Saber Ciência / Marlécio Maknamara
08/06/2010
Uma repórter dá uma de etnógrafa em busca dos segredos de uma boa aula. A que conclusões ela chega? Que os bons professores são carismáticos, observadores, motivadores, dedicados, abnegados, vigilantes, versáteis, verdadeiros “pescadores de alunos”... Alguma semelhança com santidades narradas em evangelhos? Nenhuma! Pelo menos foi o que pretendeu mostrar uma matéria da revista Época (edição de 26/04/10). Nela, tudo se passa como se ensinar fosse a mais mundana e simples das atividades profissionais – “O Mistério” viria a ser revelado.
Contraditório diante dos atributos demandados à docência pela própria matéria? Sim, mas para amenizar estes e demais paradoxos são acionadas outras “autoridades em educação” a fim de dar ao texto ares de coerência e as tão aguardadas receitas da qualidade. Um economista “revela” que os 5% melhores professores (claro, os critérios utilizados para defini-los como tal não são mencionados) ensinam, em um ano letivo, o conteúdo de um ano e meio. Um livro que se propõe a ser um “guia do professor supereficiente” preconiza o ensino sustentado por seis pilares. Já o título de Lemov traz “49 técnicas que colocam os estudantes no rumo da universidade”, buscando mostrar como ensinar seria uma questão de segredo, de técnica, mas agora ao alcance de todos.
Não bastasse toda a aura de “panacéia” produzida em tal reportagem, é igualmente preocupante a possibilidade de que alguns docentes venham a prestigiar tais tipos de “pesquisas”. Infelizmente, num contexto em que se vêem e narram novos e velhos problemas educacionais, em que escolas e universidades são pensadas pela lógica da produtividade e da qualidade total, e no qual os docentes são convocados a agir como empresários de si mesmos, idéias como as da referida matéria têm grande chance de “pegar”, de fazer sentido, de ganhar status de “verdades”. Em contrapartida, todos os investimentos discursivos que estes textos realizam sobre o que seria o professor bom/mal, eficiente/ineficiente, ou teórico/prático, terminam não por revelar quem realmente esse professor é, mas por legitimar o que passa a contar em termos de excelência, eficiência e utilidade em se tratando de ensinar e de aprender. Desta forma, produz-se um professor pretensamente universalizável, tecnicamente infalível, “qualitativamente” inquestionável. Isso não pode ser bom.
Docente do Departamento de Biologia/UFS, doutorando em Educação e membro do GECC/UFMG.