III – Os elementos essenciais de uma pesquisa
Ler Kant não significa necessariamente filosofar, mas sua leitura nos dirige ao aprendizado de como (método, crítica) é possível filosofar, segundo as razões do autor, incluindo as concordâncias, as refutações e as suspeitas sobre seus antecessores e contemporâneos para analisar, criticamente, o plano geral epistêmico/metodológico e as intenções propostas do pesquisador. Desse modo, os fundamentos e as conclusões do conhecimento criticados são posicionados na condição de réus e conduzidos ao status de provisoriedade, até que novas interpretações sejam desenvolvidas de acordo com novos parâmetros metodológicos.
Essa atitude crítica comparece no personagem Holmes quando investiga as evidências de um crime, colocando em suspensão todas as informações acerca da cena para anunciar a provisoriedade das conclusões, a fim de construir uma cadeia de relações de informações sobre as possíveis motivações do delito, possível criminoso(a) e posição da vítima. Assim, também, é o pesquisador do século XXI ao eleger o objeto de sua pesquisa, refazendo o caminho conhecido a partir de uma crítica possível e necessária para adotar os deslocamentos conceituais possíveis de serem aplicados à realidade ora investigada, (re)criando cenários viabilizadores da dialética entre as condições da realidade e a intenção da pesquisa a partir de seu campo epistêmico - tudo sob a égide da crítica sobre as condições de possibilidades limitantes do conhecimento para não cair em devaneio – delírio, patologia - de uma racionalidade dogmática.
O salto paradigmático kantiano pretende um modo seguro (método) para corrigir os caminhos do conhecimento em dois sentidos, considerando sempre, a crítica sobre as condições de possibilidade sobre o que e como conhecer: o primeiro se refere às armadilhas do dogmatismo para deter o impulso da razão de pretender a universalidade e a totalidade do conhecimento (herança cartesiana) de um determinado objeto (ainda que limitado ao espaço e tempo) e o segundo evitar o perigo de um possível ceticismo diante da impossibilidade de universalizar os dados da sensibilidade (tendência humeneana).
Estamos diante de uma revolução científica que moldou a forma ocidental de conhecer no plano filosófico e científico, uma vez que conhecer[i], para Kant, é a capacidade crítica de estabelecer correspondência necessária[ii] entre ideia e o mundo fenomenológico de acordo com as categorias a priori de espaço (onde) e tempo (quando). Ou seja, o objeto do conhecimento deve ter referência empírica espacial e temporal, legitimadores das possiblidades de sua existência e o como se refere ao modo e ao método viabilizador de seu conhecimento. Entretanto, espaço e tempo não são elementos empíricos; são conceitos e referências do sujeito que os distinguem enquanto condições a priori de possibilidade para a existência de um fenômeno.
O como é determinado pela natureza do próprio objeto e pelas condições que o sujeito dispõe para investigá-lo; como o método é uma atitude metodológica. Por isso, não deve ser confundido com um objetivo, que é uma intenção de obter uma resposta à inquietação, insatisfação, suspeita sobre um determinado fenômeno e suas variações de manifestações num determinado espaço e tempo; o método, representado pelo termo como ou modo, é a via para a condição de possibilidade de apresentar essa resposta em qualquer dimensão onde se pretenda a investigação sistemática sobre um fenômeno.
Por isso, é pertinente afirmar que entre Kant, Holmes e nós, pesquisadores ciberculturais, coexistem muitas interseções no plano da pesquisa e suas motivações diversas.
Geovânia Carvalho é pedagoga/UFS. Doutoranda em Educação-PPGED/UFS sob orientação do Prof. Dr. Henrique Nou Schneider, na Área de “Educação, Comunicação e Diversidade”. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Informática na Educação/GEPIED/UFS/CNPq.
[i] Mais uma vez, Kant promove uma crítica sobre dois conceitos até então equivalentes: pensar e conhecer. Pensar se dirige à formulação cartesiana, ao dizer que pensar é uma ação própria do sujeito do conhecimento. Penso, logo existo. Ou seja, não há uma correspondência entre o sujeito dotado de sua corporeidade e o sujeito pensante. Na estrutura cartesiana são dois elementos distintos sem correspondência, portanto, impossível para Kant, haja visto sua defesa do comparecimento da experiência no topo do plano epistemológico, embora não seja seu fundamento. Pensar para Descartes é já conhecer; para Kant, é possível pensar qualquer coisa, uma fantasia, um sonho, um duende, uma fada, pois não há necessidade de uma correspondência no mundo empírico. Conhecer, ao contrário, exige a correspondência universal entre ideia (pensamento) e dados empíricos. Por isso, deus está fora do plano epistêmico, mas permanece no plano da vida prática como possível fundamento para a moral.
[ii] Necessário para Kant é sinônimo de lei