EpiSERGIPE: um programa que pode mudar a forma de lidarmos com a COVID-19 em Sergipe
Lucindo Quitans e Adriano Antunes

Enquanto o Brasil entra para história com uma triste marca, se tornar o epicentro da pandemia da COVID-19 e despontar em número de indivíduos positivados para o SARS-CoV-2 (vírus causador da doença COVID-19), sintomáticos ou não. Países que tomaram medidas mais restritivas embasadas nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), realizaram testagens em massa para acompanhamento da contaminação e, consequente, auxiliando nas tomadas de decisões pelos governos buscando mitigar as condições sanitárias de saúde pública e, portanto, embasar suas decisões no conhecimento científico, tem iniciado, lentamente e com continuo acompanhamento através de inquéritos epidemiológicos, a reabertura de suas atividades, especialmente as econômicas.

Aqui no estado a Universidade Federal de Sergipe (UFS) firmou uma parceria com o Governo de Sergipe para o desenvolvimento de um projeto que visa acompanhar o grau de contaminação e os impactos do novo coronarívurs, o EpiSERGIPE. Este estudo foi baseado no EPICOVID19-BR, coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e que foi o maior estudo populacional sobre o coronavírus no Brasil. Em Sergipe o investimento será de cerca de R$4.100.000,00 através de emenda parlamentar do Senador Alessandro Vieira. O projeto está subdividido em três vertentes e terá, inicialmente, a duração de um ano. O EpiSERGIPE consiste em monitorar o nível de infecção por COVID-19, identificando-se a prevalência em quinze municípios, estimar os impactos socioeconômicos da pandemia no estado e acompanhar de impactos sociais sobre populações vulneráveis. O projeto é liderado por pesquisadores de renome nacional e internacional da UFS e com forte vinculação com os programas de pós-graduação, como por exemplo os Profs Adriano Antunes e Paulo Martins, ambos do doutorado em Ciências da Saúde (PPGCS), Profs Luiz Ribeiro e Fernanda Espiridião, ambos do Mestrado em Economia (NUPEC) e pela Profa Karyna Sposato, do mestrado em Direito (PRODIR). Como o projeto é multiprofissional e interdisciplinar há o envolvimento de muitos outros pesquisadores da UFS, de programas de pós-graduação de áreas diversas e de profissionais das secretarias de saúde dos município escolhidos para a realização deste inquérito epidemiológico: Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão, Capela, Estância, Itabaianinha, Propriá, Tobias Barreto, Simão Dias, Lagarto, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória, Canindé e Porto da Folha. A escolha destes municípios foi construída juntamente com Secretaria Estadual de Saúde, parceira e coordenadora conjunta das ações, usando por base o tamanho da população e algumas condições específicas, como por exemplo estarem em regiões de fronteiras.

Os dados levantados pelo EpiSERGIPE poderão orientar os processos de tomada de decisão do Governo do Estado de Sergipe a indicar a possibilidade ou não de flexibilização do isolamento social ou de intensificação de medidas, tais como o lockdown; a partir das projeções de novos casos, o Estado pode se antecipar na necessidade de melhorar a infraestrutura de leitos hospitalares e avaliar, por meio das estimativas de subnotificação, a necessidade de ampliar o esforço de testagem da população ou propor políticas para testes em diferentes setores de atividade. Destaca-se o projeto buscará estimar os impactos econômicos; construir cenários econômicos considerando as políticas compensatórias do governo, em nível estadual e federal e acompanhar a evolução de três modalidades de crimes no âmbito do estado de Sergipe (homicídios, roubos e furtos, violência doméstica). Outra particularidade do EpiSERGIPE é que pretende acompanhar a evolução dos casos na população carcerária, masculina e feminina, na população de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, na população de rua e em idosos vivendo em Instituições de Longa Permanência.

A UFS, que completou em maio 52 anos, está desenvolvendo mais de 70 atividades/projetos cadastrados relacionados, direta ou indiretamente, com a COVID-19 tendo basicamente todos os centros e campi envolvidos, destacando-se a produção de álcool gel a 70%, sabonete líquido, força tarefa na testagem em municípios sergipanos, produção de novas tecnologias (tais como aplicativos, cabines de descontaminação, caixas para descontaminar máscaras, etc). Além disso, inúmeros estudos de aplicabilidade direta a curto e médio prazo, mesmo que grande parte não possui suporte financeiro de agências de fomento, ou seja, que são arcados por recursos da própria UFS ou até pela colaboração da sociedade estão entregando resultados práticos. Todas estas iniciativas já vem auxiliando o Estado a enfrentar a COVID-19 e tem demonstrado o papel inestimável da universidade dos sergipanos, a casa da ciência, da cultura e do conhecimento.

Destaca-se, ainda, que estudos epidemiológicos como o EpiSERGIPE são essenciais para enfrentar a COVID-19, pois fornecem dados para os órgãos de saúde pública, permitindo caracterizar as doenças e realizar associações com o perfil de transmissão.

Desta forma, os dados levantados pelo EpiSERGIPE podem contribuir para o estado construir iniciativas inovadoras que tem mostrado aparente êxito ao redor do mundo, como por exemplo as adotadas na Nova Zelândia, que iniciou sua reabertura através de uma estratégia chamada de "eliminação da curva de contágio”, onde a idéia principal é da "bolha", assim, cada pessoa pode se relacionar com um pequeno grupo de amigos ou familiares próximos, mantendo-se uma distância de dois metros de outras pessoas. Obviamente, as condições sanitárias e, especialmente, de educação na Nova Zelândia são muito diferentes dos brasis (descrito pelo antropólogo e escritor Darcy Ribeiro), mas abrem a possibilidade de construirmos coletivamente e levando em consideração nossas particularidades como nação mista e plural, saídas racionais e baseadas no conhecimento científico para o retorno a “vida normal”, ou o que for possível durante este período singular de nossa história. Somente com forte investimento em ciência, na educação qualificada e com políticas públicas racionais baseadas nas melhores práticas teremos condições de enfrentar a COVID-19 com o menor sofrimento possível de nossa sociedade.

Prof. Dr. Lucindo José Quintans Júnior é professor Associado no Departamento de Fisiologia (DFS/UFS) e membro do Comitê de Assessoramento do CNPq (Área: Farmácia).

Prof Dr Adriano Antunes de Souza Araújo é professor Associado no Departamento de Farmácia (DFA/UFS) e diretor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS).

Texto originalmente publicado no Jornal da Cidade, em 06/06/2020.


Atualizado em: Ter, 09 de junho de 2020, 08:35