Ter, 08 de outubro de 2019, 09:30

Mais um José
Maria Zuleica Rolemberg Silva/Fábio Alessandro Rolemberg Silva

Nasceu na Bahia, em Belém do Pará, no Sul, no Sudeste, mais um dos inúmeros Josés. Vida boa, no barraco ou atoa, lá vem mais um para esta vida sofrida, achada ou perdida, lá vem o José.

Conheci no Sertão um deles, talvez o mais “mal nascido”, pois, além das mais variadas “fartas” também lhe faltava água, o bem mais precioso para todos os seres.

José foi crescendo procurando entender porque nesta vida tem tantos porquês? Porque eu nasci? E porque aqui? Porque eu sou homem e não bem ti vi? E José foi crescendo querendo saber. Será que um dia ele teria tantas respostas para tantos porquês?

Nas conversas com José, o pai lhe dizia como a vaca crescia. A lua hoje está de fora não dá para cortar a sucupira que vamos usar para ajeitar a cumieira. Para José tudo era pergunta, porque não plantar a qualquer tempo e em qualquer lugar? Porque quantas vezes o solo está pobre e precisa adubar?

Um certo dia José “arrilhou”, no caminho da roça ele parou, pensou e voltou. Chegando em casa, muito destemido, zangado até, a mãe perguntou: mãe, o que devo dizer para encontrar a resposta de tantos porquês?

Tem resposta mãe? Porque o sol nasce de um lado e a lua também? Porque as estrelas só aparecem a noite? Porque “troveja”? Porque relampeja? Onde está o homem que o radio fala e não o vejo? Porque o tanque seca? Acabaram as pastagens e em plena seca o mandacaru floresce. Tem resposta mãe?

A mãe, muito aflita vendo a agonia do seu filho, respondeu: tem meu filho. José não parava e logo retrucou: então me diga o que eu quero saber. A mãe, tentando tranquilizar o filho, mas também nervosa com tantas perguntas falou: infelizmente, meu filho, eu não tenho resposta para matar toda a sua curiosidade. E José não parava: e quem tem? A mãe respondeu: A professora. José perguntou: mãe onde está a professora? A mãe: está na escola. Logo José questionou: e cadê a escola? A mãe: está na cidade. José: e porque não aqui? A mãe: José, aqui somos poucos, e os poderosos não tem interesse em ter escola aqui. José, já sem saber mais o que fazer, fez um pedido a mãe: mãe dê um jeito, eu quero ir nesta tal escola, conhecer essa tal professora, e que ela possa me dizer o que tanto eu quero saber.

Quando o pai de José chegou em casa, a mãe contou sobre toda a agonia de José, e perguntou: o que vamos fazer? Nós não podemos abandonar a nossa criação, nossa casa, nossa plantação. O pai respondeu: vamos falar com a madrinha dele, pra ver se ela pode ajudar e poder levar José para tal escola. Vendemos um garrote, mandamos umas galinhas, ovos, abobora, e quem sabe, se o inverno for bom, podemos arrumar até mais.

E assim começou, no primeiro dia José já não foi para primeira série, pois sua mãe já tinha ensinado as primeiras letras, e José já juntava também as silabas, e com letras trocadas fazia palavras que juntas formavam o que ele queria dizer. No inicio José era só timidez, mal levantava a cabeça para olhar os seus colegas, a sala de aula, quiçá o professor. Tudo era muito novo para José. Mas o tempo foi passando, e José se encorajando falou: Professora, onde eu vou encontrar as respostas de meus tantos porquês? A senhora pode falar? A Professora, surpresa, pela iniciativa tão repentina de José respondeu: José, infelizmente, nem todos os seus porquês eu vou poder ajudar, mas você pode encontrar essas respostas, pelo seu querer, no seu caminhar você vai descobrir quase todas as respostas, ou as quais você puder alcançar. José respondeu: e porque quase e não todas? A professora falou: porque muitas delas estão dentro de você, e que só o tempo é capaz de dizer. José voltou a perguntar: Como assim professora? A professora: Porque, no seu caminho é preciso fazer seleção entre o bem e o mal, discernir entre o abstrato e o concreto, comparar e rimar o amor com dor. Fugir dos males que abrevia a vida, aprender a se livrar do amor não correspondido, e do homem que não quis saber e quer se dar bem através de você.

Hoje, José escreveu para sua mãe, entre outros trechos da carta ele fala que já entende alguns porquês, já leu sobre Thomas Edison, Graham Bell, Beethoven, Gandhi, Freud, Isaac Newton, Castro Alves, Paulo Freire e Antônio Conselheiro, já sei porque a politica condenou a morte Jesus, já sei a diferença entre o nascente e o poente, que são cinco os sentidos, já sei sobre os oceanos e os continentes. Eu já sei de muita coisa, mas a minha maior certeza mãe, é que quando eu aprender quero ser Professor.

*Maria Zuleica Rolemberg Silva/Fábio Alessandro Rolemberg Silva, professor do Núcleo de Educação do campus do Sertão.


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