Sex, 23 de setembro de 2011, 14:19

Arborização Urbana e Qualidade de Vida
Arborização Urbana e Qualidade de Vida

Myrna Landim


06/10/2009


A proximidade do dia da árvore é um bom pretexto para refletirmos sobre questões ligadas à arborização urbana em nossas cidades. Observa-se, em geral, uma tendência a uma certa “monocultura” de espécies arbóreas em nossas calçadas e quintais, tendência esta ligada mais às espécies da “moda”, no momento em que estas árvores são plantadas, do que à características básicas das mesmas, como a sua adequação ao nosso clima, velocidade de crescimento e capacidade de sombreamento, dentre outras. Assim, observam-se, com poucas e honrosas exceções, inúmeros exemplares de poucas espécies, como os vários pés de “Oitis”, de duas leguminosas, a “Cássia Azul” e a “Mata-Fome”, e, mais recentemente, a invasão de “Fícus”, em várias cidades do estado.



Na verdade, por coerência, deveríamos priorizar espécies da nossa flora nativa, mais adaptadas às condições de solo e clima locais, mas, infelizmente, muitas vezes desconhecidas dos moradores das cidades. Quem de nós já viu um pé de pau-brasil? Quem conhece uma sucupira ou quem sabe distinguir uma biriba de uma sapucaia?

Essa “monocultura arbórea” não é um problema somente por sua monotonia visual. Na verdade, essa falta de diversidade torna as muitas árvores plantadas, mas pertencentes à um reduzido número de espécies, mais vulneráveis ao ataque de herbívoros. Isso porque, com o aumento da oferta de alimento (as folhas dessas árvores, por exemplo), esses herbívoros multiplicam-se, tornando-se “pragas”. A conclusão a que se chega é que a diversidade é positiva e desejável, seja em ecossistemas naturais, seja nos ecossistemas urbanos.

Além disso, frutos das espécies de árvores plantadas nas ruas de nossas cidades servem de alimento para várias espécies animais, como os pássaros, por exemplo. Uma maior variedade de espécies de árvores significa, também, uma maior variedade de fontes de alimento para espécies animais. Convém não esquecer que os frutos dessas árvores podem ser utilizados por diversas espécies de animais, incluindo a nossa. Nesse sentido, a iniciativa de plantar cajueiros e mangueiras, dentre outras espécies frutíferas, como, por exemplo, ocorre em algumas ruas e avenidas de Aracaju, é louvável e deve ser estimulada.

Mas um importante aspecto a se considerar quando se trata de arborização urbana é o planejamento. Onde plantar? É necessário pensar na necessidade de espaço, não só para a pequena muda que é transplantada para nossas calçadas, mas também para a árvore em que esta se transformará, se forem dadas a ela as condições ideais para isso.
A necessidade de espaço no chão é importante, porque a planta precisa de espaço para o desenvolvimento de suas raízes. Com as calçadas muitas vezes completamente cimentadas, pouca água pode chegar às suas raízes, gerando o crescimento exagerado das mesmas na superfície, em busca de água, muitas vezes danificando as calçadas. Se observarmos com atenção, verificaremos que o espaço livre deixado em torno da planta é, muitas vezes, insuficiente para manter o suprimento de água para suas raízes. Reclama-se, assim, das árvores que destroem as calçadas, mas na verdade, deveríamos reclamar de quem as plantou em local ou de forma inadequados...

Além disso, em áreas urbanas é necessário considerar, também, o espaço acima do solo, o qual será ocupado pela copa da futura árvore. Nesse sentido, é essencial olhar para cima e verificar a existência de fios elétricos, que poderão ser danificados com o crescimento dessa planta, causando graves problemas. Talvez por esse motivo, observe-se, freqüentemente, a prática de uma poda um pouco exagerada na arborização pública de nossas cidades, poda esta que impede o pleno desenvolvimento das árvores. Temos, assim, inúmeros casos em que as copas das árvores são constantemente e, por vezes, quase que completamente podadas, não permitindo o estabelecimento de uma copa que possibilite um efetivo sombreamento do solo, um dos motivos pelos quais essa árvore foi plantada.

