Seg, 18 de julho de 2022, 09:10

Discurso na cerimônia de entrega do acervo Paulo Almeida Machado
Carlos Augusto Alcântara Machado
Carlos Augusto Alcântara Machado é filho do homenageado (Foto: Schirlene Reis/AscomUFS)
Carlos Augusto Alcântara Machado é filho do homenageado (Foto: Schirlene Reis/AscomUFS)

A história do nosso pai, avô, sogro, PAULO ALMEIDA MACHADO, se confunde com a história do nascimento da Universidade Federal de Sergipe, creio que posso assim dizer.

Digo isso porque antes mesmo da sua instituição como Universidade, oficialmente em 11 de maio de 1968, Paulo Machado já havia ingressado na antiga Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, uma das faculdades absorvidas pela UFS, como Instituto de Letras e Artes, contratado que foi em 01 de fevereiro de 1955, para lecionar as disciplinas Lógica, Português, Linguística, Didática Especial de Latim, Didática de Filosofia e Psicologia Relacional, algumas como titular, outras em caráter de substituição. Na Faculdade de Filosofia, nos vestibulares, foi também examinador de Latim e Português e, quando o vestibular foi promovido já diretamente pela UFS, integrou a Comissão Examinadora de Português.

A partir de 01 de agosto de 1967, a convite do Emérito Professor Gonçalo Rollemberg Leite, então Diretor da Faculdade, ingressou na Faculdade de Direito de Sergipe, para lecionar a cadeira de Direito Civil.

Em 16 de dezembro de 1968, já com a Universidade criada, foi enquadrado como Professor Titular tanto pela Faculdade de Direito, como pelo Instituto de Letras, Artes e Comunicação (ILAC), optando, em seguida, pela vinculação exclusiva e em definitivo ao Curso de Direito da UFS, na Cadeira de Direito Civil, lecionando as disciplinas Teoria Geral do Direito Civil, Direito das Obrigações, Direito das Coisas, Direito Contratual e Direito de Família e Sucessões.

Além das atividades intensamente vividas no magistério superior, ocupou cargos administrativos relevantes na UFS, como Chefe do Departamento de Direito e Vice-Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas.

Por derradeiro, serviu a UFS como Chefe da Assessoria Jurídica até o momento da sua aposentadoria voluntária, no final do ano de 1995.

40 anos, oito meses e 15 dias, como costumava dizer, de dedicação à Universidade. Aposentou-se como PROFESSOR TITULAR, em regime de dedicação exclusiva.

No ano de 1999 o Conselho Universitário da UFS concedeu-lhe o título de Professor Emérito e, em 2008 o Conselho Superior da Universidade Tiradentes conferiu-lhe o título de Notório Saber. Reconhecimento do ensino público e privado.

Paulo Almeida Machado, discípulo dos Mestres Gonçalo Rollemberg Leite e D. Luciano José Cabral Duarte, companheiro (compadre mesmo) de personalidades sergipanas como Manoel Cabral Machado e Silvério Fontes, todos Professores desta Universidade, era reconhecido no Estado de Sergipe pela sua densa cultura clássica. Inobstante ter alcançado o bacharelado em Direito, quando já possuía formação de Filosofia, fundiu, numa simbiose perfeita, os dois valores bases das ciências que abraçou – Verdade e Justiça – tornando-se jurista. Filósofo e Jurista. Em uma palavra: Jusfilósofo, como registrou certa feita o Min. Ayres Brito, em dedicatória de obra jurídica a ele dirigida. Era respeitado não somente pelo patrimônio cultural-humanístico que possuía, mas pelo inflexível caráter, pela retidão de postura pessoal e profissional, reverenciado pelos colegas Advogados, pelos Magistrados, pelos membros do Ministério Público, pela comunidade jurídica em geral e, particularmente, pelos seus milhares de alunos, aos quais nutria especial sentimento de amor, numa intensa relação pai-filhos, nas quatro décadas de magistério universitário, três das quais ao ensino especificamente jurídico. Nosso exemplo de cidadão e caráter.

