Em um artigo recente divulgado pela revista Science, pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Instituto Federal de Sergipe (IFS) colaboraram com um estudo internacional sobre os impactos da seca registrados nos anéis de crescimento de árvores tropicais, liderado pelos pesquisadores Pieter Zuidema (Wageningen University Research) e Peter Groenendijk (Universidade Estadual de Campinas - Unicamp).
De acordo com Claudio Sergio Lisi, professor do Departamento de Biologia (DBI/UFS) e coautor da publicação, o estudo é resultado de uma rede internacional de pesquisadores trabalhando com anéis de crescimento nos trópicos e aponta que, ao longo do último século, as secas tiveram um impacto mínimo no crescimento das árvores tropicais. Consequentemente, a taxa de captura de CO₂ pela biomassa dessas florestas permaneceu relativamente constante.
“Embora já existissem centenas de estudos individuais, neste, em específico, os dados foram compilados para uma análise em escala global. Foi utilizada a mais extensa base de dados já compilada de anéis de crescimento de árvores tropicais, a qual abrange mais de 20 mil amostras de anéis obtidas em cerca de 500 localidades em 36 países na região Pantropical. Eles estimaram que, em média, o crescimento das árvores nos trópicos foi reduzido em 2,5% nos anos mais secos, quando comparados com anos de chuvas normais ou acima da média. Essa diminuição no crescimento praticamente deixou de existir um ou dois anos após a seca", explica.
Os autores, contudo, advertem que os impactos das secas podem ser muito mais severos em determinadas localidades, além de apresentarem tendência de intensificação em decorrência das alterações climáticas, podendo já estar contribuindo para o incremento da mortalidade das árvores.

Os anéis de crescimento das árvores são círculos concêntricos visíveis no corte transversal de um tronco, formados pela atividade do câmbio vascular. Cada anel representa um ano de crescimento e é composto por uma parte mais clara — o lenho primaveril ou estival — e uma mais escura — o lenho outonal —, refletindo as condições ambientais nas quais estão inseridas, tais como disponibilidade de água e temperatura. A contagem e a análise da largura e densidade desses anéis, um processo conhecido como dendrocronologia, permitem determinar a idade da árvore e estudar o clima e outros eventos passados que afetaram a planta.
As árvores absorvem CO₂ da atmosfera por meio da fotossíntese. Parte desse carbono é armazenado nos troncos por décadas, contribuindo para mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas. No entanto, em períodos de seca, o crescimento do tronco tende a desacelerar, reduzindo a fixação de carbono na madeira.
O professor Pieter Zuidema, autor principal do estudo, explica no artigo que “até agora, não sabíamos em que medida o crescimento dos troncos das árvores tropicais era afetado pelas secas. Os anéis de crescimento funcionam como um arquivo natural que registra esse histórico. Com a rede de anéis de crescimento tropical, conseguimos quantificar, pela primeira vez, os efeitos das secas sobre o crescimento das árvores em escala pantropical".
A rede compilou dados de crescimento de 483 localidades distribuídos por toda a zona tropical, desde as florestas úmidas e quentes da Amazônia, passando por florestas secas africanas e florestas de montanhas asiáticas. Para cada localidade, os pesquisadores identificaram os anos mais secos desde 1930, calcularam a redução na largura dos anéis nesses anos e a recuperação do crescimento nos dois anos seguintes.

