
Senhoras e senhores, boa noite!
A concessão do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe a Martinho da Vila representa um momento importante para nossa instituição.
Nos últimos anos, temos avançado não só nos debates, mas também em ações em torno das políticas afirmativas. Temos acertado, temos errado e, principalmente, temos aprendido nesse processo.
Neste sentido, é bastante representativo ter a oportunidade de homenagear um artista preto, brilhante, alguém que estudou e cantou Sergipe e sua cultura. Alguém cujo sorriso nos leva a também sorrir e a ter esperança.
Apesar de ser presença frequente na playlist do meu carro e do meu celular, apenas na última segunda-feira tive o privilégio de conhecer Martinho da Vila pessoalmente.
Na ocasião, fui brindado pelo seu sorriso espontâneo, simples e sincero.
Martinho me lembrou outro homem preto, também carismático e de sorriso fácil, o saudoso Nelson Mandela, que certa vez afirmou: “Uma boa cabeça e um bom coração formam sempre uma combinação formidável”.
Aqui está uma fórmula que nos ajuda a entender a aura de Martinho da Vila.
A cabeça boa aparece nas suas inúmeras composições, nos discos belíssimos, no mergulho sempre cuidadoso e inteligente na música, na poesia, nas coisas do mundo afro, na forma primorosa de mostrar a toda gente o valor da cultura brasileira.
Já o bom coração pode ser visto na disposição em abrir portas a jovens artistas, em partilhar as descobertas sobre esse imenso Brasil com seu público, no ato sempre elogiável de reconhecer velhos companheiros e outros artistas que o antecederam, como Donga e Zé Ketti.
O nosso mais novo Doutor Honoris Causa nos ensina na prática algo lembrado por Barack Obama: “a mudança não acontecerá se nós esperarmos por outra pessoa ou se esperarmos por algum outro momento. Nós somos as pessoas pelas quais esperávamos. Nós somos a mudança que buscamos”.
Ao ter se tornado uma referência incontestável para a população negra, para garotas e garotos das periferias brasileiras, das comunidades mais humildes, Martinho da Vila dá exemplo do quanto podemos mudar, do quanto podemos transformar a realidade, do quanto vale a pena sonhar e sorrir.
A Universidade Federal de Sergipe reconhece na vasta obra de Martinho da Vila um exemplo para as futuras gerações.
O reverendo Martin Luther King disse que a função da educação é “ensinar a pessoa a pensar intensamente e a pensar criticamente”. Se conseguimos educar, podemos aprender a conviver como irmãos.
É importante observar como a mesma preocupação - o mesmo olhar sobre a força decisiva da educação - aparece também nas palavras do já citado Mandela, que lembrou: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
A nossa sociedade precisa se esforçar para aprender a ensinar a amar. Somente assim poderemos combater o ódio e ganância que, em pleno século XXI, seguem tirando a vida de pessoas negras como Mãe Bernadete, líder quilombola e ialorixá, covardemente assassinada a tiros no último dia 17, em Simões Filho. Aproveito para ressaltar que a Universidade Federal de Sergipe lamenta profundamente a morte dessa líder e anseia por justiça.
Quando falamos sobre a importância de educar de forma antirracista, ficamos admirados ao perceber que a obra de Martinho da Vila nos ensina a sorrir, nos ensina a cantar, nos ensina a ter fé, nos ensina a persistir, a nunca desistir, nos ensina a amar.
Por essa razão, a UFS expressa a alegria em ter Martinho da Vila inscrito entre os seus doutores.
Em uma de suas canções mais conhecidas, nosso homenageado narra a história difícil de alguém que progride na vida a duras penas, graças à educação, mas sem ter acesso ao ensino superior numa universidade pública.
Estou falando da canção O pequeno burguês, que diz:
Felicidade!
Passei no vestibular
Mas a faculdade
É particular
Livros tão caros
Tanta taxa pra pagar
Os versos de Martinho seguem atuais enquanto alerta sobre as dificuldades enfrentadas por uma pessoa de família humilde para cursar uma graduação no Brasil. O acesso ao ensino superior foi ampliado, mas ainda estamos longe do ideal. Porém, se ele não é pior, é graças à Universidade pública, gratuita e de qualidade como a UFS.
Na mesma música, há o seguinte lamento:
Mas da minha formatura
Não cheguei participar
Faltou dinheiro pra beca
E também pro meu anel
Nem o diretor careca
Entregou o meu papel...
Bem, Doutor Martinho, para encerrar gostaria de dizer:
De beca, o Senhor já está, o anel nós vamos ficar devendo, mas este reitor com calvície “opcional”, os nossos Conselhos Superiores e toda a comunidade da Universidade Federal de Sergipe ficam extremante felizes por hoje poderem entregar o papel de Doutor Honoris Causa a Martinho da Vila, a Martinho da UFS, a Martinho de Sergipe!
Parabéns, um forte abraço e Deus o abençoe!
Boa noite a todas e todos!
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Valter Santana é reitor da Universidade Federal de Sergipe.