Seg, 13 de março de 2023, 14:37

UFS: 50 anos de políticas inclusivas
Mário Resende

Em 1972, quatro anos após a fundação da Universidade Federal de Sergipe, a instituição fez uma seleção para uma série de bolsas, destinadas ao público estudantil interno, cujo objetivo era propiciar uma renda mínima que os permitisse custear suas despesas. Uma ação coordenada pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), da época, lançou edital para um conjunto de bolsas, a saber: a bolsa trabalho, a bolsa esporte e a bolsa arte, seguindo uma proposta do MEC, nos anos obscuros do regime civil-militar, naquilo que chamo de protopolítica de ação afirmativa da UFS, chamada, até tempos coevos, de política de assistência estudantil.

Tempos depois, em 1976, a UFS instituiu uma segunda política inclusiva para seu corpo estudantil: a residência universitária. Destinada a estudantes de Sergipe e outros Estados, a residência estudantil permitiu que muitos e muitas superassem dificuldades financeiras familiares e concluíssem seus cursos em tempo hábil. Estão registrados, na história da residência estudantil da UFS, ex-alunos e alunas, de todas as profissões e credos, a exemplo de professores universitários, médicos, engenheiros, advogados, auditores fiscais, juízes, incluso, algumas autoridades da República que representaram Sergipe, aqui e lá fora.

Com a mudança dos cursos de Aracaju para o Campus de São Cristóvão, em 1982, a UFS oferta mais uma política ampliada de assistência estudantil afirmativa: almoço e jantar, a preços subsidiados, para centenas de estudantes todos os dias. Nesta época, não existia dotação orçamentária específica para essa ação. A gestão da UFS colocava parte do seu orçamento de custeio na efetivação dessas políticas inclusivas, acrescido da dotação alimentada com dinheiro das inscrições do vestibular, taxas de matrículas - que eram pagas até 2003 - e dos recursos pagos para alimentação pela comunidade acadêmica não isenta. Portanto, é necessário reconhecer e reafirmar a preocupação da instituição e dos seus gestores, há algumas décadas, com uma ação humana que possibilitou proteção a parte dos seus estudantes, no campo da renda básica, da moradia e da alimentação, sem as quais, não seria possível concluir seus estudos.

No final do Governo Fernando Henrique Cardoso, houve um movimento nacional estudantil, coordenado pela UNE, que culminou numa grande passeata, em Brasília, exigindo um aporte específico para assistência estudantil nas Universidades. O governo respondeu com cinco milhões de reais dividido para todas as Ifes. Era pouco, mas foi o início de recursos carimbados para tal fim. O primeiro governo Lula mudou o patamar da situação descrita. Junto com o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades (Reuni), cresceu o aporte destinado à assistência estudantil nas Universidades Públicas, pressionadas, então, por milhares de estudantes advindos do sistema de cotas das escolas públicas, etno-raciais e de gênero.

Foi nesse momento que a então gestão da UFS criou o Programa de Ações Afirmativas (Paaf) no ano de 2009. O Paaf será tratado em texto futuro. O montante de recursos destinado à UFS pelo MEC, à época, para essa política, era de 3 milhões/ano. Hoje, chegamos a 33 milhões, cujos recursos são gerenciados pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proest), visando atender a alunos e alunas dos campi de São Cristóvão, Aracaju, Itabaiana, Lagarto, Laranjeiras e Nossa Senhora da Glória. As políticas afirmativas, portanto, intensificaram-se, foram diversificadas e imprescindíveis à permanência e sucesso dos alunos assistidos. Aportes para alimentação, residência, transporte, na atualidade, alcançam quase 5 mil alunos e alunas da nossa instituição.

O que mudou na última década? Desenvolveu-se na sociedade uma discussão mais abalizada do conceito de ação afirmativa, fruto das reivindicações, pesquisas e estudos teóricos, particularmente ligados aos movimentos sociais, para que as políticas afirmativas sejam direcionadas a grupos historicamente excluídos, a saber, alunos e alunas de escolas públicas, população negra, indígena, cigana, quilombola, lgbtqia+, mulheres. Portanto, tendo em vista a diversidade do público-alvo e de seu lugar na estrutura social, os recursos precisam ser aplicados como aportes de políticas inclusivas, assertivas e formativas, sejam na graduação, sejam na pós-graduação. As ações afirmativas na UFS abraçam hoje estudantes de 108 cursos de graduação, bem como, parte dos discentes dos 50 mestrados e dos 20 doutorados. 50% das vagas na graduação e 20% das vagas em cada curso de pós graduação são destinados a cotistas.

Não obstante essas pinceladas históricas apontarem para muito do que já foi feito, muito mais ainda precisa ser realizado. A criação de um organismo interno que aglutine as ações e possibilite o pensar, que dialogue, estude, proponha, acompanhe, avalie sempre, sugira, reconstrua as políticas afirmativas se faz premente. É uma dívida antiga a escrita da história das Ações Afirmativas na UFS, dos programas, projetos, beneficiários, sujeitos que a construíram. Não obstante a riqueza das fontes disponíveis, o registro dessa memória estar por ser feito. A quem interessa esse silêncio? O devir dos tempos novos, das novas possibilidades, desafios e discussões, que edificaram as Ações Afirmativas no Brasil, como direito dos historicamente excluídos e dever das políticas públicas, nos desafia a olhar para o passado e para o futuro com força, gratidão e esperança.

Mário Resende é professor e assessor da UFS para políticas de Ações Afirmativas. Foi chefe de Gabinete/Assessor/UFS e pró-reitor da Proest/UFS (2004-2012), coordenador da Diretoria de Projetos na Unila (2013-2015), ex-secretário nacional do CNPIR (2016) e chefe da Assessoria para Desenvolvimento Institucional e Monitoramento de Políticas de Educação /Seduc/SE(2018-2022).


Atualizado em: Seg, 13 de março de 2023, 17:37
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