Seg, 11 de março de 2013, 06:21

O sinistro em Santa Maria, o jeitinho brasileiro e a impunidade nacional...
O sinistro em Santa Maria, o jeitinho brasileiro e a impunidade nacional...

Frederico L. Romão


O sinistro em Santa Maria, o jeitinho brasileiro e a impunidade nacional: tristes liames sociológicos


O Brasil, de luto oficial, pranteiaa morte das centenas de jovens que tiveram suas vidas ceifadas no interior da Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.


Saída de emergência insuficiente; homens da segurança indevidamente treinados; reforma na estrutura do prédio sem previa autorização e análise técnica; falta de iluminação de emergência; extintores de incêndio inoperantes; superlotação. São essas algumas das absurdas circunstâncias presentes naquela boate e trazidas à tona pela imprensatardiamente.


Como explicar que tamanha conjunção de não conformidades pudessem coexistir em espaço público? Diferentemente de Tácito, não se acredita que as éguas iberas concebam pelo vento! De novo alguns homens, mulheres e órgãos de controle, detentores de informação e poder para impedir tamanho desastre, se calaram, como de outras tantas vezes se omitiram, coadunaram-se, e mesmo houve os que arquitetaram contexto fatalístico para esta tragédia social nossa.


O Brasil tem se caracterizado, dentre outras mazelas, por ser o país do “jeitinho”. Para alguns muitos, o tal “jeitinho brasileiro” simbolizaria uma espécie de “dom” verde e amarelo, associado inclusiveà capacidade criativa; quiçá seria um plus na nossa relação com o exterior, com outros povos. É a interpretação, por exemplo, de De Paula, brasileiro executivo na Nasa, em Washington. O lírico João Bosco tem canção com título “Jeitinho Brasileiro” que caminha no mesmo sentido.


O que as interpretações anteriores não percebem é o aterrador caldo de cultura que esse espectro corrente do jeitinho engendra.


Corrupção, transgressão, desigualdades, desrespeito, falsificação, obscenidade, preconceito, dominação, trapaça, logro, dissimulação, simulacro. É factível e de não muito esforço produzir-se arrazoado, relacionando estreita e umbilicalmente o jeitinho brasileiro com cada um dos conteúdos negativos apontados por aqueles conceitos acima citados – visto que não são somente conceitos, mas realidades sociais do nosso quotidiano.


A revolução francesa inaugura o fim dos privilégios, inicializa a universalização dos direitos, firmando-nos a derrocada da relatividade diante da lei. A igualdade de direitos, nascendo como valor central na inter-relação, configura o binômio normas versus cidadãos. O jeitinho faz ruir todo esse constructo idealizado.


Os impostos serão pagos apenas pelos que são “otários”; o gabarito do concurso estará nas mãos dos amigos; o assassino rico que atropela e mata ´sai ileso´; as licitações são vencidas aprioristicamente (antes de sua realização!); o latifúndio campeia e mata impunemente; o parlamentar garante sua reeleição, independentemente da honradez das promessas públicas; o juiz faz fortunas; poderes executivos aprovam projetos nos quais se nega o conceito de Nação .


É este, pois, o jeitinho que explica também as mortes em Santa Maria. Não pode ser outro o motivador da coexistência de tantos erros legalmente chancelados pelos poderes públicos, ou pelo menos assistidos e assimilados.


Exalte-se em verdade o jeitinho/jeitão, que para Francisco de Oliveira avizinha-se mesmo do caráter brasileiro,hipertrofia-se facilmente pela existência de outra marca patente da nossa sociabilização - a impunidade. Ora, mas não se foca aqui apenas a impunidade perpetrada pelos poderes constituídos, visto não se fazer possível a ação continuada desses poderes, sem o beneplácido transgressor de imensas parcelas integradoras de todas as classes sociais – sem a veia e o liame da conivência da comunidade nacional, ou de sua ampla maioria.


A máxima “só preto e pobre vai para a cadeia no Brasil” talvez seja uma quimera, do ponto de vista qualitativo. Este país com brutal número de pobres e pretos expressa nos cárceres essa realidade. O que se tenta dizer é que do ponto de vista relativo, existe um sem número de pobres e pretos delinquentes soltos, da mesma forma que existem soltos ricos e brancos meliantes. Apesar dos motivadores e dos quantitativos diferentes, não é avaliação estapafúrdia afirmar que por aqui “ninguém” vai preso.


Em síntese,o famigerado jeitinho brasileiro, concorde com a impunidade, faz da realidade brasileira um cenário aterrador, ainda que comparado com outras nações tropicais.


Secas, deslizamentos, incêndios, acidentes ambientais e de trabalho, violência e preconceitos de variadas ordens contra mulheres, homossexuais e outras minorias permanecerão incólumes, enquanto grandes contingentes da população brasileira continuar se indignando apenas contra as derrotas vistas no interior das quatro linhas.


O escarcel de atitudes e de fatos sociais aqui objeto do nosso comentários não é precisamente de ordem institucional, legal, corporativa. É fundamentalmente cultural, by self. O mesmo olhar que se “indigna”com os crimes dos poderosos denunciados pela mídia, precisa levantar-se contra si próprio, contra o amigo que claudica, o irmão que corrompe, bem como contra o companheiro/autoridade que se omite ou prevarica.


*Frederico L. Romão - Dr. em Ciências Sociais/Unicamp, Prof. voluntário do Departamento de Serviço Social/UFS - fredericoromao@uol.com.br



Atualizado em: Seg, 11 de março de 2013, 06:46
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