
Há 27 anos, o Quilombo Mocambo, localizado no município de Porto da Folha, no Alto Sertão Sergipano, foi certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. Para celebrar a conquista histórica, a comunidade organizou um dia festivo com participação da Universidade Federal de Sergipe na última segunda-feira, 27.
O convite para participação da UFS é fruto do acompanhamento realizado pelo Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane/UFS) com a população quilombola do Mocambo. O evento aconteceu no Colégio Estadual Quilombola 27 de maio.


Na mesa de abertura, o vice-reitor Rosalvo Ferreira ressaltou o esforço de unir pesquisa, ensino e extensão com foco não só no aluno, mas também em sair dos espaços puramente acadêmicos pra resolver problemas sociais.
“É uma representação muito forte da comunidade quilombola no estado e os nossos indicadores sociais são os mais precários, portanto a universidade tem um compromisso de mudar a realidade por meio de uma ação continuada e que integra, fundamentalmente, o que nós temos de conhecimento com o que recebemos dos saberes da comunidade. Essa troca é o oxigênio para tornar a sociedade mais humana e, sobretudo, pra que a universidade tenha vida longa também. A luta do povo quilombola nessa comunidade é referência e é fundamental que a UFS se faça presente porque é uma universidade inclusiva, integrada e comprometida com o desenvolvimento social de Sergipe”, afirma Rosalvo.

Desde 2022, o Cecane vem atuando junto ao Quilombo Mocambo. De acordo com a coordenadora do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar e professora do Departamento de Nutrição da UFS, Renata Siqueira, a relação com a comunidade começou pelo trabalho de fomento da agricultura familiar quilombola como fornecedora de gêneros alimentícios pra alimentação escolar.
“O Programa de Alimentação Escolar desde 2009, por meio da Lei 11.947, instituiu a compra obrigatória da agricultura familiar como maneira de trazer também um desenvolvimento local, então além da alimentação dos escolares no âmbito das escolas, buscou-se também a segurança alimentar e nutricional da população no entorno, mais especificamente do segmento da agricultura familiar. Dentro da legislação, aqueles agricultores provenientes de comunidades tradicionais, como os quilombolas, teriam prioridade no processo de seleção das chamadas públicas. Sergipe tem um número significativo de comunidades quilombolas e é por isso que a gente resolveu começar esse trabalho”, explica a coordenadora.

“Mocambo, especialmente, tem servido como um termômetro e um projeto-piloto de todas as ações que o Cecane desenvolve. Em primeiro lugar porque é a primeira comunidade quilombola reconhecida no estado, tanto que nós estamos aqui comemorando 27 anos de titulação e também porque tem a característica de ter uma escola tipicamente quilombola”, diz Renata.
A programação do evento contou com missa de celebração, apresentações culturais e almoço oferecido pelo quilombo. Entre as apresentações, houve samba de coco adulto e infantil e peça de teatro realizada pelo Grupo Teatral Resistência Quilombola, que contou a história de reconhecimento do Quilombo Mocambo.


Paulameires Acácio, líder da Associação da Comunidade de Remanescentes de Quilombo do Mocambo, agradeceu a parceria da universidade. “Nós estamos muito felizes porque hoje é dia de festa no quilombo. O Cecane é uma parceria que já vem trabalhando com a nossa escola em uma ação e esse ano vai ser ainda maior a atuação, então a palavra é gratidão”.

A coordenadora de Tecnologias Sociais e Ambientais da UFS, ligada à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, Tereza Raquel Sena, também prestigiou as comemorações. “É um momento único. A Universidade Federal de Sergipe, vai exatamente onde o povo está, então o aniversário Quilombo Mocambo é uma alegria pra nós. Vários projetos de extensão estão sendo desenvolvidos aqui e a gente quer exatamente isso: estar perto das pessoas, vê-las mais felizes, mudar a realidade e poder contribuir para que elas alcancem mais de trabalho, renda e saúde, ou seja, vida plena”.

Ações junto ao Quilombo Mocambo
Há cerca de dois anos, o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da UFS vem realizando atividades junto ao Quilombo Mocambo. Para além da capacitação para participação em chamadas públicas para venda de gêneros alimentícios e fortalecimento da segurança alimentar local, a equipe construiu uma horta no Colégio Estadual Quilombola 27 de maio, como forma de fomento à produção. A expectativa do Cecane é desenvolver outras ações ao longo do ano.

“Nós começamos ainda muito genuinamente, mas vamos desenvolver um trabalho de inventário da cultura alimentar e a análise da inclusão deles no cardápio da merenda escolar e também vamos desenvolver outras oficinas de capacitação para participação nas chamadas públicas porque a compra da agricultura familiar é distinta. Além disso, vamos fomentar a participação da comunidade quilombola nos Conselhos de Alimentação Escolar, porque o Programa Nacional de Alimentação Escolar possui na sua estrutura conselhos participativos que visam assegurar o protagonismo da sociedade civil em relação a gestão do programa. O intuito é justamente oportunizar que a sociedade civil possa fiscalizar se o programa está atendendo aos objetivos. É um jeito de a comunidade participar ativamente de um programa que foi criado em benefício dela”, diz Renata Siqueira.
A bióloga formada pela UFS, Danielle Santos, está em fase se contratação para ser mais uma colaboradora do Cecane. Ela participou do evento com a expectativa de já se aproximar do quilombo para, daqui a pouco, iniciar as assistências. “Eu, junto com mais duas professoras, vou prestar assistência técnica agrícola para as comunidades. Eu sei que aqui em Mocambo tem um trabalho já feito na escola, então com os alunos a gente vai trazer um pouco do conhecimento mais prático para eles poderem produzir um alimento que seja da perspectiva da agroecologia, mais saudável”.

Mas as ações não ficam somente no âmbito da nutrição. A convite do Cecane, o Departamento de Comunicação Social da UFS também vai contribuir com o quilombo.

“Junto com o Cecane nós iniciamos uma atividade de produção de conteúdo midiático com a comunidade, principalmente alunos do Colégio 27 de maio, em várias linguagens, dentro do recorte da segurança alimentar e nutricional. Eu e os professores Mário César Oliveira e Claudomilson Braga faremos várias oficinas ao longo do ano, em parceria com o INCT de combate à fome, que é coordenado pela Fundação de Saúde Pública de São Paulo. A ideia é que Mocambo seja um protótipo para os demais quilombos, não como um modelo engessado, mas como referência mantendo o protagonismo da comunidade, mantendo a ênfase nos estudantes. Para entender como a gente aproxima o conhecimento acadêmico do senso comum, então a comunicação entra na construção simbólica do que é a alimentação adequada”, explica a professora Patrícia Horta.
Letícia Nery - Ascom UFS