Seg, 08 de janeiro de 2024, 19:28

Democracia e universidade
Valter Santana
Reitor Valter Santana (foto: Pedro Ramos/Ascom UFS)
Reitor Valter Santana (foto: Pedro Ramos/Ascom UFS)

Os valores democráticos são um dos pilares que fundamentam a República e a universidade pública brasileira. A nossa democracia foi conquistada por meio da luta e do sacrifício de muitas pessoas e é assegurada pelos parâmetros do Estado Democrático de Direito e da participação popular, por meio de manifestações políticas e do voto.

Em um momento em que a democracia é ameaçada em nosso país, uma reflexão sobre o seu sentido se faz necessária, tendo em vista os riscos que sua errônea apropriação pode representar. Nos últimos anos, no Brasil e no exterior, manifestações autoritárias usaram a “defesa da democracia” como precedente para o cometimento de atos hostis.

Nisso, dois incidentes com repercussão internacional chamaram atenção: a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, no ano de 2021, e o ataque às sedes do Poder Judiciário, do Legislativo e do Executivo do Brasil, no último dia 8 de janeiro.

Os manifestantes que ali estavam alegavam “defender” a democracia de uma suposta “farsa”. E para defender a democracia dela mesma, mentiram, agrediram, vandalizaram, saquearam o patrimônio público e flertaram abertamente com o golpe rumo à ditadura que diziam querer evitar.

Uma das coisas que mais chama a atenção nesses eventos é a forma distorcida, pouco inteligente até, com que a palavra “democracia” por vezes é utilizada. O mesmo ocorre com termos como “liberdade”, “família” e “pátria”, que mais escondem preconceitos do que valores que uma sociedade mentalmente saudável deve emular.

Para os invasores de 8 de janeiro, caberia a eles defender a democracia. Mas, qual democracia diziam defender? Aquela que é fruto de uma eleição que segue os regramentos legais e que contou com o aval dos órgãos de controle, com qualquer denúncia de fraude descartada mesmo após diligências da Polícia Federal, reconhecida pelo Poder Judiciário e aclamada pela Justiça Eleitoral?

Infelizmente não. O que passaram a defender foi uma visão própria de democracia, conveniente e autoritária. O que os tais “defensores” da democracia queriam era manter acesa a tendência autoritária que condensa o interesse de pequenos grupos.

Há muitos pelo Brasil afora - e em Sergipe não há de ser diferente - que se colocam como defensores da palavra democracia. A palavra distorcida e incompreendida, às vezes, inspira a atividade de grupos minoritários, barulhentos e rancorosos que, por não terem obtido sucesso em disputas democráticas, tentam a todo custo - quanto custam panfletos e outdoors espalhados em nossas vias? - gerar a descrença na democracia. Para isso, criam-se teorias conspiratórias e factoides que visam manipular aqueles que de boa-fé defendem um valor tão importante.

Essa situação se tornou mais dramática com o advento das novas tecnologias, que tornaram possíveis bolhas ideológicas propagarem fake news em massa, sejam elas em imagens, textos, gráficos, análises deturpadas etc. e que impactam negativa e fortemente na concepção do que é o pleno exercício de democracia.

Contraditoriamente, essas mesmas tecnologias digitais possibilitarão aproximar os cidadãos da narrativa sem distorção, da democracia e dos poderes constituídos que a defendem. Que caminhos devemos tomar, então, enquanto universidade, para estudar, debater e propor alternativas de defesa da democracia, em face aos riscos impostos?

Como nos prepararmos para o melhor uso dessas tecnologias e transformarmos em verdadeiras ferramentas para o pleno exercício democrático, uma vez que ainda se constitui fenômeno novo para a humanidade? O caminho será longo, mas necessário.

A democracia não pode ser apenas um discurso. Democracia tampouco é somente uma palavra. Democracia é uma prática que deve ser exercida por aqueles que dela se dizem defensores e entusiastas. Ela precisa ser cultivada, cuidada, respeitada. O seu pleno exercício exige o reconhecimento dos ritos e dos processos pelos quais ela se realiza.

Questionar os resultados de um processo eleitoral, depois de haver aceitado as suas regras e dele ter participado ativamente, aproxima qualquer um que assim procede da postura perigosa, intolerante e golpista que tanto busca imputar aos outros. Defender e vivenciar a democracia é papel da universidade pública no seu cotidiano.

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Valter Santana é reitor da Universidade Federal de Sergipe.

Artigo originalmente publicado em 10/02/2023 no site JLPolítica


Atualizado em: Seg, 08 de janeiro de 2024, 19:34
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