Seg, 18 de setembro de 2023, 16:44

Como conheci Alberto Carvalho
Publicado no Jornal da Cidade em abril de 2006, ano em que foi feita a escolha do nome do campus da UFS em Itabaiana
Alberto Carvalho e sua esposa Tereza (História e Memória Universidade Federal de Sergipe: 1968-2012, Eliana Souza, Editora UFS)
Alberto Carvalho e sua esposa Tereza (História e Memória Universidade Federal de Sergipe: 1968-2012, Eliana Souza, Editora UFS)

(Depoimento a Paulo Fernando Teles Morais.)

Não tenho seguido de perto a campanha em torno do nome que será dado ao campus Universitário de Itabaiana. Mas, creio piamente, como você mesmo assegura, que não há uma divisão itabaianense no que concerne ao nome de Alberto Carvalho. É notório que seu apego afetivo e crônico à cidade esteve em todas as suas conversas informais e ficou em muitas de suas páginas. Esse dado incontestável pesa, naturalmente, no reconhecimento de todos seus conterrâneos. Em boa hora, você justifica a escolha do seu nome, destacando-lhe os dotes criativos e intelectuais, reconhecidos por todos nós que militamos no mesmo ramo.

Nunca pertenci ao grupo que convivia com Alberto Carvalho. Mas, de longe aprendi a admirar desde cedo, primeiro que tudo, a sua mania de leitor inveterado. Revejo-o entrar esbaforido, de camisa de manga comprida e gravata, na Livraria Regina José Apóstolo (também este, de invariável camisa alva e gravata) e se pôr a compulsar livros freneticamente, escolhendo uma braçada deles com certo afă e agilidade. Compreende-se: precisava voltar ligeiro ao Banco do Brasil da General Valadão de onde, afinal, aproveitara a folguinha da hora da merenda, e dera a escapulidinha de todas as tardes para ir se abastecer das novidades editoriais. Isso aí, se não me engano, nos primeiros anos da década de 70. Naquela quadra, sem dúvida alguma, Alberto Carvalho era uma unanimidade, um mito em carne e osso, chegava a ser apontado a dedo, carregava a aura de o leitor-intelectual mais falado da cidade.

Mais tarde, em contato com a sua palavra escrita, aprendi a admirar-lhe a irreverência e os comentários desabusados, predicados que qualificam e definem a sua independência de espírito. Acho, humildemente, que você pode incorporar esse dado para robustecer seus argumentos a favor de nosso intelectual.

Estamos vivendo um momento difuso de patrulhamento ideológico. A esfera federal, com suas inúmeras ramificações políticas, tem feito de tudo para deixar fora de combate as consciências independentes. Já tivemos, inclusive, expulsão de jornalista. A ordem geral é enquadrar políticos, professores, funcionários e servidores com algum poder de decisão numa bitola cordata, dirigida e certinha, que sirva de exemplo “cívico” a toda a população dos barnabés. É compensar a subserviência com cargos, assessorias, boladas, comissões.

A esta altura dos acontecimentos, desconheço os ilustres nomes que concorrem ao Campus de Itabaiana, mas creio que, como é de se esperar, todos sejam dignos e meritórios. Isso não me impede de dizer, porém, que Alberto Carvalho é também um bom nome. Jamais se curvou às conveniências pessoais ou se prestou a ser áulico do poder. Sempre foi um sentinela avançado da liberdade individual. Deixou mesmo uma célebre página onde alfineta e cobre de ridículo este espírito tacanho e provinciano que se encara em todos os bajuladores. Sendo assim, neste momento em que muitos de nossos direitos estão sendo ameaçados, acho que a escolha do nome de Alberto Carvalho para o Campus Universitário de Itabaiana não só fará justiça a sua memória, como também nos servirá de oportuna lição. Mostrará, exemplarmente, a esta geração desencantada, que ainda há esperança e condições de realização para o cidadão independente. Será a vitória do livre exercício da liberdade em geral.

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Francisco J. C. Dantas é professor aposentado da UFS, romancista, autor de Os desvalidos, Coivara da Memória e outros livros.


Atualizado em: Seg, 18 de setembro de 2023, 16:53

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