De fato, a importância da arborização urbana vai além de uma simples questão “estética” ou da importância da oferta de alimento para os pássaros em nossas cidades. Essa cobertura vegetal, através do sombreamento, ajuda a produzir um clima local (microclima) por vezes consideravelmente mais ameno do que o clima da região. Quem de nós prefere ficar sob ou sol do meio dia, especialmente no verão, ou sob a sombra fresca de uma árvore com uma copa viçosa?

No entanto, o “desenvolvimento” das nossas cidades traz consigo a substituição das casas. e dos quintais da infância de alguns de nós, por prédios. Isto não é somente uma mudança na paisagem da cidade. Este fato representa, também, importantes alterações nos padrões de circulação das massas de ar, podendo levar a possíveis mudanças no seu microclima, e no sistema de drenagem local.

Pressupondo-se que o terreno de duas casas seja usado para construir um prédio (uma estimativa conservadora, já que muitos dos novos prédios utilizam a área de mais de duas casas), e que no quintal de cada uma dessas casas exista pelo menos uma árvore, a cada prédio construído estamos reduzindo drasticamente o número de árvores de nossas cidades. Segundo o modelo acima, no lugar de 10 prédios, teríamos menos 20 árvores em uma cidade! (Em defesa dos prédios e condomínios, pode-se argumentar que alguns deles têm até árvores em seus jardins, mas esses são, infelizmente, minoria...)

Mas, não somente o número de árvores nas cidades vem diminuindo, ao eliminarmos as casas com quintais. Hoje, estes vêm sendo substituídos por “play-grounds” (até o nome é estrangeiro!), devidamente cimentados... Assim, a área verde das cidades, como um todo, também vem diminuindo. Essas áreas são importantes, dentre outros motivos, porque permitem que a água da chuva penetre no solo, alimentando o lençol freático, e evitando que esta água se acumule sobre a área coberta por materiais impermeáveis.

Na verdade, é justamente o grande percentual de cobertura do solo das cidades por este tipo de material, como o asfalto e cimento, a causa de problemas freqüentes em épocas de chuvas, como as enchentes. Principalmente, em épocas de chuva e de “marés grandes”, como as de março, é comum percebermos o dano causado pelos alagamentos em vários pontos das cidades litorâneas, como Aracaju.

Além da diminuição das árvores nos quintais das casas de nossas cidades, e a necessidade de mais árvores nas suas ruas e praças, é notória a falta de áreas verdes públicas em nossas cidades. A preocupação com a arborização urbana e a criação e manutenção de áreas verdes em nossas cidades deve estar presente, portanto, em toda discussão sobre o seu plano diretor, o documento que deve normatizar a uso do solo em uma cidade.

Cabe ao poder público, e à sociedade organizada, a defesa dos interesses da coletividade contra o lucro fácil, advindo da liberação sem critério do máximo da área de nossas cidades para a construção civil, em detrimento de áreas destinadas a parques e praças. Reservar áreas para a conservação da natureza, mantendo a vegetação nativa, como em margens de rios, encostas de morros e remanescentes florestais, não é “perder” essas áreas, mas ganhar, com a manutenção dos lençóis d’água, evitar a erosão e o desabamento de encostas. Não menos importante, é, também, cumprir a lei...

Além disso, outras áreas devem ser reservadas para o usufruto direto da população. Parques e praças são importantes não somente pelos motivos acima expostos, mas também por serem agradáveis áreas de lazer. Na verdade, a criação de novas áreas verdes é necessária, em todas as cidades do estado, para garantir um clima mais ameno, para possibilitar a conservação do habitat de espécies nativas de nossas cidades e, também, para disponibilizar locais de descanso e lazer para a população, principalmente as mais carentes desses espaços. Quando lazer parece ter virado sinônimo de consumo, é conveniente lembrar que caminhar, sentar, conversar à sombra de árvores, admirar as flores e ouvir os pássaros, faz bem à alma, algo que nenhum ar condicionado de shopping center pode nos dar.

Em suma, podemos repetir os erros de planejamento de todas as grandes cidades do Brasil ou podemos buscar um caminho alternativo, buscar desenvolvimento e crescimento sustentáveis, sem perder em qualidade ambiental que é, também, qualidade de vida.


Currículo
Myrna Landim é professora do Departamento de Biologia/UFS e coordenadora do Núcleo de Ecossistemas Costeiros/UFS"


Atualizado em: Sex, 23 de setembro de 2011, 14:21
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