Dessa forma, foi observado que, em média, o crescimento do tronco caiu 2,5% nos 10% de anos mais secos e, ao focar nos 5% de anos de secas mais extremas, a redução foi de 3,2%. Em geral, o estudo aponta que houve uma recuperação quase completa no ano seguinte e os autores discutem que isto pode estar relacionado ao uso de reservas de açúcares pelas árvores para produzir novas folhas e madeira.
Impactos locais mais severos – Alerta para árvores do Nordeste do Brasil
Embora o efeito médio tenha sido modesto, em cerca de 25% das localidades o crescimento diminuiu mais de 10%. “Isso ocorreu principalmente em regiões quentes e secas, como o Nordeste do Brasil e o sul da África, onde as árvores tendem a perder as folhas rapidamente e os solos retêm menos umidade. Já em regiões úmidas, como na Amazônia, os impactos foram menores”, explicou o professor Cláudio Lisi.
Ele destaca ainda que esses resultados são consistentes com o que já conhecemos sobre a Caatinga, cujo bioma é composto por árvores adaptadas à seca, mas em anos de seca prolongada, são resilientes tendo seu crescimento anual com reduções expressivas.
“A vegetação da Caatinga tem forte relação com o clima da região, diminuindo o crescimento nos anos de secas severas, como na década de 2010, quando por anos sucessivos os volumes de chuvas foram abaixo da média histórica, e como consequência os anéis de crescimento das árvores ficaram mais estreitos acumulando menos carbono”, comenta.
De acordo com a professora Mariana Pagotto, também do DBI/UFS e coautora do artigo, apesar da forte redução do crescimento no ano da seca, as árvores do estudo se recuperaram rapidamente nos anos seguintes.
“Esse é um achado importante para florestas tropicais sazonalmente secas como a Caatinga, onde muitas espécies apresentam plasticidade fenológica (perda de folhas, retomada rápida do crescimento com as chuvas). Na Caatinga, as espécies arbóreas dominantes — como Poincianella pyramidalis, conhecida como catingueira — apresentam estratégias adaptativas ao clima semiárido, incluindo caducifolia, e xilema resistente à cavitação. Essas adaptações permitem que algumas espécies suportem secas intensas, mas à custa de uma forte redução no crescimento radial durante os anos mais secos”, explicou.
Uma outra espécie que forneceu informações significativas foi a Schinopsis brasiliensis, conhecida como Braúna. Pesquisas inovadoras conduzidas no semiárido nordestino pelo professor Francisco de Carvalho Nogueira Júnior, do Instituto Federal de Sergipe, ampliaram a compreensão acerca de como a sazonalidade climática das precipitações na região impacta os anéis de crescimento das árvores, especialmente durante os anos de estiagem.

“Os estudos realizados com a S. brasiliensis contribuíram decisivamente para compreender a relação que a precipitação e a temperatura exercem sobre o crescimento anual dessa espécie de árvore, em especial a influência das tempestades no desenvolvimento dessa espécie na caatinga, sua relação com as alterações climáticas e com os fenômenos climáticos extremos, promovendo, assim, uma maior compreensão acerca dos impactos do aquecimento global em ecossistemas naturais”, destacou.
Ele explica ainda que “essa espécie, presente no bioma caatinga, é severamente ameaçada pelo seu uso, reforçando a importância da conservação dos remanescentes florestais ainda existentes”.
Apesar dos resultados positivos apresentados pelo estudo quanto a resiliência das árvores tropicais, o biólogo e doutorando em Ecologia e Conservação pela UFS, Ítallo Romany, que também é coautor da pesquisa, alerta que "regiões do semiárido nordestino do Brasil têm enfrentado uma diminuição nas médias históricas de precipitação, além das previsões climáticas para a região indicarem uma tendência ao aumento na frequência de eventos extremos, notadamente megassecas. Por exemplo, entre 2012 e 2017, secas mais severas e abrangentes podem resultar na redução da resiliência e da capacidade de recuperação dessas árvores, levando a um acentuado declínio na produtividade da madeira das espécies tropicais. No que se refere à realidade do semiárido brasileiro, onde as secas se apresentam de forma cíclica, a intensificação prevista em decorrência das mudanças climáticas pode ultrapassar a capacidade de resiliência das espécies”.
O estudo sugere que, mesmo em regiões muito secas, a mortalidade extra é pequena em termos percentuais (~0,1% ao ano), mas, em ecossistemas extensos territorialmente como a Caatinga, isso pode representar uma perda significativa de carbono estocado. A vulnerabilidade das árvores semiáridas brasileiras estaria, portanto, menor no impacto de um único evento seco e maior no efeito cumulativo de secas recorrentes que impeçam a plena recuperação do crescimento das árvores.
Segundo o professor Claudio Lisi, “é essencial progredir nas investigações iniciadas em 2009, no Laboratório de Anatomia Vegetal e Dendroecologia (LAVD-UFS), ampliando o acervo de dados e realizando comparações mais acuradas sobre a resposta do crescimento das árvores no nordeste do Brasil em decorrência dos anos de secas. Os estudos que estamos desenvolvendo atualmente utilizam ferramentas contemporâneas, como a análise de isótopos estáveis de oxigênio e carbono, as quais possuem uma estreita relação com os processos metabólicos e de crescimento das árvores; essas análises estão sendo conduzidas pelo doutorando Ítallo Romany Nunes Menezes e pela professora Mariana Alvez Pagotto", finaliza.
Jéssica Vieira - Ascom UFS