Sex, 09 de julho de 2021, 12:02

O 08 de julho, independência de Sergipe: passado, presente e lições da história
Edna Maria Matos Antonio

Celebramos o dia 08 de julho, data fundamental na história política do estado de Sergipe. Num longínquo ano de 1820, a carta régia emitida por D. João VI determinava que a capitania alcançava a condição de autonomia política e administrativa em relação à Bahia e, a partir daí, deveria responder ao governo da mesma forma que as demais capitanias nesta parte deste vasto Império colonial.

O processo de autonomia política de Sergipe e sua transformação em província autônoma nos remete a conhecer um intricado processo histórico que tem sua origem nas transformações administrativas na primeira década do século XIX, precisamente no efeito das reformas econômica e administrativas postas em prática pelo governo de D. João VI, desterrado no Brasil desde 1808. A colônia portuguesa experimentava um processo de desenvolvimento econômico sendo estimulado o potencial produtivo de cada região colonial para fornecer riquezas diversificadas para Portugal, num contexto de práticas econômicas que poderíamos chamar Reformismo Ilustrado.

Em Sergipe, tal orientação do Estado metropolitano reforçou seu papel de produtor de gêneros de abastecimento interno e de produtos para o mercado internacional. Para melhor administrar o território, controlar as atividades produtivas e a população e fazer o Estado mais presente, D. João e seus ministros procuraram fortalecer o poder real em todos os cantos nestas terras americanas. Essas iniciativas visavam, ainda, à construção do Rio de Janeiro como referência central de poder na América portuguesa, questão que assumiu importantes contornos, pois o modo de relacionamento da Corte com as demais regiões levou a demarcar aquela cidade como metrópole em relação demais possessões na América portuguesa.

Para o sucesso desta reforma, era importante a subordinação dos colonos ao poder real, no sentido de obedecer às determinações do Rio de Janeiro sem intermediação de outras esferas de poder regional, que fragmentassem, hierarquizassem ou mesmo contrariassem a autoridade monárquica originada na Corte, como acontecia na relação entre a Bahia e Sergipe.

O gesto de separar Sergipe da Bahia, transformando-a de território anexo em capitania regida e equiparada ao mesmo nível das outras, também poder ser interpretado como uma forma de expressão da gratidão de D. João VI aos colonos que lhe foram fiéis, defensores da causa monárquica ante uma das mais importantes insurgências do período colonial: a Revolução Pernambucana, movimento separatista e republicano, ocorrido na capitania de Pernambuco em 1817. As tropas de Sergipe e da Bahia ajudaram a reprimir o movimento sedicioso e, por recompensa, a autonomia administrativa teria sido concedida. Estes fatores podem ser considerados pertinentes pois faz emergir a cultura política do Antigo Regime em que os atos dos monarcas são vistos como promotores de dádiva, benesses ou graças. Isso contribuiu para reforçar a visão do rei como um ente generoso com seus vassalos e o bom pai que sabe recompensar seus filhos obedientes. Importante elemento do mundo político naqueles tempos, o reconhecimento deste componente cultural ajuda a compreender o vigor da figura monárquica nas concepções de sociedade e de Estado em que a importância da monarquia e suas funções não foi abandonada por completo, mesmo num contexto de intensa transformação política. Pelo contrário, foi mantida desde que reformulada para atender aos critérios do Liberalismo político e econômico.

A ocupação de um cargo de comando administrativo na estrutura colonial, um processo que normalmente deveria ocorrer sem maiores abalos, foi permeado de reveses e conflitos. Quando o primeiro governador Carlos Burlamaqui chega a Sergipe em fevereiro de 1821 para dar início a sua administração como capitania autônoma, o Brasil encontrava-se envolvido com os efeitos da Revolução do Porto, ocorrida em agosto de 1820 naquela cidade portuguesa. O movimento liberal português exigia o retorno de D. João à Portugal e a elaboração de uma Constituição e, para tanto, solicitava que as capitanias enviassem representantes coloniais para participar desse congresso (as Cortes de Lisboa) e da elaboração das novas leis que iriam envolver todos os indivíduos espalhados por todo Império.

As lideranças políticas da Bahia acataram prontamente essa solicitação, pois simpáticos ao Liberalismo, aderiram ao constitucionalismo e decidiram formar um bloco de apoio na região norte da América Portuguesa a essas determinações, numa clara posição de enfrentamento ao poder que vinha do Rio de Janeiro. Para isso, as lideranças políticas e militares da Bahia anularam o decreto de D. João VI, prendendo o primeiro governador e anexaram novamente Sergipe ao domínio baiano. O poder na localidade é assumido por Pedro Vieira de Melo, militar, alinhado às ideias propostas pelas Cortes portuguesas e representante de um grupo numeroso na capitania que concordava com a anexação a Bahia e reprimia fortemente as ações de resistência ou confronto a essa situação. Assiste-se, então, um longo processo de lutas, locais e gerais, guiado pelas decisões tomadas em Lisboa, no Rio de Janeiro, na Bahia e em Sergipe.

