Qua, 01 de dezembro de 2021, 10:44

Setenta anos da FAFI e o nascimento da formação de docentes no ensino superior em Sergipe: uma necessária reflexão
João Paulo Gama Oliveira

A Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, carinhosamente conhecida como FAFI, começou suas atividades de maneira efetiva após a promulgação do Decreto nº 29.311, de 28 de fevereiro de 1951. Nesse primeiro ano, ofertou os cursos de Geografia e História, como também de Matemática e Filosofia. Em 1952, implantou o curso de Letras Neolatinas e, no ano seguinte, o de Letras Anglo-Germânicas. Mais de uma década depois, introduziu a graduação em Pedagogia.

Em 1968, a Faculdade Católica foi incorporada, juntamente com outras faculdades existentes em Sergipe, a saber: Direito, Economia, Medicina, Química e Serviço Social, para a criação da Universidade Federal de Sergipe. Significa dizer que, até então, foram 17 anos de existência de uma instituição que, posteriormente, foi agrupada à UFS, com todos os seus recursos físicos e humanos, tais como: acervos, mobiliários, cursos, corpo docente e discente e integrantes do quadro funcional, e, portanto, guarda inúmeras histórias imbricadas.

A FAFI é fruto de um amplo projeto nacional de formação de docentes no ensino superior. Em Sergipe, a Sociedade Sergipana de Cultura, criada e mantida pela Igreja Católica, contando com subvenções do Estado e do Município de Aracaju, foi que criou, juntamente com docentes e intelectuais entusiasmados(as) com a ideia, a Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe. Ali, tinha-se uma formação docente regida, inicialmente, pelo modelo “3 + 1”, ou seja, três anos para a formação em bacharelado e mais um ano, com o curso de Didática, para a licenciatura.

Apesar do êxito de sua criação, os caminhos da instituição foram complexos. A procura de alunos nos primeiros anos de funcionamento foi baixa. Os cursos superiores eram ofertados à noite no centro da cidade de Aracaju, o que requereu uma realocação e adaptação de horários, e, dessa forma, as aulas ocorriam no prédio do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, que funcionava durante o dia. As diferentes cadeiras anuais eram revezadas por um pequeno grupo de docentes, boa parte do ensino secundário ou pertencentes aos quadros da Igreja. Alguns cursos deixaram de funcionar, como foi o caso de Filosofia e Matemática. Constantemente, a instituição demandava subvenções, doações de livros e mesmo terreno para a construção de uma sede própria.

Já no final da década de 1950, com uma sede na Rua Campos, no Bairro São José, prédio onde atualmente funciona o Instituto de Previdência do Estado de Sergipe (IPES), a FAFI ganhou uma nova dinâmica, sobretudo em virtude da criação do Colégio de Aplicação e da realização de atividades nos três turnos. Com isso, o número de discentes ascendeu. Dentre o corpo docente, havia quem participasse de congressos nas áreas de atuação e buscasse, fora de Sergipe, cursos de aprimoramento, para depois retornar às aulas na faculdade.

Do quadro de ex-alunos(as) há figuras que passaram à condição de docentes da própria instituição e construíram carreira na Universidade Federal de Sergipe, após a incorporação da FAFI à UFS. Na listagem de pessoas que fizeram parte da FAFI (tanto docentes quanto discentes), localizamos desde professores(as) que atuaram por décadas na educação básica até sujeitos que consolidaram pesquisas nas Ciências Humanas, fundaram pós-graduações, publicaram dezenas de livros e desbravaram searas acadêmicas até então inexploradas em Sergipe.

Penso que, mais do que comemorar, é tempo de pensar acerca das sete décadas do início do funcionamento da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe e de seus cursos, que até a contemporaneidade continuam a formar docentes no estado. Há um leque de questões a serem desvendadas: Quais relações o curso conjugado de Geografia e História deixou nos currículos de ambas as licenciaturas? Por que razões os cursos de Filosofia e de Matemática deixaram de funcionar, em dado período histórico, e depois retornaram ao rol de cursos superiores em Sergipe? Quais memórias foram reveladas e/ou esquecidas? Quais os lugares de produção da escrita dessas histórias? Quais diálogos podemos estabelecer entre as licenciaturas da UFS a partir das leituras do seu passado? Que pontos em comum elas possuem? Que tensões escondem? Quais são as zonas silenciosas e/ou silenciadas? Quais correntes de pensamento estiveram presentes nos distintos momentos de existência da faculdade? Quais projetos para formação docente existiram ao longo daquelas duas décadas, assim como naquelas que se seguiram à implantação da UFS? Quais políticas públicas de formação docente beneficiaram a FAFI? Em que medida os cursos da UFS carregaram/carregam resquícios do modelo “3+1” na sua formulação curricular? O que tal passado revela para os tempos difíceis que a formação docente vive no Brasil em 2021? Que raízes da antiga FAFI estão fincadas nos acervos da UFS? Como os departamentos têm contado ao seu corpo discente contemporâneo a história de suas licenciaturas? Como a UFS tem salvaguardado seus acervos, que revelam tanto a história da antiga FAFI quanto dos desdobramentos da sua incorporação a uma universidade federal?

Longe de responder a tais questões, acredito que a salvaguarda dos acervos institucionais aliada à verticalização de pesquisas na graduação e na pós-graduação e, quiçá, um variado conjunto de entrevistas com diferentes sujeitos que participaram da construção da referida faculdade, podem auxiliar no esquadrinhamento das indagações expostas. Em face dos 70 anos da antiga FAFI, cabem a reflexão e a ação em prol do desvendamento de múltiplas histórias dessa/nessa instituição. Reitero que tão importante quanto – ou até mais importante do que – celebrar, faz-se necessário conhecer os caminhos trilhados, o que requer um debruçar-se sobre os acervos institucionais dos cursos de graduação, a fim de investigar memórias reificadas ou silenciadas e lançar questões acerca de um passado recente que tem muito a revelar sobre a História da Educação, o ensino superior e a educação básica, a formação docente e ainda sobre a própria História de Sergipe da segunda metade do século XX até a aurora do século XXI.

*João Paulo Gama Oliveira é professor do Departamento de Educação (DEDI) da Universidade Federal de Sergipe; em estágio pós-doutoral na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP com bolsa de Pós-Doutorado Júnior do CNPq.

**O presente texto deriva das pesquisas desenvolvidas na minha dissertação de mestrado, publicada como livro pela Editora da Universidade Federal de Sergipe no ano de 2013, com o título A formação do professor de História da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe: entre disciplinas, docentes e conteúdos (1951-1962). Registro meu agradecimento e admiração à Profa. Beatriz Góis Dantas, por ter me incentivado a publicar o presente texto diante da efeméride celebrada em 2021.


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