No seu mais profundo íntimo, talvez em razão da sólida formação religiosa, fugia, quando possível, de homenagens e de solenidades para a concessão de honrarias pessoais. Se vivo fosse, 07 anos após a sua partida para o Paraíso Celeste, talvez não aqui estivesse. Estaria com 95 anos.

Quando homenageado, após a sua aposentadoria, com o título de Professor Emérito da Universidade Federal de Sergipe, em 1999, relutou em aceitar. Demovido da resistência pela sua esposa e filhos, resolveu reconhecer, o que para ele era pura generosidade dos membros integrantes do Conselho Universitário e, constrangido, dirigiu-se à cerimônia oficial.

Assim era Paulo Machado. Personalidade recatada, de hábitos reclusos e profundamente humilde, virtude cristã que cultivava com extremo rigor. Entendia, por convicção mesmo, que as glórias deveriam ser sempre dadas a Deus.

José Lima de Santana, advogado, professor e membro da Academia Sergipana de Letras, amigo da família, em artigo publicado, logo após o seu passamento e tratando especificamente sobre esse traço de personalidade, assim se expressou: “Havia uma face do Dr. Paulo Machado que, para mim, era ímpar: a sua humildade. Ele, por certo, aprendeu com Santo Tomás de Aquino, que disse: ‘A humildade é o primeiro degrau da sabedoria’. E ele soube construir coisas boas e as fez muito bem. Afinal, como disse Santo Agostinho: ‘Não basta fazer coisas boas – é preciso fazê-las bem’”

Tal traço de caráter, por certo, não permitiu que deixasse uma obra escrita.

Apesar de não publicados, produziu dezenas de discursos, aulas magnas, conferências jurídicas, centenas e centenas de pareceres no Banco do Brasil em advocacia consultiva e outras tantas peças jurídicas nos processos em que funcionou, particularmente na área cível, onde, embora advogado/empregado de instituição financeira, procurava incessantemente encontrar a solução mais justa possível, atento para a por vezes, desesperada angústia dos devedores. Invariavelmente o desfecho das demandas atendia as partes, preservando os interesses da instituição empregadora e os fins sociais necessariamente perseguidos por uma empresa estatal de fomento.

Como disse, não deixou livros publicadas, mas demonstrando profundo espírito público, quis que o patrimônio cultural acumulado por mais de sessenta anos, representado nos seus livros, na sua biblioteca, alguns milhares de volumes, tivesse uma destinação pública. E hoje esse sonho se concretiza.

Lamentavelmente, por razões de saúde, a sua amada esposa Alice, nossa mãe, avó e sogra, não teve condições físicas e mentais de presenciar essa solenidade.

Registro que para ela, e por ela, Paulo Machado tornou-se também poeta. O Poeta de Alice.

Para Alice, ainda no namoro, nos idos de 1955, declamou:

Indelével e reciprocamente gravemos os nossos nomes em os nossos corações, transparentes como vidro para o outro, para que nós ambos, no deserto da saudade, possamos, pela fidelidade e confiança mútua, beber o néctar da felicidade, que sempre encontramos servido nas taças da compreensão e da doação de duas almas, que se uniram no oásis do Amor.

Meu Pai PAULO MACHADO estaria imensamente feliz se ela aqui estivesse e testemunhasse o seu maior ato de desapego, tantas vezes por ela referido até por questão de necessidade: afastar-se dos seus livros para preservar a saúde. Mas era a sua razão de viver: viver as Sagradas Escrituras e alcançar a sabedoria; buscar o saber, quase que compulsivamente. O conhecimento era o seu alimento. Por isso ouso dizer que meu Pai, para além de sua esposa, filhos, netos, genros e noras, e, também, dos alunos, AMAVA os seus livros. E era muito ciumento!!! Não os emprestava. A quem se interessava por eles, comprava outro volume e presenteava com o novo exemplar. Fez isso inúmeras vezes. Os seus eram seus!! Com eles, viveu, e em razão deles, morreu (fibrose pulmonar ocasionada pelos ácaros). Mas morreu feliz. E morreu já tendo dado um destino à obra da sua vida. Sua Biblioteca. Seu maior passo talvez em busca da perfeição, insisto, que almejava sempre alcançar: desapegar-se dos livros que tanto amava.