Sergipe carrega a especificidade de ter que lidar com as questões políticas de um duplo movimento de autonomia: o interno e o da colônia em relação à Portugal. O momento foi muito intenso e rico em debates políticos, pois as pessoas naquela época estavam discutindo e escolhendo os caminhos que afetariam a sociedade como um todo e de modo permanente. O dilema, e razão dos conflitos, dizia respeito a necessidade de definir qual projeto possuía a efetiva capacidade de solucionar os problemas econômicos e sociais e traria os benefícios esperados: se manter ligados a Portugal ou anuir ao projeto de autonomia da colônia capitaneado pelos políticos do Rio de Janeiro tendo D. Pedro como liderança que, a essa altura, já considerava protagonizar a independência e formar uma nação nova. O movimento da Independência e transformação da colônia em nação envolveu amplos setores da sociedade colonial e atingiu diferentemente seus agentes: donos de engenhos e de escravos, produtores e comerciantes, elementos do clero, militares, libertos, escravos, pobres e ricos, pessoas que nutriam expectativas diversificadas, viam na mudança de condição política o caminho para a mudança de condições sociais, a exemplo de negros, mestiços e seus descendentes, que acreditavam que a separação traria a contemplação de direitos para a população pobre, livre e escrava, pela possibilidade da construção de uma realidade melhor, justa e digna.

Para Sergipe, a estratégia de alinhamento ao projeto de D. Pedro e do Rio de Janeiro – sem que isso expressasse a aceitação plena de sua autoridade, problema que exigirá ações violentas e autoritárias na região por meio de mercenários - significou a possibilidade de obter a confirmação da tão desejada autonomia da província. Essa escolha justificava-se não somente pela satisfação e preservação dos interesses autonomistas dos sergipanos, mas pelo vigor da autoridade e lealdade monárquica, heranças dos atos de D. João VI para a capitania e o esvaziamento das propostas das Cortes portuguesas principalmente pelo descrédito dos deputados brasileiros temerosos de que as regras de relacionamento entre os dois reinos fossem injustas para o Brasil.

Se as palavras “polarização política” estão na ordem do dia em tempos de discussão política amplificadas pelos suportes digitais (para o bem e para o mal), é oportuno esclarecer que, enquanto fenômeno político, ela sempre existiu. Entendida como a divisão de uma sociedade em dois polos a respeito de um determinado tema, no contexto das independências, como demonstrado acima, a confrontação envolveu modos diferentes de conceber os projetos para o futuro do Brasil, o que levava a defesa do projeto que parecia melhor assegurar a efetivação das transformações jurídico-institucionais avaliadas como imprescindíveis para o seu desenvolvimento econômico e social.

Apesar de todas as disputas e o projeto vencedor conhecido por nós, a Independência do Brasil, foi mantida uma estrutura de dominação e de exclusão social fortíssima, com o impedimento de participação política institucional de indivíduos pobres, mulheres, índios, negros e mulatos, questões que até hoje nossa sociedade se debate em resolver. Enfim, na montagem do novo país, nem todos os brasileiros teriam reconhecimento de cidadania, embora participassem da construção da nação e fossem a essência dela.

De qualquer forma, aproveitemos o 08 de julho como alegria e civismo pois é a data que marca a liberdade política e conforma traços e identidade específicas da sociedade sergipana e a conquista de sua autonomia administrativa, processo fundamental para seu desenvolvimento econômico e social. E atuou e contribuiu de forma intensa no complexo processo de construção do que somos hoje, nação brasileira. A experiência que envolveu a Independência de Sergipe nos lembra, ainda, da capacidade de agir e transformar que os indivíduos possuem em toda temporalidade histórica. Comprova que a realidade não é imutável e nem deve ser um fardo irreparável; que as pessoas vivem as questões de seu tempo e que sempre haverá muitos interesses em jogo em momentos de decisões políticas fundamentais cabendo escolher e lutar pela transformação e melhoria de suas condições de vida. A capacidade de planejar, pensar o futuro, defender convicções justas e coragem para a construção de projetos de sociedade livres constituem importantes aprendizados derivados do passado que em nossa época assumem contornos decisivos uma vez que a política, mesmo com as decepções e sensação de fracasso, deve ser a instância de atuação e participação das sociedades maduras democraticamente para a tomada das decisões sobre um povo e seu destino.


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