Saulo Henrique Souza Silva
Existe uma preocupação cíclica da população aracajuana que retorna todo início de ano. Trata-se do aumento da tarifa do transporte coletivo. Dessa vez, o valor aprovado pela Câmera de Vereadores, após idas e vindas da empreitada pela Prefeitura, a Câmara e o Tribunal de Justiça, elevou o preço da passagem de R$ 2,25 para R$ 2,45, o que equivale a 8,88% de aumento. Só faltava a assinatura do prefeito João Alves Filho para que o projeto fosse sancionado e, consequentemente, agradar aos empresários e desagradar à população. Se colocarmos na balança o valor da passagem de um lado e a estrutura oferecida pelo sistema de transporte público do outro, veremos o tamanho da disparidade, pagar-se-á bastante por muito pouco oferecido. Por conseguinte, não podemos deixar de deduzir que essa tarifa de R$ 2,45 deve ser considerada antiética e abusiva.
Para não cometermos o erro da superficialidade em assunto tão importante, é necessário deixarmos claro que o termo ética (do grego ἠθικἁ) possui duas acepções distintas, porém complementares. Por um lado, a ética pode ser compreendida como a ciência que investiga o móvel da conduta humana, os costumes (algo que os latinos denominavam de mores). Sobre isso, o filósofo holandês Benedictus de Spinoza, na terceira parte de sua Ética, defende que essa investigação tem por objetivo tratar da “(...) natureza e da força da afeções (...) das ações e dos apetites humanos” (2007, parte III). Seguindo essa orientação, podemos constatar que existe certo tipo de costume nas ações das pessoas que estão no comando das responsabilidades do transporte coletivo em Aracaju haja vista que os aumentos incidem, os problemas continuam os mesmo, e nunca se discute com seriedade as soluções e as possibilidades para melhorar efetivamente a mobilidade urbana. Isso impera com a força de uma norma porque faz parte dos mores de nossos governantes como um conjunto de prescrições admitidas e seguidas em um determinado contexto, em razão disso, as emergências que surgem são remendadas de improviso ou atenuadas com simples medidas paliativas. Se encerrássemos o entendimento da ética nessa qualificação, não haveria necessariamente problemas de ordem valorativa da ação, faz parte da orientação moral dos nossos governantes, são comportamentos que podem ser descritos. Entretanto, não se deve entender a ética somente como uma ciência descritiva, ela também é, fundamentalmente, prescritiva, ou seja, toma como objeto os julgamentos humanos classificando-os como bons ou maus, definindo quais ações efetivamente podem ser qualificadas com o valor da virtude moral.
Por essa razão, o próprio Spinoza, na última parte da obra supracitada, pretende demonstrar quais os poderes nossa mente tem para “(...) refrear e regular os afetos”, pois assim ver-se-á o quanto o “sábio é mais potente que o ignorante” (Ibidem, Parte V, prefácio). Dessa forma, ao tomarmos os costumes de nossos governantes sobre o ponto de vista prescritivo podemos classificá-los como antiéticos e reprováveis porque refletem pontos negativos referentes à política municipal para o transporte público que marcou consideravelmente a gestão de Marcelo Déda, prolongou-se pela administração do prefeito Edvaldo Nogueira e, como se percebe, continuará com João Alves Filho a atormentar a vida dos usuários, em sua maioria, trabalhadores e estudantes. Ou seja, o problema do transporte público em Aracaju é antigo, falta vontade política de resolvê-lo, sobretudo, quando a proposta do aumento da tarifa deixa de lado a discussão mais séria que deve envolver toda a sociedade e que versa sobre como a população avalia o transporte e como ele deve ser melhorado. É antiético sancionar um aumento dessa natureza e deixar de lado essas questões, assim não se faz política, mas negócio. Aprofundemos então essa qualificação valorativa de nossos governantes.
Em primeiro lugar, o aumento é antiético não efetivamente pelo valor cobrado, mas pelas reais condições do sistema de transporte público da cidade que são péssimas e deficientes de quaisquer estruturas para atender de forma digna o cidadão. Os ônibus, em sua maioria, desculpem-me leitor pelos termos chulos, são latas velhas sobre rodas evacuando poluentes pelo escapamento, quando chove molha quem está dentro, quando faz sol permanecer no ônibus é um problema! Além disso, esses veículos também possuem a rotina de atrasarem sempre, porque a frota não suficiente e nem existe rigor nos horários dos mesmos para servir adequadamente aos usuários, sobretudo, aqueles que possuem dificuldades de locomoção: o debate sobre a acessibilidade é urgente e deve estar incluso na pauta de discussão sobre as melhorias do sistema de transporte público. Aliado a tudo isso, falta capacitação adequada aos funcionários das empresas, dos motoristas e cobradores até as pessoas que trabalham nos terminais da cidade. Terminais esses que, além de mal sinalizados, com os banheiros imundos, e sem um número suficiente de agentes para auxiliar o usuário sobre possíveis dúvidas, padecem com assaltos e arrastões, tamanha a falta de segurança e descaso do poder público. Esses fatores depreciativos acarretam transtornos infindáveis para a população como: a superlotação, o incômodo de esperar dezenas de minutos em (des) abrigos espalhados pela cidade, a sensação de insegurança, o desrespeito corriqueiro vivenciado pelos usuários, entre outros inconvenientes. Tais fatores negativos nunca foram resolvidos pelos governos que se alternam no controle do poder executivo municipal de maneira circular. Entretanto, os aumentos na tarifa são frequentes, mesmo contrariando a opinião do povo que os elegeram como representantes. Em casos dessa natureza, nossos governantes parecem seguir a máxima do tirano Creonte da Antígona de Sófocles para quem a cidade “pertence a quem governa” (2010, p. 56), mesmo que a lei a ser erigida seja demasiadamente injustiça.
