A UFS poderá coletar informações básicas sobre a(s) visita(s) realizada(s) para aprimorar a experiência de navegação dos visitantes deste site,
segundo o que estabelece a Política de Privacidade de Dados Pessoais.
Ao utilizar este site, você concorda com a coleta e tratamento de seus dados pessoais
por meio de formulários e cookies.
Rodovias escondem exploração sexualProfessor Elder Cerqueira, do Departamento de PsicologiaMotivos da escolha da parceira sexual (Tabela da pesquisa do professor Elder CerParceira sexual quando estão na estrada (Tabela da pesquisa do professor Elder C
Rodovias escondem exploração sexual de crianças e adolescentes
A mercantilização do corpo de crianças e adolescentes tem comumente sido analisada sob as razões que levam meninas e meninos a serem prostituídos e os possíveis danos que essa forma de violência pode ocasionar a suas vítimas. Pouco se discute sobre os motivos pelos quais os homens se envolvem sexualmente com adolescentes e até mesmo com crianças. Entender esse protagonista do comércio sexual é a proposta do estudo desenvolvido pelo Departamento de Psicologia da UFS (DPS), que traça um perfil dos caminhoneiros para compreender de forma mais ampla a exploração sexual nas estradas brasileiras.
“O objetivo principal da pesquisa era saber a visão dos caminhoneiros sobre o comércio do sexo, entender como eles lidam com a situação, e qual é o nível de envolvimento (ou não) com a exploração sexual de crianças e adolescentes. A partir dessa perspectiva, saber o nível de informação sobre o assunto”, diz o professor Elder Cerqueira, coordenador do estudo.
De acordo com o pesquisador, foi constatada muita desinformação e uma visão muito simplista do que acontece nas estradas. “Os homens envolvidos com o problema não o percebem como algo errado porque naturalizam e banalizam o sexo, e dificilmente compreendem sua própria responsabilidade na situação”, explica. Quando questionados sobre as razões que levam crianças e adolescentes a se envolver com a exploração sexual, quase 20% dos entrevistados responderam “porque eles [crianças e adolescentes] gostam de sexo, têm prazer”.
A noção de infância e adolescência é um dos fatores mais delicados que envolvem o problema. Os entrevistados, em sua maioria, compreendem essas etapas do ciclo vital a partir de questões biológicas (como perda da virgindade) e não como questões legais. Segundo Elder, alguns caminhoneiros não souberam identificar até que idade corresponde a infância, por exemplo. “Essa ideia de dividir a infância e adolescência a partir de critérios legais estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para o senso comum ainda é muito recente e, por incrível que pareça, para essa população ainda é pouco conhecida”.
O envolvimento com sexo pago com outras camadas da sociedade também é apresentado como um dos fatores que levam a relação sexual com menores de 18 anos. Em termos estatísticos existe uma relação próxima entre homens que já se envolveram com a prostituição e um possível envolvimento com a exploração sexual de crianças e adolescentes – 35,4% dos entrevistados que relataram envolvimento com exploração sexual de criança e adolescente já haviam saído com prostitutas.
Além disso, têm-se condicionantes como a rotina de trabalho (os profissionais passam muitos dias longe de casa e da família), o anonimato, o instinto masculino (descrito como necessidade que o homem tem de fazer sexo) e a oferta fácil. Quase 90% dos entrevistados afirmaram que é comum ver meninos e meninas envolvidos com a exploração sexual.
A pesquisa anterior
As principais contribuições de estudos como estes estão relacionadas com projetos de intervenção na tentativa de alterar a realidade. Segundo Ítalo Souza, graduando de Psicologia da UFS e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidade Humana (Sexus), “o maior benefício de uma pesquisa sobre um tema que ainda resvala em tabu é o fornecimento de dados atualizados para o bom desenvolvimento dos projetos de intervenção”.
Partindo dessa premissa, o programa “Na mão certa” é um dos frutos dessa intervenção. O projeto de iniciativa da Childhood, fundação da Suécia com escritório no Brasil, foi estruturado a partir dos dados obtidos com a pesquisa anterior, realizada em 2005 (saiba mais na coluna da direita). O grande objetivo do projeto é educar os caminhoneiros para prevenir o envolvimento deles com a exploração sexual através de parcerias com as empresas de transportes. As empresas que aderem à iniciativa recebem materiais informativos, como cartilhas, panfletos, apresentações em vídeo, e têm a responsabilidade de implementar o programa.