Demonstrando o cuidado que tinha com os seus livros, já na Carta dirigida ao ex-reitor da UFS Ângelo Antoniolli, em 21 de fevereiro de 2013, indagando se a UFS aceitaria a doação de sua biblioteca, destacou que os livros não estavam nem assinados nem riscados. Encontravam-se em perfeito estado de conservação. Foi mais além, dizendo “que o único móvel deste ato é o benefício dos estudantes, afastada [afirmou] com absoluta sinceridade, qualquer intenção de referência à procedência desses livros, pois, na verdade dos meus alunos é que me orgulho, hoje exemplares profissionais na sociedade”.

Referia-se a muitos dos aqui presentes, aos quais, comovido, agradeço a honrosa presença. Disse ainda naquela carta, que só solicitava à UFS, que providenciasse o transporte dos livros. E como gesto derradeiro de seu sentimento, por assim dizer, para com os livros, afirmou: “providenciarei as embalagens, considerando a qualidade das publicações, sem ônus algum para a Universidade”. Como percebem, permitam-me, queria tratá-los bem, até o último instante...

Agora, Paulo Machado, meu Pai, realizando parte da sua vontade (peço desculpas por seus filhos terem acolhido essa HOMENAGEM, que humildemente disse não ser necessária), seus livros pertencem ao povo sergipano, à comunidade acadêmica da Universidade Federal de Sergipe. Servirão a muitos e muitos neles encontrarão respostas a tantas inquietações, como você fez durante toda a sua vida. Completou sua jornada terrena, mas a sua obra, a sua biblioteca, quase 30 mil volumes, permanecerá.

Professores, autoridades, gestores da UFS, Amigos queridos, todos, aqui presentes.

Paulo Almeida Machado foi jornalista, poeta, filósofo, advogado, professor. Todavia todas as atividades desenvolvidas, para ele, não teriam sentido se, como Paulo de Tarso, não tivesse guardasse a fé. Assim viveu. Paulo Machado foi jornalista-cristão; poeta-cristão; filósofo-cristão; advogado-cristão; jurista-cristão. Combateu o bom combate e sem perder a fé, concluiu a sua jornada.

Se possível fosse definir, em poucas palavras, em uma expressão, Paulo Almeida Machado, considerando seu inflexível caráter, formação clássica, trajetória pessoal e profissional por todos respeitada e, particularmente, destacando a sua missão de vida, diria: Paulo Machado foi um sacerdote da humanidade.

Hoje, Paulo Almeida Machado é o patrono da cadeira 28 da ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS JURÍDICAS e, para minha honra pessoal, por mim ocupada na condição de acadêmico-fundador

Aos gestores da Universidade Federal de Sergipe, de ontem e de hoje, na pessoa do Magnífico Reitor Valter Joviniano, a gratidão dos familiares pela homenagem. Ao Ex-Reitor Angelo Roberto Antoniolli; ao seu Chefe de Gabinete, Prof. Marcionilo de Melo Lopes Neto, os quais deflagraram todo o processo e aceitação da doação e ao ex-Diretor da BICEN, Luiz Machiotti Fernandes, que, com as próprias mãos iniciou o trabalho de remoção dos livros para a UFS, o nosso muito obrigado.

Particularmente aos servidores da UFS que, pessoalmente conduzem o processo de catalogação do acervo, Pedro e Nairson, com integral apoio da Diretora Selma, o nosso especial agradecimento.

Também em meu nome pessoal e da família, obrigado a todos os que prestigiaram essa solenidade.

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Carlos Augusto Alcântara Machado é professor do Departamento de Direito (DDI).


Atualizado em: Seg, 18 de julho de 2022, 10:10
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