Ter, 21 de setembro de 2021, 15:44

Os oitenta anos de Beatriz Góis Dantas
Eufrázia Cristina Menezes Santos

O dia 21 de setembro de 2021 entra para os anais da História Cultural de Sergipe como o dia em que saudamos e reverenciamos os oitenta anos de vida de Beatriz Góis Dantas, antropóloga, pesquisadora e professora emérita da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Nos dias que correm, em que muitos insistem em esquecer ou borrar as memórias, é preciso lembrar às novas gerações o legado daqueles que nos antecederam.

A professora Beatriz, como carinhosamente ficou conhecida no cenário intelectual sergipano, escreveu um dos capítulos mais importantes da história da antropologia em Sergipe por meio da docência, da pesquisa e da extensão universitária. O conjunto de suas ações, dentro e fora dos quadros da UFS, foi fundamental no processo de institucionalização dessa disciplina acadêmica na segunda metade do século XX. Desde 1968, a professora abraçou o plano acadêmico da recém-criada Universidade Federal de Sergipe e transformou-o em seu projeto de vida, fazendo do ensino e da pesquisa a sua forma de estar no mundo.

A carreira acadêmica, a princípio na Faculdade Católica de Filosofia (1966-1968) e em seguida na UFS (1968-1991), somou 29 anos de docência, no decorrer dos quais ensinou diversas disciplinas, tanto na graduação como na pós-graduação. A exemplo de outros antropólogos contemporâneos, optou por realizar pesquisa na sua própria sociedade, ciente de que não é o objeto de estudo, mas a abordagem que define o empreendimento antropológico. A professora Beatriz realizou trabalho de campo em 13 municípios sergipanos: Canindé de São Francisco, Poço Redondo, Porto da Folha, Santana do São Francisco, Pacatuba, Divina Pastora, Laranjeiras, Aracaju, São Cristóvão, Lagarto, Riachão do Dantas, Itabaianinha e Tomar de Geru. Mas, sem dúvida, a cidade de Laranjeiras constituiu seu principal locus de pesquisa, onde estudou, além das Taieiras, outras expressões culturais locais, o Lambe-Sujo (1969-1970), a Chegança (1972) e a Dança de São Gonçalo (1975).

Ao longo de sua trajetória, embora tenha se debruçado sobre uma grande variedade de temas (folclore, cultura popular, etnologia indígena, artesanato, patrimônio imaterial, religiões afro-brasileiras, festas populares), sua produção mais expressiva se concentrou em duas áreas de pesquisa consideradas clássicas na antropologia: etnologia indígena e religião. Uma análise do conjunto de sua obra nos leva a afirmar que, de modo geral, a professora Beatriz acompanhou as principais tendências da pesquisa antropológica no Brasil, sempre com a preocupação de estabelecer relações e contraposições entre o particular e o universal.

Ao lado de outros professores de sua geração, teve papel determinante na criação e estruturação dos primeiros programas de pós-graduação da UFS, contribuindo assim para a qualificação do seu quadro docente e para a formação de novos pesquisadores. Sublinho aqui a sua participação e empenho na implementação do projeto de criação do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (NPPCS) – embrião do atual Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Ao obter o título de Mestre em Antropologia em 1982, pela Universidade Estadual de Campinas, a professora Beatriz Góis Dantas tornou-se a primeira antropóloga com formação específica em nosso estado. Sua dissertação de mestrado teve como lastro uma pesquisa de campo exemplar junto ao terreiro de Santa Bárbara Virgem, em Laranjeiras, liderado por Mãe Bilina. A dissertação, publicada sob a forma de livro em 1988, com o título “ Vovó Nagô e Papai branco: usos e abusos da África no Brasil”, tornou-se um clássico das Ciências Sociais no âmbito dos estudos sobre as religiões afro-brasileiras. Em 2009, a Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, publicou a tradução inglesa da obra. A excelência de seus trabalhos acadêmicos, responsável pela inserção da UFS no cenário das Ciências Sociais brasileiras, fez-se presente nos principais fóruns de discussão da área. Sua expressiva produção bibliográfica, que alcança 141 trabalhos publicados entre 1967 e 2020, engloba a publicação de livros, participação em obras coletivas, artigos publicados em revistas especializadas e jornais, elaboração de catálogos e textos de exposição, folhetos, resenhas e publicação em resumos de anais.

O diálogo que a professora Beatriz estabeleceu entre a antropologia e a história se refletiu de maneira extremamente rica na escolha de temas, referenciais teóricos e metodológicos. Um dos aspectos mais importante dessa interface diz respeito ao conjunto de atividades desenvolvidas por ela relacionadas à preservação do patrimônio histórico e artístico; construção e preservação da memória de grupos e instituições sergipanas; levantamento e organização de fontes documentais. Do conjunto das inúmeras atividades de extensão na área cultural, destacaria, especialmente, sua participação na criação de dois dos maiores eventos culturais do nosso Estado, o Festival de Artes de São Cristóvão (1972) e o Encontro Cultural de Laranjeiras (1976). As ações como intelectual não ficaram circunscritas à sala de aula. Em diferentes momentos da sua vida acadêmica, ela foi convocada a atuar em setores administrativos e consultivos de caráter científico e cultural dentro e fora dos quadros institucionais da UFS.

Trabalho e paixão, razão e sensibilidade são as chaves sem as quais dificilmente poderíamos compreender a trajetória acadêmica da Professora Beatriz Góis Dantas. Sua importância para a UFS decorre não somente de sua produção intelectual mensurável em termos quantitativos, mas, sobretudo, do mérito acadêmico e da honra que lhe vêm associada, valores reconhecidos pelo Conselho Universitário, que lhe conferiu o título de Professora Emérita em 1996.

*Eufrázia Cristina Menezes Santos é professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS)