Qui, 14 de março de 2024, 16:49

Alina Paim: uma voz ecoante na luta das mulheres
Ana Maria Leal Cardoso é professora do Departamento de Letras Vernáculas

“A mulher foi feita para obedecer, sua

vontade foi talhada para curvar-se

diante de outras mais fortes. (...)

- Continuo defendendo meu ponto de

vista: a mulher tem possibilidades

iguais às do homem, a pouca educação é que a

atrofia, dando um valor exagerado a

seus sentimentos neutralizando

suas energias intelectuais. A mulher

pode ser o que quiser,tio”(PAIM:p.139)

A citação acima impacta-nos pela coragem e peso das palavras proferidas por Raquel em meio a uma conversa com seu tio- um rico patriarca e coronel do açúcar- ambas personagens do romance A sombra do patriarca, da escritora sergipana Alina Paim, dona de uma vasta produção literária e a quem prestamos uma justa homenagem, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

Ao retroceder um pouco no tempo, nos deparamos com o fatídico incêndio ocorrido no dia 25 de março de 1857, na fábrica da Triangle Shirtwast, em Nova York- um desastre industrial de grandes proporções que causou a morte de 23 homens e 129 mulheres trabalhadoras. Esse lamentável fato veio a contribuir, no futuro, para a criação e veiculação de critérios rigorosos sobre as condições de trabalho e para o crescimento dos sindicatos que despertavam como conseqüência da Revolução Industrial. A versão do incêndio é confusa quanto à data precisa, contudo faz parte da luta das mulheres como contexto, não como fator exclusivo de criação do 8 de março.

A luta das mulheres por espaço e melhores condições de trabalho e, consequentemente, de vida é anterior ao incêndio, toma fôlego com a alemã Clara Zetkin, membro do Partido Comunista alemão e militante operária das causas das mulheres trabalhadoras, tendo fundado em 1891 a Revista Igualdade, que circulou na Europa por 16 anos, formada apenas por mulheres que defendiam seus direitos. A ativista em foco propõe, durante seu mandato de deputada, no final da década de 1920, mais participação das mulheres na política e no trabalho. Na década anterior, por ocasião do II Congresso Internacional de Mulheres, ocorrido em Copenhagen, ela proferiu um eloquente discurso em que expõe seu desejo por liberdade e igualdade para as mulheres.

Com a ascensão de Hitler em 1933, Zatkin pediu asilo à antiga URSS, contudo, antes de partir, propôs um Dia Internacional da Mulher, estabelecendo que a data seria um dia de mobilizações de mulheres no trabalho em todo o mundo, em cuja pauta não abordaria apenas as questões das mulheres no trabalho, mas a luta pelo direito ao voto feminino.No Brasil, a socióloga Eva Blay (USP) explica que a data 8 de março é fruto dos fortes movimentos de reivindicação política, trabalhista, greves e passeatas, não sendo motivada, todavia, pela morte de mais de uma centena de mulheres exploradas pelo capital. Na verdade, essa data só foi legitimada pela ONU em 1975 como sendo o Dia Internacional da Mulher, reconhecendo a sua relevância na sociedade e a história da luta por seus direitos.

A escritora Alina Paim, nosso objeto de pesquisa há 17 anos, parece ter seguido os passos das suas predecessoras. A sua vida foi marcada pela luta em favor dos marginalizados pela sociedade, abraçando com vigor as causas das mulheres trabalhadoras, proletárias. Ela nasceu no dia 19 de outubro de 1919, na cidade de Estância, agreste sergipano; ficou órfã de mãe aos cinco anos, tendo sido levada pelo pai, um caixeiro viajante, para a cidade de Simão Dias, onde residiam os avós paternos, além das três tias solteiras, responsáveis pela educação da pequena. Com a morte de tia Laurinha, a mais velha, a menina segue para o convento da Soledade, em Salvador, onde permanece até o final dos estudos secundários. Em 1943, ela conhece e casa-se com Isaias Paim, um médico recém-formado. O jovem casal mudou-se para a cidade do Rio de janeiro em busca de oportunidades, inclusive de emprego. Apesar de possui o diploma de professora, Alina não pode trabalhar na rede municipal de educação, tendo ela que ministrar aulas para os filhos de pescadores- alguns dos quais alfabetizou- durante o período em que lecionou nas escolas da Ilha de Marambaia-Niteroi. Tal experiência, segundo a própria autora, contribuiu para que produzisse, no futuro, obras destinadas às crianças.

Em entrevista que nos foi oportunizada, em fevereiro de 2009, a escritora falou um pouco da sua vida- bastante reservada- e da sua obra literária, além da vivência como militante do PCB, levada pelo marido comunista, em 1944. Na militância do Partido, conheceu vários intelectuais destacando-se o casal Jorge Amado e Zélia Gatai, Cândido Portinari, Graciliano Ramos, entre outros. Contudo, recebeu especial atenção deste último, a quem chamava carinhosamente de “mestre Graça”; seu mentor-amigo, a quem confiou a leitura dos seus primeiros romances.

Estrada da Liberdade (1944), sua obra inaugural, A sombra do patriarca (1950), A hora Próxima (1955), Sol do meio-dia (1961), A sétima vez (1964), além da trilogia de Catarina, produzida na década de 60, são obras de considerável realismo socialista. Nelas se pode observar a escrita da intelectual engajada, em que escancara as mazelas sociais. Na verdade, seus dez romances trazem as marcas de uma produção de resistência, de denúncia social, em algumas até questiona a postura conservadora da educação religiosa, os espaços da mulher e as condições de trabalho em que estão inseridas.

As cinco primeiras obras trazem particularidades estéticas e sofreram adequações conforme pedidos do PCB. A hora Próxima foi traduzida para o chinês, enquanto Sol do meio dia foi traduzida para o búlgaro e o alemão; a primeira apresenta um enredo com cenários bastante desafiadores para a classe operária, especialmente para as mulheres e as crianças que experienciam o descaso e a fome, enfrentam greves, protagonizando situações sociais capazes de conscientizar o operário enquanto classe. A segunda tem como personagem central, Ester, uma jovem professora pobre, nordestina, solteira, militante do PCB, solidária aos problemas daqueles com os quais convive na labuta diária. Vivendo humildemente em uma pensão, a protagonista consegue organizar a relação entre os moradores daquele lugar; certamente o caminho não só da personagem citada, mas de muitas outras que habitam o universo ficcional de Alina Paim está mesclado com aspectos da sua própria infância, adolescência e fase adulta, numa espécie de relicário aberto à interpretações e às mais diversas reflexões.

O romance Simão Dias, que o tomamos como autobiográfico, não obstante o seu caráter socialista traz o peso da orfandade, a família, a escola, os mexericos das cidades do interior, a vontade de vencer o patriarcado ou outra forma de pensamento opressor. A trilogia de Catarina, formada pelas obras O sino e a rosa, A chave do mundo e O círculo, aborda temas diversos como o abandono, a violência, a maternidade, a loucura, entre outros, que circunscrevem o universo feminino. Seu último romance, A correnteza (1979), apresenta leveza no que tange ao socialismo; na sua fase madura, a escritora apresenta uma obra de caráter intimista em que testemunhamos Isabel, a protagonista de 56 anos, vivenciando a metanóia- termo cunhado pela psicologia analítica de Jung- que se refere à fase adulta em que refletimos profundamente sobre nossas vidas. Portanto, reclusa no quartinho dos fundos da garagem e entregue à solidão, abandonada por aqueles a quem tanto prejudicou, incluam-se aí os próprios filhos, Isabel coloca-se em posição quase fetal, entregando-se numa espécie de ‘ajuste’ consigo mesma, em meio à solidão da casa que tanto sonhou possuir um dia, o que remete à ideia de retorno ao útero, simbolizando o seu renascimento.

A vida de Alina Paim se confunde com aquelas das suas personagens. Imbuída de propósito renovador para a literatura comprometida com a militância política, a autora prioriza as personagens femininas dando-lhes voz, mostrando que sobrevivem a pressões provenientes dos donatários do mundo (patriarcal), através das lutas diárias pela conquista de espaços, trabalho digno, educação e, acima de tudo, liberdade de pensar e de ser mulher. Conforme visto, a sua obra incorpora memórias das suas próprias experiências evidenciando que, na tessitura do texto literário, o fio do tempo (da memória) se une ao da narrativa (ficção), resultando numa espécie de tapeçaria da vida ali representada, lugar capaz de promover profundas reflexões e discussões sobre Ser humano. Por tudo que foi exposto sobre essa artista da palavra, acredito ser ela merecedora desta homenagem, pela passagem do Dia Internacional da Mulher.

Como pesquisadora envolvida com o processo de resgate de Alina Paim, mulher, mãe, educadora, política e escritora de considerável quilate, deixo aqui a minha sugestão para que a UFS- Universidade Federal de Sergipe considere seu nome no processo de nomeação do campus de estância, sua cidade natal, o que, certamente, será motivo de honra e alegria para o povo sergipano.

Ana Maria Leal Cardoso é professora do Departamento de Letras Vernáculas da UFS


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