Mas nem todos os caminhoneiros brasileiros estão vinculados à empresa de transporte. Pensando nesse aspecto, o programa também tenta alcançá-los através de parcerias com empresas responsáveis pela cobrança dos pedágios nas rodovias, por exemplo. Essas empresas se comprometem a distribuir panfletos e divulgar o número do disque-denúncia em outdoors.
O programa de rádio “Globo estrada na mão certa” é mais um projeto de intervenção com apoio da Rádio Globo. O programa acontece todas as quintas-feiras às 15 horas e tem como pauta temas relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes. O professor Elder Cerqueira participa como voluntário. “Me apresento como professor de Psicologia da UFS e falo por aproximadamente 15 minutos. Por se tratar de um tema delicado procuro passar as informações de forma homeopática”, relata.
A pesquisa atual
Intitulada “Sexo nas estradas: um estudo com caminhoneiros brasileiros”, a pesquisa realizou entrevistas individuais com 343 caminhoneiros, sendo 275 escolhidos aleatoriamente e 68 pertencentes a grupo de controle formado por motoristas de empresas vinculadas ao programa “Na mão certa”.
Os caminhoneiros foram apontados, de acordo com os depoimentos da CPI da Pedofilia em 1993, como um dos principais personagens envolvidos na exploração sexual de crianças e adolescentes. As informações da CPI também serviram de base para a escolha das cidades pesquisadas, a partir dos levantamentos realizados com o apoio da Polícia Rodoviária Federal e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Tendo em vista essas regiões, o estudo foi realizado nas rodovias federais de Porto Alegre, Itajaí (SC), Cubatão e Santos (SP), Belém, Natal e Aracaju. A concretização de uma amostragem em âmbito nacional foi possível a partir das parcerias com as universidades federais do Rio Grande do Sul, Pará e do Rio Grande do Norte.
“A exploração sexual não é só um problema de polícia e não deve ser tratada apenas como uma questão policial. Envolve educação, assistência social e interesses por trás que podem ser de toda ordem: do agenciador, dos donos dos postos de gasolina e da própria família. Quando uma criança ou adolescente encontra-se na situação de exploração, muita coisa falhou”, conclui o professor Elder Cerqueira.
Dados anteriores
A primeira versão da pesquisa que pretendia compreender a exploração sexual de crianças e adolescentes sob a lógica do perpetuador foi realizada em 2005 e serviu de base para o programa “Na mão certa”, projeto de educação do caminhoneiro para prevenir o envolvimento com exploração sexual. “Quando a gente fez a primeira revisão de literatura, em 2005, não existia base de dados acadêmicos científicos nem literatura em português que abordasse essa temática”, diz o professor Elder Cerqueira.
De acordo com o pesquisador, o levantamento realizado na época foi bem desenhado e a repercussão foi bastante positiva. “A pesquisa foi noticiada em mais de 70 países e também foi muito bem aceita no meio acadêmico”.
Mas, com o passar dos anos, a realidade brasileira sofreu alterações de modo que os dados apresentados no estudo ficaram defasados. Cinco anos depois, em 2010, os pesquisadores resolveram realizar uma reedição da pesquisa para atualizar e comparar os dados, além da necessidade de avaliar os resultados do projeto de intervenção – programa “Na mão certa”.
As diferenças são notórias: os entrevistados se mostraram mais familiarizados com órgãos de proteção às crianças e adolescentes e compreenderam melhor as questões que envolvem a exploração sexual. Em 2010, 56,2% dos caminhoneiros afirmaram conhecer o disque-denúncia contra a exploração sexual de criança e adolescente enquanto na primeira versão (em 2005) esse número representava pouco mais de 33%.
“Os caminhoneiros que passaram pelo programa de intervenção percebem que a exploração é um crime, entendem o erro. Em seu discurso sobre o assunto falam de questões éticas e morais enquanto que, há cinco anos, eles até podiam perceber a exploração como algo ilegal, mas dificilmente enxergam o homem como um dos responsáveis pelo comércio do sexo”, conclui.