Em segundo lugar, os benefícios e as modernizações do sistema parecem ser levados a cabo para agradar aos donos das empresas, aos empresários que controlam o transporte público da cidade, ao invés do povo, que é quem, de fato, mereceria a atenção do poder governamental. Afinal, cadê a tão famosa licitação de ônibus novos, propagandeada por diversos governos? Cadê os veículos com ar-condicionado? Cadê a regularização dos horários, o maior número de oferta de linhas? Cadê, enfim, senhor prefeito e vereadores, o termino das superlotações que tanto desagrada à população? Como todos sabem, essas medidas tão desejadas pelos cidadãos não serão implementadas pelos gestores municipais em curto prazo. Não há vontade política para tanto! Por sua vez, na última eleição municipal (2012), o debate a respeito do VLT (Valadares Filho) e BRT (João Alves) deu a linha de muitos dias de discussão nos programas eleitorais dos candidatos mais cotados para assumirem a Prefeitura de Aracaju. Ao final das eleições, ninguém mais fala de VLT e BRT, e a discussão séria sobre a mobilidade urbana que vem sendo propagada pelos militantes do movimento Não Pago continua a ser velada pela grande mídia sergipana que assume o papel ideológico de determinar as ideias necessárias à manutenção das relações sociais existentes. No entanto, esses grupos políticos que sempre estiveram à frente do governo municipal continuarão a enfatizar que as coisas estão melhorando, que medidas estão sendo pensadas... Sobre isso, tomando emprestada as palavras de Karl Marx na Ideologia alemã, a categoria empresarial repete sem cessar “(...) com a mais cândida ingenuidade suas velhas e pretensiosas fraseologias (...) reunamos, então, palavra por palavra, as peças documentais” (2007, p. 25-6) e veremos o que efetivamente a população ganha com todas essas fraseologias de políticos interessados e empresários gananciosos. A resposta é simples: 8,88% de aumento na tarifa.
No entanto, a modernização do transporte público, em partes, foi efetivada pelo município, porém, ela agrada muito mais aos empresários de que aos usuários. Digo isso em respeito à implantação da bilhetagem eletrônica lançada no ano de 2007 com um custo de aproximadamente R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) conforme o prefeito Edvaldo Nogueira anunciou à imprensa aracajuana em 13 de junho de 2007 (basta consultar os jornais e matérias na internet desse período). Todo esse dinheiro gasto visou modernizar o sistema, mas também acabar com os tão indesejados cambistas que negociavam tickets de passagem a um preço mais barato que o valor oficial. Porém, por que não gastar 6.000.000, 00 para melhorar a estrutura de algo que afeta mais a população, ao invés de empregar para acabar com os cambistas? Se ao menos a bilhetagem eletrônica fosse implementada junto com a concepção de integração temporal, na qual o usuário pode trocar de ônibus fora de um terminal sem pagar nova passagem. Mas, essa media que certamente agradaria à população e complementaria o sistema de integração espacial adotado em Aracaju foi simplesmente deixada de lado, afinal ela não agrada aos empresários, e os políticos, ao que parece, seguem a cartilha deles, não é à toa o poder e as atribuições de fiscalização concedidas ao SETRANSP em detrimento da SMTT de Aracaju que seria o órgão mais apropriado para esse tipo de atividade.
Com feito, muito tem que ser discutido e realizado sobre o problema do transporte público na cidade de Aracaju, sobretudo, porque a cada dia mais veículos particulares competem por espaço nas vias estreitas da cidade, dividindo-as com os ônibus que não possuem faixas exclusivas para deslocamento. O aprofundamento dessa situação tem tornado o trânsito de Aracaju em um verdadeiro pandemônio. Por conseguinte, é necessário que a sociedade civil se organize e reivindique aquilo que nos discursos pomposos os políticos sempre estão a afirmar de si mesmos e a negar dos adversários, em poucas palavras, é preciso que cobremos uma verdadeira postura ética frente aos problemas que afetam a comunidade, nesse caso é necessário uma postura ética frente ao problema do transporte público. Fiquemos de atalaia!
* Professor de Filosofia do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (CODAP-UFS), Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFBA.