Seg, 07 de março de 2016, 06:24

Corrupção, antirrepublicanismo e desesperança no sistema político brasileiro
Corrupção, antirrepublicanismo e desesperança no sistema político brasileiro

Saulo H. S. Silva

Quando pensamos em política e falamos de corrupção, não devemos compreender apenas os desvios de dinheiro. O problema é muito mais grave! Na verdade, é como se houvesse um éthos da corrupção;em outras palavras, um costume social abjeto generalizado na sociedade. Se essa orientação está correta, os veículos de comunicação sempre serão utilizados como aparelhos ideológicos promotores da parcialidade. O sistema econômico e o sistema financeiro também farão parte dessa prática degenerada ao compreender a política como um grande negócio, no qual devem fazer apostas bem precisas para continuar obtendo lucros e dividendos. Sendo um éthos generalizado, é obvio que a política estará afundada em relações dessa natureza porque este é o caráter da coisa. Ora, em um cenário dessa natureza, onde os valores estão invertidos,a desesperança é inevitável e a luz no fim do túnel cada vez mais é ofuscada pelos sucessivos escândalos.

Infelizmente, o Partido dos Trabalhadores (PT) não tentou mudar esse éthos, apesar de ter defendido a virtude moral (êthos) na política por tanto tempo. São razões inexoráveis que têm possibilitado essa conclusão. Pessoas de caráter ignóbil foram alçadas ao alto escalão do partido, como o próprio sicofanta Delcídio do Amaral, ex-líder do PT no Senado. Além disso, foram realizados acordos horrendos com gente da estirpe de Paulo Maluf e Fernando Collor. O partido se rendeu ao sistema político e empresarial brasileiro, o mesmo que por tanto tempo perseguiu o próprio Lula e o PT. Suponho que, nesse enredo todo, a cúpula dos governos petistas acreditou piamente que poderia continuar no poder prestando favores aos grandes e acenando ao povo para torná-lo cada vez mais pacífico. O povo quer muito pouco, basta não oprimi-los e eles sempre manterão uma grande fidelidade, mas os grandes .... Esses são difíceis.Pois, mesmo com todas as concessões feitas pelo PT ao grande sistema, — não esqueçam que enquanto os salários dos trabalhadores são achatados por impostos e inflação, os banqueiros vêm tendo recordes de arrecadação — os grandes desejam oprimir o povo e nunca engoliram o governo de acenos do PT.Como Maquiavel já dizia, "não se pode satisfazer honestamente aos grandes [...]". Dessa forma, enquanto a desprezível política de conciliação de classes estava sendo implementada a todo vapor, os trabalhadores em geral esperavam mais do PT. Ao menos uma tentativa de mudança verdadeira nas estruturas do poder. No entanto, ficaram as migalhas das bolsas sociais e do maior acesso à universidade, entre outras coisas que,mesmo importantes, são inúteis para provocar as verdadeiras transformações.

Se não bastasse esse envolvimento do Partido dos Trabalhadores com aquele sistema deplorável, sempre combatido pelo próprio partido antes de assumir o governo federal, o que chamou a atenção nas reações dos defensores de Lula e do governo fora a ênfase emum argumento antirrepublicano.Intelectuais, artistas e gente menos conhecida desenvolveram uma espécie de republicanismo seletivo inaceitável, cuja premissa basilar era a de que um ex-presidente não deveria ser tratado daquela maneira desrespeitosa. Ou seja, um ex-presidente é mais cidadão que um cidadão que não foi presidente. Assim, está aberto o precedente para o estabelecimento de distinções sociais fundamentadas na importância do cargo ocupado. Nada mais antirrepublicano que a defesa de uma república seletiva. Para as diversas pessoas que argumentaram dessa maneira, é preciso esclarecer que os ditos direitos civis dos brasileiros já foram esquecidos há muito tempo. Diria mais, eles nunca existiram para a grande parcela da população. Perguntem ao povo pobre das periferias do Brasil! Quando a característica basilar de um regime efetivamente republicano corresponde à igualdade de todos perante a lei, a maneira como a condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal foi combatida constituiu-se em uma verdadeira hipocrisia. Precisamente, é essa espécie de ideologia fraudulenta que tem aumentado a desesperança do cidadão com os ventos que têm conduzido o país.

Por fim, é evidente que existe uma parcialidade na justiça brasileira quando o assunto envolve a corrupção política. Está claro que outros casos igualmente graves não têm a mesma atenção da justiça e da mídia, como ocorre quando os desmandos são cometidos por gente ligada ao Partido dos Trabalhadores. Talvez por isso, tenho visto tanta declaração contra a mídia e a oposição política golpista. Muita gente bem intencionada tem compreendido nesse imbróglio a repetição da história. De fato, é possível que a história esteja a se repetir. Mas, para que não retornemos de maneira indefinida,se faz necessário solapar as bases desse círculo histórico abjeto. E foi justamente isso que os governos capitaneados pelo PT nunca tentaram fazer.

*Doutor em Filosofia Política, Pós-doutorando em Filosofia pela USP. Professor do Colégio de Aplicação da UFS. Em 2014 lançou o livro Tolerância civil e religiosa em John Locke (EDUFS).


Atualizado em: Qui, 18 de agosto de 2016, 14:56
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